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V

ANESSA ENGOLIU A ERCEIRA COLHER DO PREPARADO VERDE QUE cuspiria seu filho para as clérigas de Lena. Nathanael, o paladino, mantinha seus maxilares abertos, enquanto Ludmilla enfiava-lhe a pasta com confortos ronronados, e as outras preparavam o quarto para o nascimento. Vanessa guinchava e gorgolejava pragas, e sentia seus tendões rangendo de esforço para se mover através do feitiço. Mas as clérigas estavam calmas, fora do seu campo de visão, e trocavam recomendações sobre limpeza e cuidados com a parturiente. A criança agitava- se em sua barriga, como se notasse a luta. Parecia ansiosa, mas isso era pouco consolo.

— Vou matar todos vocês — disse Vanessa, quando o paladino retirou-lhe o ferro das mandíbulas por um minuto.

— alvez — sorriu Brenna, a líder das clérigas. — Mas um bebezinho vai ganhar uma vida linda e cheia de paz, e é só isso que importa.

Nathanael abriu de novo as mandíbulas de Vanessa, rasgando-lhe a gengiva e o céu da boca. O rapaz empalideceu, mas Ludmilla assegurou-lhe que recomendaria uma penitência adequada para que ele se redimisse aos olhos de Lena, e ele ficou tranqüilo. Afinal, aquela era uma missão boa e santa, e mesmo uma violência indizível como um corte na boca poderia ser perdoada, se a intenção fosse sincera.

Vanessa engoliu a quarta colherada.

entava mover os pés, tentava mover as mãos. A maça de guerra estava a cinco centímetros de seus dedos — um abismo enorme. Sua espinha estalava, imóvel mas sentindo algo se revirar dentro dela, a mistura talvez já fazendo efeito. Limparam-lhe o suor da testa com um pano úmido, refrescante e perfumado. ocaram-lhe a bochecha com toda a doçura, e os talhos na boca se fecharam.A quinta colherada, e a sexta.

— Vai se chamar Nathanael, se for menino — Brenna sorriu para o paladino, que corou. — E, se for menina, Ludmilla.

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— Fico muito honrada — respondeu Ludmilla, enquanto emborcava a sétima colher. — Você merece.

Os rostos das outras duas fizeram-se visíveis, e estavam cheios de alegria e seriedade, olhos e lábios de quem tem uma tarefa importante e prazerosa. As duas eram jovens, ares frescos e entusiasmados. Ludmilla e Brenna continuaram trocando amabilidades através da oitava colher.

Vanessa tossia, afogada e soterrada. O cobertor grosso da magia abafando-lhe os movimentos. A nona colher, e Ludmilla já raspava o fundo da tigela.

— Já está acabando — disse, sorrindo. — Agora vamos trazer mais um filho de Lena a esse mundo bonito.

Vanessa agarrou o cabo da maça.

Não vencera o feitiço. Não fora ela mesma, mas o casulo desaparecera, o cobertor se esfiapara em ar, e ela não se sentia mais soterrada. Cuspiu a pasta verde na cara de Ludmilla, e a maça de guerra subiu em um arco de relâmpago para encontrar a têmpora de Nathanael. O lado da cabeça do paladino explodiu em sangue, e ele agarrou o ferimento com as duas mãos, mas ainda de pé. Vanessa saltou da cama, em agilidade que esquecia a gravidez, e a saia cobriu de novo os quadris. Ludmilla deu um passo para trás, serena em prece, mas Vanessa arrancou- lhe a tigela da mão e quebrou-a contra o rosto da velha.

Nathanael atacava com o cajado. O lado do crânio era uma ruína, mas ele tinha uma determinação que era quase raiva. Vanessa aparou o golpe, quebrou o cajado, agarrou um dos pedaços e enfiou-o na boca do paladino. Nathanael andou para trás e ela acompanhou-o, enfiando mais fundo, tocando a garganta enquanto ouvia gritos horrorizados e pedidos por Lena. Virou-se.

— Vocês não estão enfrentandouma mulher grávida — rosnou Vanessa. — Estão enfrentandodois servos de Keenn.

Súbito, a porta do quarto se abriu, um pontapé resoluto quebrando a dobradiça e revelando o estranho de chapelão escuro, agora com um sabre na mão.

— Foi você? — disse Vanessa. O homem sorriu.

— Sou um mago apenas mediano, mas dissipei a magia delas, minha cara senhora. O que fará agora é sua escolha.

— Keenn já fez sua escolha — e era matar.

