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Os primeiros tempos

No documento (Tese são final 1 frente e so ) (páginas 91-200)

II. A evolução do Sector da Saúde

2.3. Em Portugal

2.3.1. Os primeiros tempos

A assistência aos pobres e necessitados, de índole caritativa e religiosa, teve o seu começo com a divulgação do cristianismo, em particular a partir do momento em que os romanos adoptaram esta religião como oficial.

A saúde dos lusitanos não diferia muito da dos seus contemporâneos de outras nações. A mortalidade infantil era elevada, mas aqueles que sobreviviam eram fortes e saudáveis. Os problemas de saúde mais graves ocorriam apenas nos períodos de guerra. Contudo, algumas doenças causavam também baixas consideráveis: varíola, tifo, disenteria e outras pestes (Ferreira, 1990).

Com a expulsão dos romanos do nosso território, na sequência das invasões bárbaras, grande parte do esforço de desenvolvimento sanitário que eles protagonizaram, perdeu- se. A assistência na doença, cristã, individual e caritativa, estava confinada às igrejas e conventos. Era escassa e não estava organizada.

Na altura da fundação da nacionalidade a situação do país em termos de saúde era particularmente má, não apenas devido ao já exposto, mas também porque a guerra, o crescimento da população, a instabilidade de algumas povoações e a falta de condições sanitárias agravavam significativamente as condições de vida.

A organização assistencial, muito incipiente, como se depreende, estava estruturada da seguinte forma:

Reis, fidalgos e alto clero – eram tratados por médicos, físicos, cirurgiões,

(alguns com formação obtida no estrangeiro), barbeiros, sangradores e outros práticos, nas suas residências; por vezes, frequentavam termas;

Religiosos, peregrinos e outras pessoas ligadas à religião – eram tratados,

habitualmente, nas diversas instituições religiosas existentes, por monges com conhecimentos sobre a cura das doenças; a formação destes fazia-se, quase sempre, através da prática, observando os mais velhos, tomando notas, experimentando;

Pobres, mendigos e pessoas afectadas por incapacidades graves – deslocavam-

se para a proximidade de igrejas e conventos, onde solicitavam a ajuda dos religiosos; por vezes tinham a sorte de ser recebidos no interior das instituições; sempre que a família podia e a doença o permitia, o tratamento era prestado em casa.

As albergarias foram os primeiros estabelecimentos de saúde existentes em Portugal. Localizavam-se, inicialmente, junto a igrejas, capelas e conventos, ou ainda em estradas usualmente percorridas por peregrinos e recebiam com regularidade a visita de religiosos com o objectivo de curarem quem se encontrava doente. Estes estabelecimentos sofreram, aliás, um extraordinário impulso por motivo das peregrinações a Santiago de Compostela e das cruzadas que passavam por Portugal (Graça, 2000a).

As primeiras albergarias existentes em Portugal serviam, simultaneamente, para estadia de viajantes, doentes e outros necessitados, e não tinham separação de áreas, misturando-se pessoas saudáveis com outras gravemente enfermas.

A sua existência, tanto quanto é possível saber, data do início do Condado Portucalense e terá tido nas rainhas e princesas, fortemente imbuídas do espírito cristão, as suas principais impulsionadoras. D. Teresa, mulher do conde D. Henrique, fundou em Mesão Frio a primeira albergaria portuguesa que se conhece (Ferreira, 1990). Segundo Graça (2000a), a mãe do primeiro rei português terá também fundado, em 1120, uma outra instituição deste género que deu origem ao topónimo Albergaria-a-Velha. Ainda no Século XII, D. Mafalda, mulher de D. Afonso Henriques fundou outras em Marco de Canaveses e Chaves22. D. Isabel (a rainha Santa Isabel), mulher de D. Dinis, deu

também um forte impulso à criação e manutenção destas estalagens, que tinham, como se disse, uma dupla função: abrigo de viajantes e tratamento de doentes. Foi ainda responsável pelo Hospital de Santa Maria dos Inocentes (Ferreira, 1990).

O primeiro hospício, reservado a crianças pobres e abandonadas, foi construído por iniciativa da rainha D. Beatriz de Gusmão e era conhecido por Hospital dos Meninos. Entretanto, em 1131, fora fundado, em Coimbra, pelos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, o Mosteiro de Santa Cruz, local onde, pela primeira vez em Portugal, regularmente, se ensinou medicina23.

