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Os pronomes pela perspectiva da Gramática

3.4 Os pronomes no contexto da Gramática GerativaTransformacional

3.4.1 A Gramática Dependencial ou Funcional

3.4.1.1 Os pronomes pela perspectiva da Gramática

Os estudos sobre o pronome pela Teoria de Lucién Tesnière estão propostos, a partir da sua concepção de morfologia na sua relação com a concepção de sintaxe dinâmica e com a compreensão da classe dos nomes como palavras plenas, qualificadas como constitutivas e subdiárias. A esses pressupostos é necessário acrescentar aqueles referentes à anáfora.

Para Mattoso Câmara Junior (1970), a sintaxe, desde que compreendida pelo principio da relação se faz extensiva à combinatória de sons ou letras de que resultam as sílabas e à combinatória de sílabas de que resultam os morfemas, destes na formação de palavras e destas na formação da frase. Esta mesma concepção está registrada na Gramática Tradicional Contemporânea.

Tesnière compreende ser esta uma concepção inerente à sintaxe estática e observa que tal posicionamento submete os estudos sintáticos aos morfológicos. Considera que a conversão do esquema estrutural, alinear, na ordem linear estabelecida pelas línguas de caráter sintagmático, como as neolatinas, implica o

investimento fonomorfológico, por meio do qual a frase se materializa. Essa materialidade assegura à frase uma forma externa destinado a alcançar os ouvidos ou os olhos e que não se confunde com o esquema estrutural, tampouco com o linear, na medida em que tem natureza essencialmente concreta. Essa forma externa da frase, para o autor, é o objeto de estudo da morfologia; pois o objeto de estudo da sua forma interna é a sintaxe:

“La sintaxe es, por tanto, bien <<distinta>> de la morfologia: es <<independente>> de ella. Tiene su propia ley: es <autônoma>>”. (TESNIÈRE, 1990. p. 59). Reconhece que essa sua posição rompe com estudos clássicos, principalmente os desenvolvidos no século XIX que tivera por parâmetro a fonética e a morfologia, de modo que os estudos publicados sobre a sintaxe têm, de modo geral, caráter “sintático-morfológica”. Recorre a Charlles Bally cujos estudos na área de estilística apontam ser necessário reabilitar as forma interior da linguagem, fundamentando-se na observação do que ocorre não espírito do sujeito, falante, quando expressa aquilo que pensa: posição assim assumida por Tesnière:

“(...) cuando hablamos, nuestra intención no es la de encontrar depués um sentido a una seria de fonemas preexistentes, sin o dar una forma sensible fácilmente transmisible a un pensamiento preexistente y que es su única razón de ser. Em otros termos, el telégrafo está para transmitir telegramas, no los telegramas para hacer funcionar el telegráfo.” (1990. p. 61).

Afirma que por eleger a sintaxe articulada à semântica para o tratamento da estrutura e funcionamento da língua, torna-se necessário fazer uso de outro termo diferente de “sentido” para tratar da relação entre o pensamento (= expressando o que está sendo expresso pela atividade da fala) e o esquema estrutural e o linear, referentes à dimensão lingüística, por um lado. E, por outro lado, fazer uso do termo “expressado” para tratar do investimento fonético e, para tratar da morfologia, o termo selecionado é “marcante morfológico”.

“O termo ‘marcante morfológico’ expressará no y ala relación entre el expresando y el expresante, sino la relación del expressado com o expressado”. (p. 61). Logo, quando Tesnière faz uso da expressão marcante fonológico estará se

remetendo à relação entre o expressado, ou seja, o investimento fonológico da frase e o marcante, o marco do expressando, isto é, do pensamento. Assim, compreendida, a morfologia trata do estudo desses marcantes ou marcas.

Para o autor é preciso diferenciar os marcantes entre si quanto à:

a) natureza, ou o investimento fonético que os constitui (cf. secretário, secretária, secretaria e secretariar. p. 86 e 88);

b) a ordem em que ocorrem na cadeia falada – “secretariar” a reunião: núcleo regente; secretário, secretária e secretaria: actantes, ou 01, 02, por exemplo;

c) a aderência dos marcantes, compreendida como o grau de coesão que une entre si aqueles elementos mórficos que o antecedem ou procedem na cadeia falada. A aderência é a função inversa da profundidade dos recortes dados na cadeia falada; assim, dada a frase “O Pássaro fugiu da gaiola”, os recortes

pássaro/ fugiu da gaiola, em que se observa alto grau de aderência

entre o pássaro e menor grau entre fugiu de a gaiola;

d) e conexões desprovidas de maçantes morfológicos como é o caso de “O pássaro fugiu”, proferida para afirmar que o pássaro realizou a ação de fugir e que sua fuga o tornou livre. Tal é o caso das interrogações nucleares, do tipo “O pássaro fugiu?”, em que o sinal gráfico “?” na língua oral, corresponde a uma entonação que incide sobre a conexão entre o núcleo regente e o actante a ele subordinado.