Ludmilla tentou uma magia, mas Vanessa derrubou-a com um soco no peito. As duas jovenzinhas gritavam, e Brenna olhava para os lados. Por fim, olhos afogados, voltou-se para

o estranho.

— Por quê? Por que fez isso? Somos clérigas de Lena. Ele deu de ombros.

— Deuses não existem, por isso todos vocês estão se iludindo. São cinco pessoas agredindo uma mulher grávida. Não importa a quem acham que servem.

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Vanessa deu um sorriso afiado, e ensaiou alguns golpes contra a líder. Fingiu desequilibrar-se, e esbarrou em sua sacola, derrubando uma adaga aos pés de Brenna. Calculado, proposital.

— Para o diabo com você! — gritou.

Virou-se para as duas jovens, que encolhiam-se em berros cegos de súplica, ergueu a maça, e sentiu a mordida do aço em suas costas.

error no rosto, Brenna tinha o braço estendido, sangue na mão. Esfaqueara-lhe por detrás. Percebia o que fizera, e sentia o abraço de Lena abandonando-a.

O golpe fora patético, como Vanessa previra, e a mulher fora patética, como ela também previra. Arrancou a adaga das costas e, em um instante, usou de magia para curar o ferimento.

— Keenn venceu — disse para a outra.

E vencera. Acabara-se a luta, e Vanessa havia feito muito pior que matar.

A estalagem estava vazia. As clérigas e o paladino haviam fugido — Brenna um farrapo balbuciante e as duas jovens tendo de carregar Ludmilla e Nathanael, inertes. A estalajadeira e suas filhas haviam sido expulsas. Vanessa tinha ganas de fazer-lhes mais, mas o estranho a havia arrastado de volta ao quarto.

— Quer que a criança morra? — disse ele. — Precisamos combater o que elas fizeram. Deite-se — empurrando Vanessa à cama suada.

Ele tirou o chapéu largo, a casaca vermelha, e arregaçou as mangas da camisa. Vestiu um avental branco impecável. inha esquecido o sabre num canto.

— Quem é você, afinal? — disse Vanessa. Contração, dor.

— Doutor Zebediah Nash, Colégio Real de Médicos de Salistick — mexendo em apetrechos.

— Salistiense — Vanessa gemeu uma risada. — Por isso não acredita em deuses. — Por isso vou salvar você. Cale a boca e deite-se — empurrando-a de novo, porque ela se erguia nos cotovelos.

Salistick, o Reino sem Deuses, era uma anomalia gritante no Reinado. Há séculos, quando de sua fundação, o reino fora invadido por idéias de que os deuses do Panteão eram uma pilhéria de mau gosto, ou, na melhor das hipóteses, um conceito do passado. Como poderiam os deuses deixar seus devotos sofrerem tanto? Como poderiam não interferir? Como ignoravam blasfêmias e injustiças?Salistick dera as costas aos deuses e, em resposta, parecia que os deuses haviam lhe dado as costas também. A magia divina não funcionava em Salistick, ou virava uma coisa fraca e débil. Os milagres concedidos pelo Panteão apagavam-se no Reino sem Deuses. O

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poder de cura dos clérigos fora então substituído por um avanço vertiginoso na ciência da medicina. Em nenhum outro lugar do Reinado conheciam-se tantas técnicas, tantas minúcias sobre o corpo dos seres vivos. Em nenhum lugar um leigo podia ti rar alguém das portas da morte. No resto de Arton, a defesa contra a doença e os ferimentos eram preces e esperança. Em Salistick, era ciência e habilidade.

— Que grande bobagem — disse Vanessa, desabando na cama. — Os deuses estão por toda parte, basta ver.

— Ou talvez tudo isso sejam fenômenos naturais que ainda não entendemos. Fique com sua fé cega, eu fico com a minha lógica. Um deus, se existir mesmo, pode ou não atender às suas preces, pode ou não ser caprichoso e egoísta. A medicina sempre funciona.

A criança chutava e se contorcia. Vanessa sentiu ainda mais dores.

— Aquelas idiotas não conseguiriam manter seu filho vivo — disse Zebediah Nash. — Se ele sobrevivesse, seria fraco para o resto da vida.

Vanessa deu um grunhido de nojo em resposta.

— Mas eu vou salvá-lo — ele parecia estar pronto, enfim. — Você não vai gostar disso, mas abra a boca.

O Doutor Nash forçou Vanessa a vomitar a mistura verde, enquanto dava-lhe um outro preparado, de efeito contrário. Aplicou sanguessugas, e utilizou um aparato estranho para injetar-lhe um líquido de cor indefinida numa veia do braço. Por fim, as dores cessaram, e o médico decretou que ela estava fora de perigo.