Com o passar do tempo apareceram novas instituições destinadas a enfermos e começou a surgir a designação hospital (sprital ou spital), passando a usar-se indiscriminadamente esta denominação ou a de albergaria. As condições dentro destas instalações sofreram também algumas melhorias, em particular, nas de maior dimensão, a separação das duas funções antes mencionadas. A primeira vez que um estabelecimento deste tipo teve a designação de hospital foi em 1328 (Ferreira, 1990), tendo sido construído devido à iniciativa da rainha Santa Isabel, em Coimbra, tendo como objectivo único o tratamento de doentes. É possível, contudo, que a literatura mencione outros hospitais em funcionamento com data anterior a esta última, já que por essa altura, como se disse, se confundia com frequência essa designação com a de albergaria24. Mas, o hospital de Coimbra foi, tanto quanto se sabe, o primeiro criado especificamente com esse fim. Este hospital, que de acordo com Graça (2000a) foi fundado em 1311, chamava-se Santa Elisabete e tinha 30 camas para ambos os sexos. Outro importante papel na prestação de cuidados de saúde, neste período, foi desempenhado pelas designadas ordens religiosas hospitaleiras, como por exemplo, a partir de 1189, a Ordem de Santa Maria de Rocamador, que se devotou ao tratamento e cura de doentes, tendo desenvolvido importante actividade nos hospitais de grande parte do país, um dos quais, no Porto, tinha o seu nome.

23 Nos primeiros séculos da nacionalidade surgiram médicos de nomeada, alguns dos quais estudaram no

estrangeiro. Foi o caso de Frei Gil de Santarém (1185 – 1265), mas também o de Pedro Hispano, mais tarde Papa João XXI (1216 – 1276), talvez os mais importantes deste período.

24 O termo hospital surge, por exemplo, nos testamentos de D. Afonso Henriques e sua esposa D.

Mafalda. Contudo, no documento referente a esta última menciona explicitamente que o hospital de Marco de Canavezes serve para albergue de peregrinos (Lemos, cit. in Graça 2000a). Era financiado, em parte, pelas receitas das portagens da ponte sobre o rio Tâmega.

Estas instituições eram, por norma, instaladas em casas que antes haviam sido destinadas a habitação. Em condições precárias, motivados pela solidariedade voluntária, quase sempre ligada à doutrina cristã, foram estes (hospitais e albergarias), a par das termas, que já existiam pelo menos desde o tempo dos romanos, e das gafarias, os primeiros estabelecimentos de saúde em Portugal. Foram fundados pelos reis e nobreza, mas também pelas corporações de ofícios (alfaiates, armeiros, carpinteiros, correeiros, clérigos pobres, pescadores, sapateiros e tecelões, entre outros) e pelos municípios (Graça, 2000a).

Com o declínio das peregrinações a Santiago de Compostela e o fim das cruzadas, as albergarias tenderão a desaparecer ou a alterar a designação para hospital.

No campo do ensino, é de salientar a criação, em 1 de Março de 1290, por iniciativa de D. Dinis, do Estudo Geral de Lisboa, que entre outras matérias se ocupou também da Medicina. A instituição passou a designar-se Universidade e foi transferida para Coimbra em 1308, regressou a Lisboa em 1338, voltou a fixar-se em Coimbra, em 1354, mas não ficaria por aqui, já que em 1377 passou para Lisboa e em 1537 de novo para Coimbra. D. Dinis criou também a figura do Provedor para os estabelecimentos assistenciais do Estado.

Em resumo, poder-se-á dizer que com o princípio da nacionalidade se começam a instalar em Portugal os primeiros estabelecimentos de saúde, inicialmente designados albergarias, nas quais não havia separação entre peregrinos e doentes, e, mais tarde, hospitais. A caridade cristã, protagonizada pelas ordens religiosas, pelos reis e pelos nobres, teve papel crucial na fundação e manutenção daqueles serviços de saúde, a par dos quais pontificavam também as gafarias e as termas. Já na parte final deste período, apareceram ainda hospitais fundados e sustentados pelas corporações dos ofícios e pelos municípios.

2.3.2. A intervenção régia no Sector da Saúde

A Saúde Pública mereceu também, desde cedo, a atenção dos governantes25, como se pode constatar, por exemplo, nos livros “Leal Conselheiro” e “Da Virtuosa Benfeitoria” da autoria, respectivamente, do rei D. Duarte e do príncipe regente D. Pedro.

D. Afonso V aumentou a intervenção do poder real, ao nomear directamente provedores da sua confiança pessoal e ao definir as regras de funcionamento das instituições de assistência (Almeida, cit. in Graça 2000a).

O quadro seguinte pretende fazer um resumo dessas diferentes instituições, dos seus destinatários e daqueles que as suportavam financeiramente e reporta ao período que vai até ao rei D. João II, inclusive.

