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Os novos Movimentos Sociais e a condição de “Ser em Rede”

Valdemar Arl

7. Alguns desafios atuais para a organização social

7.3 Os novos Movimentos Sociais e a condição de “Ser em Rede”

Os novos movimentos se realizam em formato de Rede e se organizam a partir de espaços e instâncias de interação coletiva.

O nosso dia a dia é um emaranhado de redes: redes de internet, redes de supermercado, redes de lojas, redes bancárias e assim por diante. A sociedade é uma grande rede composta de um emaranhado de inúmeras redes. Com a globalização, o mundo capitalista torna-se uma grande rede econômica e mercadológica, influenciando fortemente as

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condições políticas, sociais e culturais dos povos. Mas com o avanço tecnológico, emergem inúmeros movimentos sociais construídos a partir de novas e poderosas identidades coletivas, que pressionam por diferentes condições econômicas, ambientais, sociais e culturais. Essas identidades são construídas a partir de bases históricas ou momentâneas, e podem se enfraquecer ou fortalecer na sua trajetória.

Essa expressão ‗novos movimentos sociais‘ surge em meio a uma relativa crise do Marxismo ortodoxo e propõe a ampliação da análise, fortemente sustentada nas estruturas sociais, especialmente a econômica. Explicita a necessidade de consideração de novas dimensões relacionadas à subjetividade dos indivíduos para dar conta dos novos fenômenos políticos e sociais contemporâneos, e defende a dimensão política como parte de toda prática social. A grande crítica a esta proposição é não ter as classes sociais como centralidade, o que não significa seu abandono. Propõe uma análise ajustada à diversidade e complexidade das atuais relações produtivas e políticas. Os novos movimentos sociais assumem novos temas aglutinadores como a luta pela terra, gênero, moradia, questão ambiental, Agroecologia, feminismo, autonomia política e outros. Evidenciam-se os movimentos contra a globalização neoliberal, contra o consumismo e o produtivismo (que não trazem a felicidade) e contra as formas tradicionais de fazer política.

Segundo Calle Collado (2013), embora esses novos movimentos sociais se articulem, basicamente, em torno da busca de resultados e momentaneamente, traduzem uma nova forma de fazer política e novas formas de vinculação social. Portanto, os novos movimentos sociais pautam, também, a forma organizacional sendo que, diante da crescente verticalização, a personalização e burocratização institucional que ocorre, inclusive junto aos próprios movimentos sociais, com mais ou menos intensidade. Outro aspecto refere-se à necessidade de multiplicar a

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capacidade social6 e sua participação efetiva para além da base social

filiada às atuais organizações, sugerem novas estratégias e novas formas de organização e luta. Entende-se que, mesmo diante do atual imobilismo social, há muita indignação e inquietações junto a uma grande parte da população. O desafio está na articulação, qualificação e mobilização desse conjunto de pessoas que, em sua maioria, não está articulada em nenhuma organização social institucionalizada. Não é preciso desperdiçar as experiências construídas, mas é necessário revisar estratégias e redescobrir novas formas organizacionais, e reencontrar eixos comuns de luta local, regional e nacional.

Os novos movimentos sociais são capazes de criar identidades fora dos espaços institucionalizados e provocar transformações envolvendo uma maior diversidade de sujeitos sociais, institucionalizados ou não, de diferentes grupos sociais na relação de produção. Essas identidades podem afirmar-se a partir de questões mais específicas ou concretas, como as conquistas de direitos, e devem contemplar dimensões de ordem estratégica mais ampla, como a transformação social e ruptura com a ordem capitalista em vigor. Para tanto, segundo Calle Collado (2013), é necessário passar de momentos insurgentes de protesto para dinâmicas insurgentes no seio da sociedade e passar do político à política.

Para Castells (1996, p. 24): ―[...] a construção social da identidade ocorre em um contexto histórico marcado por relações de poder.‖ E,

6 Utiliza-se este termo capacidade social

em substituição ao termo do ―capital

social‖ largamente utilizado por sociólogos brasileiros como Ricardo Abramoway

com a intenção de incorporar-lhe a dimensões sustentadas na educação popular, reforçando a condição de sujeito coletivo e protagonismo popular. Concorda com a visão de um povo capaz, que participa e se organiza, mas reforça sua condição de autonomia. Segundo Scherer-Warren e Lüchmann (2004), a aproximação e parceria da sociedade com o Estado de forma complementar e com consensos, apresenta um certo ―tom‖ conciliatório nas relações sociopolítico-institucionais, sugerindo, que: ―Não é à toa que os governos e as agências multilaterais (BIRD, BID, FMI) se apropriam de um conceito de capital social que, destituído de qualquer caráter de conflituosidade, está ancorado nas ideias de voluntariado e filantropia empresarial‖. Reduzindo assim a condição política e fortalecendo a noção de ―confiança, civismo, complementaridade, eficiência e colaboração.‖

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propõe uma distinção quanto às formas e origens de construção das identidades, sendo:

[...] identidade legitimadora, introduzida pelas instituições dominantes da sociedade [...]; identidade de resistência, criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação [...]; identidade de projeto, quando os atores sociais, utilizando-se de qualquer tipo de material cultural ao seu alcance, constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade, e ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda estrutura social (CASTELLS, 1996, p. 24).