Fugiu (?) o pássaro

Trata-se de fatos lingüísticos que não se traduzem no plano morfológico por quaisquer marcas morfológicas. Observa-se, assim, que Tesnière não considera o

morfema “zero” de concordância entre o actante sujeito e o verbo e, por isso, afirma ser este o ponto frágil da sintaxe morfológica ou estética.

3.4.2 Os pronomes e as palavras plenas

Tesnière postula que as palavras plenas expressam diretamente o pensamento, de modo a se remeterem a idéias gerais e a idéias particulares. As primeiras designam palavras plenas gerais – expressam as categorias gerais que facultam apreender idéias particulares, ou seja, têm conteúdo categórico, mas não um conteúdo semântico que lhes seja próprio: “qualquer um” = categoria: substantivo (conteúdo categórico, mas não expressam nenhuma idéia particular (conteúdo semântico). As segundas designam palavras plenas particulares – expressam idéias particulares, bem como as categorias gerais que facultam apreender tais idéias; logo, têm um conteúdo semântico e um conteúdo categórico: cavalo= expressa a idéia de cavalo (+ animal, + mamífero + quadrúpede + herbívoro + meio de transporte humano...) e à categoria dos substantivos.

Nesse contexto teórico, palavras plenas gerais podem ser tomadas por palavras vazias, embora tais palavras – como é o caso daquelas que nossos gramáticos tradicionais designam por pronomes indefinidos – se qualifiquem como palavras plenas particulares: expressa, conteúdos semânticos particulares e se remetem a categorias gerais. Assim, é preciso considerar que palavras plenas gerais, tais quais as particulares, podem funcionar como centros semânticos de núcleos:

Tanto “gente” quanto “cinema” são constitutivas de núcleos, pois se não o fossem não poderiam constituir o actante (01) e o circunstante (E) do estema acima.

Assim, os pronomes são explicados como elementos da classe dos substantivos e estes são compreendidos como gerais – aqueles que se remetem as pessoas, nela inclusa os pronomes pessoais do caso reto e os indefinidos ou indeterminados, assim como substantivos particulares: Maria, João, gato, cachorro, por exemplo.

O pronome tem, para Tesnière, um sentido bastante preciso:

a) eles são adjetivos empregados com a função de substantivos e, nessa acepção. “(...) el pronombre no es más que uno dos multiples casos particulares del fenômeno más geral de la traslación” (p. 109), por exemplo: Pedro = substantivo particular, com função de actante (01) ou (02):

Pedro = substantivo geral, com função de adjetivo epíteto (= aquele que qualifica, determina um substantivo à semelhança de cavalo bravo, para diferenciar do adjetivo predicativo: o cavalo é bravo):

O cavalo de Pedro é bravo.

em que “Pedro (O) é transladado da função de substantivo para a de epíteto (A) da palavra “cavalo”= substantivo. A mudança de categoria, implica mudança de função: deixa de se comportar como actante; logo: mudança de categoria (translação) e de função (dinâmica) da dimensão sintático-semântica: outra conexão: cavalo se torna médio regente “de Pedro” para designar Pedro como possuidor e cavalo como possuído. Nesse exemplo, a translação atribuída ao adjetivo bravo, se justifica pelo caráter de epíteto a que esse adjetivo possui. Desta feita, pode-se afirmar que “bravo” se enquadra na categoria dos cavalos não mansos.