QUADRO 2-1 – INSTITUIÇÕES ASSISTENCIAIS ATÉ D. JOÃO II

DESIGNAÇÃO DESTINATÁRIOS FINANCIADORES ADMINISTRAÇÃO

Albergaria Peregrinos, viajantes, mendigos, doentes e incapacitados Fundadores, beneméritos, ordens religiosas, militares, confrarias e reis Fundadores: privados ou ordens religiosas

Hospital Doentes, incluindo os do foro psiquiátrico Reis, corporações, municípios e beneméritos. Ordens religiosas, corporações, municípios ou representantes do rei Gafaria Leprosos beneméritos, reis e Ordens religiosas,

municípios. Ordens religiosas, representantes do rei ou das autarquias e os próprios doentes Mercearia

Pessoas sem trabalho que ocupavam o tempo a

rezar pela alma do instituidor

Fundador (legados e

doações) Representantes do fundador Hospício26 Pobres e doentes Beneméritos e reis ? Asilo abandonadas, idosos e Crianças pobres ou

pobres

Ordens religiosas, reis e organizações profissionais Ordens religiosas, organizações profissionais e representantes do rei Confraria27 Todos quantos

necessitassem de caridade Beneméritos e profissionais de um mesmo ofício Dirigentes da associação (irmandade) Misericórdia28 Todos quantos

necessitassem de caridade

Beneméritos e profissionais de um

mesmo ofício Provedor e Mesa

Fonte: Adaptado a partir de Ferreira (1990) e Graça (2000a)

As mercearias, segundo alguns autores, como por exemplo Graça (2000a), recolhiam pessoas de boa condição, mas que não tinham rendimentos para o seu sustento. A

26 Os hospícios, com o tempo, transformaram-se em Asilos.

27 As confrarias funcionavam junto das igrejas e capelas ou em edifícios próprios. Criaram albergarias e

hospitais, sustentaram outras instituições assistenciais e foram o embrião das misericórdias e das associações mutualistas. O termo capela significava o conjunto de bens doados a um estabelecimento religioso em troca de missas ou de esmolas a entregar a pobres, por alma do benemérito (Graça, 2000a).

28 A primeira Misericórdia, em Portugal, foi fundada em Lisboa, em 1498, por iniciativa da rainha D.

designação derivava de mercês, ou seja, graças ou benefícios. Ainda de acordo com o mesmo autor, a mais antiga que se conhece, em Portugal, foi fundada em 1324, por Bartolomeu Joanes, e tinha capacidade para 10 pessoas. Já uma outra, fundada por D. Afonso IV, destinava-se a 24 pobres e funcionava junto à Sé de Lisboa. Nesta última, os seus moradores tinham também direito a assistência médica.

As medidas de Saúde Pública e as assistenciais alargaram-se também às casas de regeneração para mulheres adúlteras, aos lazaretos e às quarentenas. O desenvolvimento das cidades e a preocupação dos reis com a organização do país, aliados ao natural sentimento de solidariedade, conduziram as autoridades à promulgação de legislação (forais régios e das cortes, posturas municipais e de costumes). Com o passar do tempo, os municípios passaram a ter um papel da máxima importância em matéria de higiene pública, fiscalização, vigilância, conservação, limpeza e policiamento de estabelecimentos, actividades e bens públicos. Os primeiros responsáveis por estas tarefas eram os almotacés.

As fontes de financiamento das instituições mencionadas no quadro anterior que, tal como hoje, poderiam ser públicas, privadas ou mistas, eram as seguintes: legados, doações, transferências dos municípios, da igreja, das ordens religiosas ou do tesouro real, afectação de rendas de bens do rei e pagamentos efectuados pelos doentes. Estes últimos pagavam sempre que tinham possibilidade de o fazer, quando tratados em casa ou mesmo na instituição de assistência. O hospital de Rocamador, no Porto, que se situava na actual rua dos Caldeireiros, tinha casas particulares para acolhimento de pessoas com posses. Convém também notar, que naquela altura era frequente os hospitais possuírem bens que ajudavam à sustentação económica e financeira (por exemplo, propriedades agrícolas e terrenos ou casas arrendadas) da instituição. O poder político desde cedo teve a tendência para intervir no funcionamento das instituições assistenciais: por razões de organização das cidades e do próprio país, por vocação cristã e ainda porque em alguns casos, que envolviam legados e doações avultadas, a administração destes gerava, por vezes, sérias desavenças entre pessoas importantes da localidade respectiva. No fundo, os reis depressa descobriram a importância do Sector da Saúde em diversos campos: estabilidade governativa, esforço de guerra, desenvolvimento económico, capacidade produtiva, suporte da ocupação do território, responsabilidade social, etc.