A Via Campesina e o Fórum Social Mundial são redes que se articulam em torno de uma identidade de projeto contra o capitalismo em torno da proposta de que ―um outro mundo é possível‖ e são redes contínuas no tempo e que mantêm regularidade de ações e mobilizações. Uma experiência, também, relevante quanto às novas formas organizacionais está na revolta da população urbana e rural reforçada pelo movimento indígena na Bolívia que, a partir de uma questão bem concreta envolvendo a tentativa de privatização da gestão da água para uma empresa norte americana, a população foi capaz de se mobilizar e reinventar sua forma de organização e interação com o Estado, pautando, posteriormente, outras questões de interesse social e popular. Esta é uma experiência que apesar de, aparentemente, se articular em torno de uma identidade de resistência, se afirma, crescentemente, em torno de um projeto de identidade e soberania nacional.

Analisando a experiência da Bolívia, Álvaro García Linera, pesquisador social Boliviano, chamou a essa forma de articulação e organização de ―forma multitud” (movimento de massa/multidão) que se embasa nas seguintes condições básicas:

a) Modo de unificação territorial e flexível: na medida que as atuais formas de organização foram se desagregando e fragilizando,

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novos formatos organizacionais foram se construindo, articulando e ampliando sua capacidade de mobilização;

O decisivo nesse movimento de massa, é que, resulta da aglutinação de sujeitos coletivos, ou seja, associação de associações onde cada pessoa que está presente no ato público é resultado da agregação das pessoas colectivas, ou seja, uma associação de associações, onde cada pessoa que estiver presente no ato público, não fala por si mesmo, e sim por uma entidade coletiva local, diante da qual tem que prestar conta de suas ações, de suas decisões, de suas palavras (LINERA, 2001, p. 2).

Segundo Linera (2001), esta forma organizacional não cria uma fronteira entre filiado e não filiado, ou seja, todos se tornam parte do movimento sem uma filiação e institucionalização formalizada, onde tanto os representantes de organizações como qualquer pessoa interessada pode intervir e participar das decisões nas assembleias, encontros ou reuniões. Desta forma, amplia-se a base social, a legitimidade do movimento e cria-se uma rede organizativa bastante flexível em torno de um eixo de aglutinação bastante sólido e contínuo.

b) Tipo de reivindicação e base organizacional: esse modo de organização tem se iniciado a partir de questões concretas, como a tentativa de privatização da água, preços dos serviços sociais básicos, acesso a terra e outros. Caracteriza-se em uma ação coletiva reativa e defensiva, mas à medida que avança vai afirmando-se como uma nova forma de exercer a democracia e transformando-se em poder político, assumindo a forma propositiva e ofensiva;

c)

Soberania e democracia social: essa experiência organizacional tem como base o território onde se realizam as assembleias e consultas populares diretas, mas se estenderam para além destes;

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Mas, à medida que as redes de mobilização centradas em uma mesma demanda cresceram, esses saberes democráticos e essas técnicas de deliberação tiveram que se expandir e reconfigurar-se para abrir caminho a uma complexa e sistemática estrutura de exercício democrático de prerrogativas públicas, de formação de uma opinião pública e, com o tempo, a resolução da gestão de um bem público (água), a nível regional, mesmo em concorrência com o estado (LINERA, 2001, p. 3).

d) Institucionalidade e amplitude: na experiência organizacional da Bolívia, segundo Linera (2001), embora esteja muito presente o exercício das assembleias nas comunidades, carece de mecanismos mais duradouros de convocação, para que a vitalidade dessa prática possa forjar uma nova cultura organizacional.

Essa experiência retrata um exemplo claro de igualdade política e, como denominou Linera (2001), ―democracia deliberativa‖, para muito além do movimento institucionalizado, desafiando o estado de direito discriminatório e sustentado na desigualdade.

Os novos movimentos sociais são capazes de criar identidades fora dos espaços institucionalizados e provocar transformações envolvendo uma maior diversidade de atores sociais, institucionalizados ou não, de diferentes grupos sociais na relação de produção. Essas identidades podem afirmar-se a partir de questões mais específicas ou concretas, como as conquistas de direitos e, contemplar ou não, dimensões de ordem estratégica mais ampla, como a transformação social e a ruptura com a ordem capitalista em vigor.