Já amanhecia.

Nos lençóis empapados, Vanessa sentia ter lutado uma guerra. — E vencido — riu para si mesma.

Zebediah Nash estava limpando e guardando seus apetrechos, quando três batidas leves na porta anunciaram a chegada do mago eunuco.

— Minha senhora? — miou o quase-homem. — Está tudo bem?

— Maldito desgraçado. Fui emboscada e estive lutando a noite inteira — Vanessa entre dentes. — Por que não fez alguma coisa? — Começou a se levantar de novo.

— Deite-se — ordenou o Doutor Nash.

— Meu trabalho... — disse o homem arredondado, ajeitando os mantos bordados. — Por que não me ajudou? — gritou Vanessa.

— Não é meu trabalho — ele deu um sorriso efeminado e treinado. — E desmaio ao ver sangue.

— Fuja daqui antes que eu mate você — disse Vanessa. — Agradeça por eu estar fraca como uma margarida.— Meu pagamento — começou o eunuco.

— Pegue seu ouro na minha sacola. Ele fez isso.

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— E saiba que a igreja de Keenn vai saber exatamente o que você fez. O que sua guilda fez. O eunuco empalideceu. Fez menção de devolver o ouro, desmanchou-se em perdões, falou tudo o que se esperava de alguém arrependido.

— Mas, por favor, não faça isso — choramingou.

— Oh, não — disse Vanessa. — Não sou ladra, e por isso vou pagá-lo. Mas nós vamos fazer exatamente o que écerto, e sua guilda vai sofrer as conseqüências.

O eunuco olhou para o chão e, súbito, sua expressão mudou. Onde antes era bovino e efeminado, de repente era um punhal de prata, enfeitado e mortal. Moveu as mãos em gestos arcanos, e começou uma palavra na língua dos magos.

—Keenn, mate-o — disse Vanessa.

Um enorme machado espectral surgiu acima da cabeça do eunuco. Ele olhou para o teto, e seu crânio foi partido, espirrando miolos pelo chão.

— Este é o quarto mais infectado que já vi — disse o Doutor Nash. — Vamos ter que levá-la para outro.

— Por que não fez nada? — disse Vanessa, mas de jeito diferente.

— Eu nunca iria insultar uma clériga de Keenn fornecendo ajuda de que ela não precisa — disse o Doutor Nash. — Mesmo que Keenn não exista.

Ela riu, e ele riu, e depois ficou sério, e mandou que ela fosse para outro quarto, mais limpo. Ela obedeceu. Sentou-se devagar numa cama asseada, sentindo-se grávida de novo, no melhor e no pior.

— Beba isso — disse ele.

— O que é? — Vanessa bebeu da xícara que ele estendera.

— Para você dormir e ficar quieta. Se não parar de matar gente, nunca vai conseguir descansar.

— Desgraçado — sorriu Vanessa, e deitou.

O Doutor Nash andou pelo quarto, viu que os olhos da clériga quase fechavam. Ela não largava a maça de guerra.

— Aonde você está indo? — disse ele, antes que ela dormisse. — Que missão sagrada é tão importante?

Vanessa olhou-o por uma névoa de sono, mas não sentiu ameaça.

— Não é missão sagrada. Estou indo atrás do meu marido, que saiu numa missão estúpida que só ele acha importante.

— Seu marido?

— Um maldito cavaleiro da Ordem da Luz, se você acreditar.Sir Orion Drake, o idiota. Zebediah Nash mirou-a, a mão no queixo.

— E qual é a missãodele?

— Encontrar o próprio pai. Estúpida, como eu disse. — O que ele vai fazer quando achar o pai?

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— Não sei — Vanessa deu de ombros. — Acho que matá-lo. Ele abriu e fechou a boca, mas acabou falando.

— Por que você está indo atrás dele? — disse.

— Porque ele é um idiota. Porque não vai ver o filho nascer. E porque eu o amo, é claro. Silêncio.

— Não estranha eu fazer tantas perguntas? — disse Zebediah Nash.

— Não — ela se espreguiçou e acomodou melhor a barriga. — Você está tentando não pensar em si mesmo, e por isso se interessa pelos outros.

— Sou assim tão transparente? — ele riu. — É.

Vanessa dormiu, e dessa vez nada ruim aconteceu.

De manhã.

— Posso acompanhá-la? — disse o Doutor Zebediah Nash.