Por outro lado, a motivação régia era, aparentemente, mais religiosa do que política, muito embora religião e política estivessem intrinsecamente ligadas durante todo este período que vai da Alta Idade Média até à emergência do Estado moderno.

A este propósito, refira-se que nas gafarias criadas por iniciativa régia, a assistência era considerada responsabilidade real e, portanto, um imperativo público que obrigava à sua sustentação pelo erário régio. Graça (2000a) chama, contudo, a atenção para o facto deste tipo de financiamento ser feito à custa dos bens pessoais dos reis e não dos da Coroa, se bem que estes também fossem difíceis de destrinçar.

Já no tempo de D. Dinis, em 1308, se tinha regulamentado a administração de alguns estabelecimentos, nomeando os respectivos provedores. Em 1337, o mesmo rei tomou à sua conta o Hospital dos Lázaros de Évora. Mas foi já na segunda dinastia que os reis passaram a intervir mais decisivamente e em maior escala no Sector.

D. Duarte interveio no Hospital de Jerusalém, em Évora (Ferreira, 1990). Por volta do Século XIV já todos os hospitais tinham um regimento próprio e eram geridos por um provedor ou administrador. Ainda de acordo com Ferreira (1990), das 506 instituições caritativas existentes até ao reinado de D. João II, 204 eram hospitais, ou seja, cerca de 40%, conforme se pode ver no quadro seguinte:

QUADRO 2-2 – ESTABELECIMENTOS ASSISTENCIAIS

NO REINADO DE D. JOÃO II INSTITUIÇÃO QUANTIDADE % Hospitais 204 40 Albergarias 186 37 Gafarias 80 16 Mercearias 36 7 TOTAL 506 100

Fonte: Adaptado a partir de Ferreira (1990)

Importa esclarecer, que por essa altura, estas instituições, incluindo os hospitais, não tinham médico permanente nos seus quadros. Estes eram aí chamados sempre que necessário, tal como acontecia quando se deslocavam a casas particulares.

Entretanto, o ensino da Cirurgia era feito nos hospitais, fruto da observação do trabalho prático dos cirurgiões mais experimentados. Estes eram habilidosos, habitualmente barbeiros, que com o tempo iam adquirindo conhecimentos sobre a matéria. Em 1448, D. Afonso V criou o regimento de cirurgião-mor, que passou a ser responsável pela aprovação dos candidatos a essa profissão. O reconhecimento das funções dos boticários

data de 1460, enquanto o regimento do físico-mor é apenas de 1476. Em 1461 determinou-se que os remédios só poderiam ser feitos pelos boticários, que os venderiam aos restantes profissionais de saúde.

Este período é pois de extrema importância para a regulamentação do Sector da Saúde em Portugal. À medida que o conhecimento científico se desenvolvia, que os estabelecimentos de saúde cresciam e os profissionais aumentavam, o poder político ia organizando o ensino, fixando as regras de funcionamento, intervindo na administração dos estabelecimentos sempre que tal se justificava e garantindo, em parte, o financiamento destes.

D. João II imprimiu um conjunto importante de reformas, mesmo no tempo em que ainda era príncipe regente, e, entre elas, conta-se também uma significativa actuação no campo da Saúde. Em 1479 pediu ao Papa Sisto IV autorização para juntar cerca de 4329 pequenos hospitais de Lisboa e arredores. Assim nasceu, anos mais tarde, já no Século XVI, em edifício construído de raiz, aquele que é considerado o primeiro hospital moderno português – o Hospital Real de Todos os Santos. Teve, desde o início, um quadro de pessoal próprio, que incluía médicos, cirurgiões, enfermeiros e outros profissionais, bem como áreas separadas para doentes e viajantes. Outros hospitais seguiram o exemplo deste último: Évora, Porto, Viana do Castelo, Caminha, Faro, Beja, etc.