Nesse caso, a palavra transferida mantém as características da categoria a que pertence, mas deixa de ser morfossintaticamente um substantivo, visto realizar outra estrutura de frase em que figura como adjetivo – é transladado: O>A, facultando a economia da sintaxe. Por conseguinte, o valor semântico de “posse” tanto está materializado em língua portuguesa por esse modelo de translação – “de Pedro” = dele + seu - quanto pelos chamados pronomes possessivos pelos gramáticos tradicionais e, nesse sentido, eles integram à categoria dos adjetivos. Assim sendo, em “meu cavalo”, “teu livro”, “seu lápis”... esses pronomes asseguram tal conteúdo semântico pelo grau de aderência em que se inscreve o valor

semântico da relação “possuidor (eu, você, etc.) e possuído (cavalo, livro, lápis), cujos estemas seriam:

b) eles são autênticos substantivos gerais e, nesse caso, têm gênero e número gramatical, além de não poderem estar em paralelismo, quer como o conteúdo semântico do adjetivo ou com a função do epíteto. Esses substantivos gerais compreendem:

b¹) os substantivos interrogativos: Quem? O quê? – já os interrogativos “Quando?”, “Como?”, “Onde” integram-se, quanto ao conteúdo semântico e função sintática à categoria dos circunstantes; já “qual?” (= o qual/ a que?) “como é?”, a categoria dos adjetivos.

Observa-se que os substantivos interrogativos são bastante numerosos, de modo que o conteúdo semântico desses substantivos pronominais são bastante variáveis, bem como suas funções sintáticas: actantes, adjetivos e circunstantes, como se observa nos estemas abaixo:

Tais interrogações, designados nucleares, nas suas variações, como se observa, podem ocupar diferentes núcleos subordinados ou regentes, referentes às categorias que exercem função substantiva, adjetiva ou de epíteto e de circunstante; razão por que há grande liberdade para se usar tais substantivos. Há de se destacar, dentre tais substantivos, aqueles que se referem a noções gerais – indeterminação e indefinição – que expressam idéias vagas e /ou indeterminadas: “um homem passou por aqui; qualquer um poderá fazer esse trabalho”

Nesse contexto de reflexões, Tesnière apresenta a seguinte classificação para os substantivos:

Interrogativos – quem? negativos – nada, ninguém Gerais Pessoais – eu, tu...

Indeterminados: qualquer ... Substantivos

Particulares Comuns ou apelativos – cavalo Próprios – Alfredo ...

Identifica como substantivos pessoais: eu, tu, ele... e os designa como pronomes pessoais propriamente ditos e ressaltam que qualquer análise detalhada das categorias gerais não é o objeto de estudo da sintaxe estrutural, mas sim da sintaxe categórica. E, operando como os princípios da extensão e o da compreensão diferencia substantivos próprios – aqueles cuja extensão é limitada, já que se aplicam a indivíduos, mas cuja compreensão é mais ampla, visto se remeterem a indivíduos que têm inúmeras qualidades – dos substantivos comuns. Esses funcionam para designar tudo que nos rodeia e, muitas vezes, são nomeados apelativos, cujo inconveniente é de só poderem ser aplicados aos nomes próprios: Maria, venha cá. Maria, por favor... Aponta que os limites entre substantivos gerais e particulares perdem a sua linha divisória, pois quanto mais se amplia a extensão e se limita a compreensão dos substantivos particulares mais se aproxima dos substantivos gerais e vice- versa, visto que:

Los substantivos próprios, cuya extensión es restringida y su compreensión ilimitada, son opostos a los substantivos generalles, cuya compreensión es restringida e su extensión ilimitada, mientras que los substantivos comunes, cuya extensión e comprensión son media, se situa entre ambos (p. 112). Esse mesmo critério classificatório é empregado para classificar os adjetivos em gerais – indeterminados e indefinidos – e particulares. Contudo, os adjetivos não têm nenhuma extensão por si mesmos – a idéia de branco, por exemplo, é independente de sua aplicação em qualquer caso particular. É essa ausência de extensão que faculta diferenciar o substantivo do adjetivo - branco se aplica ao homem, quer numa perspectiva física ou não: homem branco, homem de alma branca, ou às coisas: lápis, cadeira, armário, parede... Assim, a extensionalidade da idéia a que se remete o adjetivo está delimitada pelo substantivo por ela determinado. Logo, se a compreensão dos adjetivos tica restrita pela sua combinatória com o substantivo, não é possível usar os princípios da extensão e o da compreensão para classificá-los e, por essa razão, Tesnière os classifica em

atributivos e relacionais, tendo por critério a idéia expressa pelo próprio adjetivo. São

atributivos, por exemplo, armário branco, bolsa bonita, e os que expressam idéias de quantidade: dois armários, quatro bolsas (numerais) ou pouco, muito.