Vanessa banhara-se e vestira-se, e usava as poucas peças de armadura que a gravidez permitia, e todas as armas que conseguia carregar. O cabelo ruivo preso, parecia ser indestrutível, e nunca ninguém diria que fora frágil na noite anterior.

— Por quê? — disse Vanessa.

— Um médico não abandona sua paciente assim. Ela manteve os olhos nele.

— Porque isso é algo a fazer enquanto não sei o que fazer — disse o Doutor Nash. — Ótimo — ela não tinha expressão. — Mas vamos logo.

Partiram. Em direção ao norte,lady Vanessa Drake, clériga de Keenn e dama de Bielefeld, e o Doutor Zebediah Nash, do Colégio Real de Médicos de Salistick.

— Você sabe — disse ele —, para coisas que não existem, os deuses causam um monte de problemas.

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6

Bandido

S

AÍRAM PELA BOCA DE UMA CAVERNA, LIMPANDO AS ESPADAS DO sangue de monstros subterrâneos, e as roupas de barro ressecado. Mas não conseguiam limpar a cabeça de preocupações insistentes.

Após dias nos túneis, comendo fungos e musgo, bebendo água de gosto pesado, sentiam os olhos doerem contra a luz. Azgher, o Deus-Sol, tinha um entusiasmo furioso naquela manhã, e as nuvens que tinham despejado chuva sobre eles no forte Arantar já se haviam derretido. Ao redor, enxergavam colinas baixas e pedregosas, uma floresta às costas, e muito campo e bosques até o limite da vista. Nem todos os animais fugiam do grupo maltrapilho, o que, segundo rebane, significava que aquela era uma região de muitos humanos.

Estavam ainda em rebuck, agora ainda mais em suas entranhas.

— Estávamos andando às cegas — gaguejou um soldado do forte Arantar. — Podíamos ter entrado na área de ormenta!

— Não — disse Ingram. — Eu saberia se estivéssemos nos aproximando dela. O soldado aceitou a resposta e se afastou.

— Saberia mesmo? — disse Orion. — Saberia quando morrêssemos todos.

Antes da marcha do dia, o cavaleiro decretou que precisavam comer. Destacou rebane e dois soldados para caçar, e outros para apanhar água. Depois da batalha e dos dias subterrâneos, era reconfortante fazer coisas simples.

— udo bem, mas vamos marchar para onde? — disse Ingram, sentando-se no chão e já começando a limpar suas preciosas pistolas.

— Para o Exército do Reinado, é claro.

rebuck contava com um contingente enorme de soldados, cedidos por Deheon e diversas outras nações, como guarda contra a ormenta. O Exército do Reinado já havia sido derrotado uma vez, quando atacou a empestade Rubra frente a frente, mas fora renovado,

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e agora acampava às bordas da fronteira com o inimigo, esperando. Um ninho de homens leais, militares de carreira, e também de mercenários de todas as raças, vindos de toda parte, o Exército do Reinado fervilhava de diferenças, vontade e medo. Era certo que desmoronaria se não fosse a presença forte delady Shivara Sharpblade, a regente de rebuck, uma das maiores guerreiras e líderes de Arton.

— Você acha mesmo que seu pai está nesse exército, Orion? — disse Ingram. O cavaleiro deu de ombros.

— É a última pista que temos. Com o número de mercenários posicionados lá, é bem possível que esteja.

— alvez seja só outro homem com uma armadura parecida. — alvez.

— Ou talvez seu pai já tenha morrido de velhice, Orion, porque Khalmyr e enebra sabem que ele tem idade para isso. Quantos guerreiros errantes você conhece que viveram até essa idade?

— Eu não sei quantos anos ele tem.

— Humanos morrem que nem moscas. Se você já tem esse cabelo grisalho, como estará o seu pai, droga?

— Vivo. Estará vivo.

Ingram jogou um pano engraxado no chão. — Vivo para que você possa matá-lo? — Isso.

Olharam-se por um tempo.

— Nunca pedi que você viesse comigo, Ingram — disse Orion, sério. — E você sabe que não posso, porque esse trabalho é meu.

— E você sabe que eu não vou deixar você, seu humano porcaria. Orion riu.

— Você me ajudou, e agora eu ajudo você. — Ingram voltou a se concentrar nas pistolas. — O que não significa que eu não possa tentar enfiar um pouco de bom senso nessa sua cabeça dura de cavaleiro.

Orion estendeu-se na relva, fechou os olhos e deixou-se ficar respirando. — E agora você prometeu ajudar o tal Ashlen.

Orion murmurou que sim.

— Como se já não tivesse problemas suficientes.