Esses novos movimentos sociais podem articular-se em ―Redes‖ nacionais e internacionais. Uma rede é capaz de articular uma diversidade de sujeitos e pode incorporar uma significativa heterogeneidade e um bom nível de pluralismo a partir de propostas e estratégias políticas assumidas coletivamente. Permite que, mesmo não havendo processo vivo localizado,

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as pessoas possam incorporar-se em frentes de lutas amplas. Uma rede pode articular-se organicamente com outras redes, formando uma rede de redes.

As organizações de sociedades articuladas em redes são formas muito atuais e efetivas de sustentação de identidades coletivas embasadas em padrões comuns de comportamento, valores e perspectivas. A articulação em rede é uma forma de organização que pode se conectar planetariamente, ultrapassando o limite das instituições e inclusive a divisa dos Estados nacionais. É uma forma de articulação política contemporânea cada vez mais efetiva.

Goss e Prudêncio (2004), citando Bauman (2001), destacam a importância política das redes que se evidencia diante da chamada crise da noção de cidadania, provocada pela intensificação do processo de individualização. A ação coletiva em rede pode ser um ponto de ligação do abismo que se criou entre o indivíduo e o cidadão.

As manifestações de resistência global, uma rede de movimentos que se contrapõe aos atores político- econômicos internacionais, representam bem esse aspecto da ação coletiva contemporânea: a volta dos atores coletivos à esfera pública com uma mensagem originada na esfera privada e ‗coletivizada‘ pelas redes (GOSS; PRUDÊNCIO, 2004, p.82).

Trata-se de uma nova forma de fazer política, conforme Goss e Prudêncio (2004), citando Beck (1997) ―novas formas de ação na sociedade que compreendem diferentes arranjos sociais e possibilitam modos alternativos de construção de consensos‖, sob os princípios da participação igualitária, horizontalidade, articulação e descentralização, e que estão se tornando cada vez mais expressivas nas articulações políticas atuais.

Porém, nessa rede alguns sujeitos coletivos serão temporários e que, segundo Goss e Prudêncio (2004), definem os Movimentos Sociais em Rede como um sistema aberto onde permanece o campo de ação, mas

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mudam os seus atores. Aqui se amplia o conceito de Movimentos Sociais trabalhado em itens anteriores. As autoras propõem uma distinção entre os ―coletivos em rede‖ e ―redes de movimentos‖. Os coletivos em rede não se definem como movimento social, mas nesse caso podem ser parte constitutiva dos movimentos sociais, e definidos como: ―conexões em primeira instância comunicacional de vários atores ou organizações através da Internet, principalmente, para difundir informações, buscar apoio ou estabelecer estratégias de ação conjunta‖ (GOSS; PRUDÊNCIO, 2004, p. 83).

As redes de movimentos ―são redes sociais complexas que extrapolam as organizações e que conectam, simbolicamente, sujeitos sociais e atores coletivos.‖ (GOSS; PRUDÊNCIO, 2004, p. 83).

Nessas articulações, essas redes ―oferecem novas leituras para a realidade, atribuindo novos significados às transformações sociais‖, sendo:

[...] a desfundamentalização — o fim da crença em uma única orientação para a transformação social; o descentramento — atores diversos reivindicando projetos distintos; o combate aos essencialismos em direção ao interculturalismo — reconhecimento das diferenças sem totalitarismos; e o engajamento dialógico na rede, para a superação da distinção teoria e prática, ou seja, entre a produção intelectual, as mediações e as militâncias (GOSS; PRUDÊNCIO, 2004, p.83 apud SCHERER- WARREN, 2004).

Scherer-Warren e Lüchmann (2004) defendem a importância da abordagem de redes para a análise dos movimentos sociais atuais, e até mesmo para entender os processos estruturadores da sociedade.

Além do tripé democracia/participação – diversidade/pluralismo – inclusão sociocultural, a organização ou mobilização na forma de redes é assumida como um conceito propositivo para os movimentos sociais no novo milênio (SCHERER- WARREN; LÜCHMANN, 2004, p.22).

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Talvez um desafio muito atual seja a articulação dos Movimentos Sociais institucionalizados com os Novos Movimentos sociais, pelo menos em torno de alguns eixos comuns ou lutas específicas comuns, mas na condição de movimento, para além desse específico, fortalecendo mudanças sociais mais amplas.

As articulações da Agroecologia no Brasil podem ser definidas como um Movimento Social em Rede, como no caso da Rede Ecovida de Agroecologia que é uma rede de Núcleos Regionais, que por sua vez são uma rede de grupos, associações, cooperativas, entidades, etc, e ainda, cada sujeito coletivo é uma rede de famílias. Trata-se de um Movimento em Rede em si, mas que se articula em um Movimento em Rede nacional maior, a Articulação Nacional de Agroecologia que é uma rede de outras redes regionais, na qual, também, se articulam os Movimentos Sociais do Campo e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) que também é uma rede de organizações.