Os adjetivos de relação se remetem a um substantivo que, por sua vez, se refere a uma pessoa ou a circunstâncias de tempo e/ou lugar e, por isso, são classificados em: adjetivos pessoais e adjetivos circunstanciais – os primeiros evocam a idéia de pessoa; os segundos de circunstâncias (advérbios). Apresentam abaixo, dois quadros que sintetizam tais classificações:

de qualidade Adjetivos atributivos de quantidade De relação Pessoais Circunstâncias Observa-se que:

a) adjetivos do tipo cartesiano, machadiano, são do tipo particular: textos machadianos = aqueles que são de autoria de Machado;

b) adjetivos que se remetem a quantidade gerais – muito, pouco, grande, em português são lexicalizados por: b¹) prefixos: hipermercado, mini mercado, multi livraria, ou por b²) sufixos: viela, ruela – pequena via ou rua, casarão. b³) por advérbios de intensidade como: um grande número de (quantidade).

Os adjetivos pessoais seriam:

Meu, teu, seu nosso, vosso,

seus...(possessivos)

Brasileiro (adj. Pátrios, de origem, pertença).

Este, esse, aquele... (demonstrativos)

Homem do posto. Menino de rua.

Gerais Particulares

Tal (uma tal pessoa) Igual, semelhante a, Certo, tão bom...

Branco Bonito como ... Muito = em grande quantidade ou qualidade Dois Três ...

No singular 1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa Meu, minha Teu, tua

Seu, sua (de ele, de ela)

No plural 1ª pessoa 2ª pessoa 3ª pessoa Nosso Vosso

Seus, suas (de eles, de elas).

Opõe a 1ª e a 2ª pessoa à 3ª que é uma “não pessoa”, ou seja, o que está ausente do exercício propriamente dito da atividade da fala, mas não do seu conteúdo temático. Assim, a não pessoa é aquilo ou aquele que se faz conteúdo do dizer. É por esta razão que a não pessoa, ao contrário das pessoas propriamente ditas, têm flexão de gênero e de número, nas línguas européias. Nesse sentido, “eu”, “tu” jamais são empregados no plural, já o “ele” sim.

Tesnière, fundamentando-se nesses estudos, propõe que se considere os sufixos “-ivo”, de origem latina – “out”, de origem grega (particípio presente do verbo ser – significa a essência da pessoa), para se diferenciar “pessoa (1ª e 2ª ) da “não pessoa”(3ª). Desse modo, falar, expressar suas personalidades ou modos de ser – e por “anotivo” (a= prefixo grego: significa desprovido de, no caso, de personalidade), a 3ª pessoa, ou “não pessoa” para Benveniste. Contudo, considera ser necessário focalizar o “outivo” sob duas perspectivas: o “antooutivo” (eu) e o “antiotivo” (tu), na medida em que, no processo de interlocução, o “eu” toma consciência da pessoa que ele é, quando aprende a se opor, a se diferenciar do “tu”, ou vice-versa. Nesse sentido, retoma-se a concepção de pessoa proposta por Dionísio de Trácia e por Varão que se esforçam para precisar, em suas gramáticas, a concepção de pessoa por meio da matriz significativa inscrita na forma vocabular “out” e que, anexa a forma “-ivo”, responde pela sua qualificação do ser humano, que na condição de sujeito ou de objeto.

Pode-se considerar, como síntese desse produto descritivo, que os substantivos pessoais, embora de alta freqüência nos usos lingüísticos, não têm equivalência unívoca com os substantivos propriamente ditos, pois não designam as pessoas humana – homem ou mulher – no sentido lato do termo, mas sim relação dos interlocutores com a língua que visam tratar-se da concepção de pessoa

representada, mas na língua por um ponto de vista gramatical. Nessa acepção, quando as pessoas que falam focalizam a si mesmas, como fonte das ações desencadeadas pela linguagem, a representação dessa concepção as leva a se designarem por “eu”; se ao invés de focalizarem a si mesmos como falantes, mas o foco incidir sobre aquele com quem se fala, agora, concebendo como fonte de ações, dessa representação, responde pela designação “tu”. Se, durante o ato de fala a pessoa focaliza respectivamente a si ou ao outro como alvo de ações, as designações são “me, mim, te, ti”, em português, precedidas ou não de preposição, em função da regência verbal: para mim; a mim; para ti; a ti e, no caso de “me” ou “te”, tem-se aglutinação dessas formas ao verbo, separadas em língua escrita por hífen: apenas uma questão de convenção: dá-me; dou-te.