O Hospital Real de Todos os Santos merece uma atenção especial, por ter sido o primeiro a funcionar com regras que se podem considerar adequadas – pelo menos para a altura em questão. Eis alguns dos seus dados (Ferreira, 1990; Graça 2000b):

Ano da fundação: 1504;

Localização: Praça do Rossio, Lisboa;

Número de camas: 100 (mais tarde passou para 300 e depois para 600);

Quando de pessoal: 1 Administrador; 1 físico; 2 cirurgiões; capelães; 11

enfermeiros (religiosos); serventes, aprendizes, barbeiros, nutricionistas, boticário, almoxarife, escrivão e dispensário; no total seriam, nos primeiros tempos da existência do hospital, cerca de 50 elementos;

Admissão de doentes: através de uma espécie de urgência; 2.500 a 3.000

entradas por ano (inicialmente);

Serviços (Secções): Doentes com feridas; doentes com febres; doentes com mal

gálico (doenças venéreas); recebia também meninos enjeitados e doentes do foro psiquiátrico;

Administração: de nomeação régia (1504); Cónegos de S. João Baptista – Lóios

(1530); Misericórdia de Lisboa (1564);

Primeiro Provedor30: Estevam Martins (cónego da Sé);

Factos extraordinários: foi destruído por um incêndio em 1601, tendo sido

reconstruído; destruído quase por completo no terramoto de 1755;

Planta após a reconstrução na sequência do incêndio de 1601: corpo cruciforme

de dois andares; duas enfermarias de homens e duas de mulheres (podiam abrir-se mais três); uma enfermaria para a nobreza; locais de isolamento, em especial para loucos; albergaria, adjacente, para pedintes e peregrinos; horta; igreja

Financiamento: rendas do próprio hospital; rendas do padroado das igrejas da

coroa; doação dos bens da comuna dos mouros; bens dos judeus que se ausentassem do país sem licença régia; dos meninos enjeitados, por norma, era da responsabilidade do município ou da Misericórdia (chegou a albergar 200 crianças)31;

Ensino: tinha ensino de Cirurgia;

Encerramento: o hospital foi encerrado pouco depois do terramoto de 1755,

sendo os doentes transferidos (1760) para o antigo convento de Santo Antão o Novo (mais tarde hospital de S. José).

De facto, quando D. João II assumiu o poder, existiam já, espalhados por todo o país, muitos hospitais, alguns deles de pequena dimensão, fundados e suportados por organizações profissionais de classe. A falta de higiene, as carências de pessoal, as dificuldades financeiras e a degradação das instalações fizeram com que os utentes criticassem as suas condições de funcionamento e conduziram à intervenção real, que

30 A designação Provedor entrará em desuso, sendo substituída pela de Enfermeiro-Mor, provável

corruptela de Irmão-Mayor (Graça, 2000b).

31 Menezes (1987) refere também receitas ligadas aos Descobrimentos, nomeadamente provenientes da

fechou uma série de estabelecimentos, substituindo-os por outros, em menor número, mas muito mais modernos e eficientes. Muitos destes, de média dimensão, teriam já mais de 100 camas.

A rainha D. Leonor, mulher de D. João II, desenvolveu um trabalho extraordinário na área das instituições assistenciais. Para além de ter fomentado a construção de albergarias, foi por sua iniciativa que se construiu, segundo se crê, o primeiro hospital termal do mundo, em Caldas da Rainha. Rapidamente atingiu as 100 camas, teve médico privativo e consulta médica obrigatória para os seus utentes. Foi também por iniciativa desta rainha que se criou, em 1498, a primeira Misericórdia, já depois da morte do marido. Por esta razão, coube a D. Manuel I fundar solenemente (15/8/1498) a primeira confraria ou irmandade: a Santa Confraria da Misericórdia de Lisboa32.

Esta instituição serviria de exemplo às suas congéneres entretanto criadas, sendo as mais importantes e os respectivos anos de fundação as seguintes: Évora (1499); Porto (1499); Beja (1500); Setúbal (1501); Santarém (1502).

D. João II foi um rei centralizador, mas foi também com ele que as condições de funcionamento das instituições de saúde melhoraram significativamente. A partir da sua criação, as misericórdias passaram a ter um papel fundamental na prestação de cuidados de saúde e no ensino, papel que mantiveram durante séculos. O poder político, mal estas instituições se consolidaram, aproveitou também para lhes entregar a administração de outros estabelecimentos assistenciais. Em conjunto com os hospitais estatais, os das Misericórdias protagonizaram a política centralizadora para o Sector da Saúde. Durante séculos, foram-se articulando e adoptando as mesmas regras, as mesmas práticas funcionais, o mesmo estilo de administração.

A criação em 1532, por D. João III, da Mesa da Consciência, aumentou a capacidade de intervenção da Coroa através da administração das suas instituições, da supervisão dos estabelecimentos assistenciais, da administração do padroado régio, da tutela da Universidade de Coimbra e da administração das ordens militares.

32 As obras de misericórdia são 14. Sete espirituais: ensinar os simples; dar bom conselho a quem pede;

No documento (Tese são final 1 frente e so ) (páginas 91-200)

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