— Um cavaleiro da Luz nunca recusa um pedido de ajuda. — Ele não pediu ajuda!

— É como se tivesse pedido.

Ingram pôs-se de pé, girou a pistola com um floreio e guardou-a.

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Orion ficou sentindo a luz de Azgher na cara. Ingram andou um pouco, mas depois se voltou.

— Não tem saudade de casa, Orion?

— Muita, o tempo todo — sem abrir os olhos. — Da minha mulher. Você vai adorar Vanessa — riu, mas depois ficou sério. — E do meu filho, que ainda nem nasceu. É por isso que não vou permitir que ele nasça com essa mancha na família. Sou um bastardo, Ingram, mas o meu filho não vai ser filho de bastardo, porque eu vou encontrar o Cavaleiro Risonho e levá-lo à justiça.

— Humanos são todos loucos, sabia? — Sabia.

Orion não conhecia o Cavaleiro Risonho, nunca vira o homem que odiava tanto. Mas, pensando em “louco”, sentiu um estremecimento, porque achou que a palavra descrevia bem o seu pai.

Orion e Ingram foram tirados de sua conversa quando um oficial alarmado correu até eles, dizendo ter achado uma estrada nas proximidades, e um grande grupo de guerreiros marchando.

— Era só o que faltava — disse o anão.

Orion se ergueu, de novo rocha, e soltou a espada na bainha, antes de seguir o oficial até a tal estrada. Era um caminho bastante utilizado, areia compacta por incontáveis botas, largo e bem-cuidado. Estavam mais próximos da civilização do que suspeitavam, e logo adiante vinha um batalhão de homens armados, alguns a cavalo, a maioria a pé. Juntaram-se Orion e Ingram, e Ashlen, e logo rebane. O oficial ficou próximo a eles, sentindo-se muito importante.

Quando o batalhão se aproximou, Orion abriu um sorriso e fez uma saudação com a mão erguida, porque eles carregavam o estandarte de Nova Ghondriann. O que parecia ser o comandante daqueles homens, um sujeito grandalhão montado num cavalo magro que fazia um esforço enorme para carregá-lo, devolveu o cumprimento e aproximou-se do cavaleiro. Disse que seu nome era Bryan de Norba, que comandava uma companhia de trezentos homens de Nova Ghondriann, e que estava voltando para casa.

— Alguma missão para o Exército do Reinado? — disse Orion. antos soldados estrangeiros naquela região certamente tinham algo a ver com o Exército do Reinado.

— Khalmyr me livre — Bryan de Norba cuspiu no chão. — Aquilo virou uma pocilga,

sir cavaleiro, e os porcos estão todos em festa. — Estamos indo para lá.

— Se eu fosse vocês, daria meia-volta e procuraria um lugar melhor onde servir. Ou então reclamaria com o superior que deu esse comando — tossiu. — Com todo o respeito pela Ordem da Luz e o seu reino.

Orion e os outros se entreolharam. rebane falou: — Você não vai ser considerado traidor desertando assim?

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Bryan de Norba pareceu notar o centauro pela primeira vez, e gastou um momento examinando-o, mas logo deu de ombros e respondeu:

— Duvido que o meu senhor em Nova Ghondriann vá me repreender por tomar essa decisão. E, de qualquer modo, se ele não gostar, aposto que os meus homens preferem virar mercenários comigo do que ficar no meio daquelas cobras no Exército do Reinado, esperando a ormenta.

ocou sua espada para afastar o mal que a palavra trazia.

— O que aconteceu de tão grave? — disse Ingram. — Shivara não faz nada? Bryan de Norba franziu o cenho, em uma expressão de tristeza genuína.

— Há três meses ninguém vêlady Shivara. Não costumo questionar superiores, e no meu tempo já passei mais de um ano sem receber uma mísera ordem ou comunicado de meu senhor, apenas cumprindo meu dever onde quer que me mandassem. Maslady Shivara deixou o pior incompetente deste lado do inferno no comando e, Khalmyr me ajude, ela mesma está jogando fora suas alianças.

Orion mirou-o, grave.

—Sir cavaleiro — continuou Bryan —, o senhor pode me julgar como quiser, mas tenho mulher e filhos em Nova Ghondriann, e me recuso a morrer cumprindo as ordens de um cretino enquanto poderia estar defendendo minha família. A ormenta atacou em Zakharov há menos de um ano e, francamente, a vida hoje em dia é curta demais para desperdiçar com coisas inúteis.

— Não vou julgá-lo, Bryan de Norba — disse Orion, sombrio.

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