Os estudos de Benveniste (1976) sobre esse tema apontam não ser fácil diferenciar “pessoas gramaticais” de pessoas do discurso: o que fala, aquele com quem se fala e aquele de que se fala, na medida em que tais pessoas se explicam pelo princípio da subjetividade. Para esse autor, quando se privilegia tal principio, é preciso considerar que as estruturas subjetivas, de caráter psicológico, apontam que os fatos lingüísticos se explicam por correlações binárias e estes se superpõem à personalidade (sema que é o fundamento da concepção de pessoa) e, portanto à subjetividade. Assim, é a personalidade que várias línguas do indo europeu com línguas semitas, dentre outras, apontam ser necessário considerar que os substantivos pessoais têm a tendência de se converterem a índices pessoais, na função de 1ª e 2ª ou 3ª actante. Essa conversão em elemento indicial assegura a sua não manifestação ou materialização no plano da expressão frasal, pois o verbo - termo regente – assume formas de flexão para assegurar a indiciação de pessoas. Todavia, na representação estemática, os índices mantêm a posição do actante, por exemplo:

Observa-se, no exemplo acima, que a correlação entre aquele que fala e aquele com quem se fala, inscrita no 1º estema, sob a forma de ordem, marca como actante (O3) o sujeito do pedido: Eu ordeno a você ; não explicitada na frase produto. Contudo, o uso do modo imperativo aloca o sujeito com quem se fala = tu que também não é enunciado (Ø), na condição de beneficiador daquele que fala, mas a forma “dá” – flexão de 2ª pessoa do modo imperativo – indicia para o usuário ser o “tu” = você, trata da segunda pessoa e não da primeira. Nessa acepção, em razão da ordem direta, marco qualificador do português, faz com que “você” ocupe o módulo de sujeito gramatical: aquele que pratica a ação; mas, nesse caso, trata-se daquele que deve praticar a ação em benefício daquele que fala, representado pelo “me” – não como sujeito da fala, mas como beneficiário da segunda frase – não lhe darei o livro porque eu o perdi – tem-se a razão para o não cumprimento da ordem dada. O uso do futuro do modo indicativo flexionado na 1ª pessoa faz do “eu” (O1) índice de pessoa que coincide com o sujeito da fala: o tu, na posição de que detém a palavra, torna-se “o falante”, mas não para assegurar o benefício dele solicitado, mas para negá-lo. A comutação entre “me” e “lhe”, não deixam de ser formas distintas para denominar o sujeito da ordem: mas a primeira faz referência do modo como o falante designa a si próprio; a segunda ao como ele é designado pelo tu; logo, ao jogo das relações de interlocução para representar “quem está com a palavra”, quem fala e quem ouve.

O substantivo pessoal “o” = livro, = ele, a não pessoa, é o tema, o assunto do processo de interlocução, previsto na lexicalização do verbo, e, substitui a designação livro para assegurar a não repetição desse substantivo particular.

Pode-se considerar, nessa perspectiva, que os substantivos pessoais, concebidos como índices da forma verbal são por ela previstos por estarem lexicalizados no conteúdo dessas mesmas formas: dar = sujeito (doador) – objeto – sujeito (donatário; beneficiado ou não). Assim, a frase é o espetáculo constituído pelo verbo pela inter-relação entre os actantes previstos pelo seu conteúdo semântico. O investimento lingüístico dessas actâncias apenas desenha o jogo da interlocução, de modo a fazer referência a ele, por meio da flexão. Esta indicia pelo modo, pelo tempo (e/ou lugar) os participantes da ação, perspectivizados numa temporalidade (ou espacialidade) que, inscritas no modo verbal, apontam, indiciam o “como” está/foi focalizado o acontecimento representado em língua. No caso exemplificado:

• Modo = imperativo: para qualificar aquele que fala como alguém que “pode” ordenar ou pedir e aquele que ouve como alguém que pode ou não cumprir a ordem dada. É índice de modalidade.

• Tempo do pedido = aquele referente ao “aqui e ao agora”, inscrito ao ato de ordenar, para exigir e não dar ao ouvinte (tu) o poder de negar. Logo, o próprio tempo da enunciação em que prevalece a modalidade de ordenação, quando a escolha incide sobre o modo imperativo. (BECHARA,1997).

• Modo indicativo: para qualificar o dizer daquele que fala pela sua atitude, no caso, a da “certeza” em não poder cumprir a ordem a ele dada. Indicia a modalidade da asserção: frase afirmativa.

• Tempo = futuro do presente: para indiciar que o objeto (= ele = o livro) de que se fala está circunscrito a um acontecimento ocorrido não passado = aquele que antecede ao momento da enunciação: perda do livro. Assim, o uso futuro indicia a sua individualidade com o passado (CELSO CUNHA, 1989) e justifica o