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o PAge e a difusão da produção moderna no estado de são Paulo

o nAcionAlismo e A bAse dA Produção modernA no brAsil

MUNICÍPIOS EM QUE FORAM CONSTRUÍDOS EDIFÍCIOS DA JUSTIÇA

1.3.3. o PAge e a difusão da produção moderna no estado de são Paulo

A arquitetura brasileira, na década de 1950, conheceu um momento de excepcional produção, tempo de inúmeras obras públicas e privadas executa- das sob os princípios da arquitetura moderna, tendo a construção de Brasília como símbolo e ápice desta adesão, ao materializar o auge das possibilidades modernas. De certa maneira, esta experiência avizinha-se de forma fronteiriça ao projeto moderno que, ajustado com a expansão dos planos desenvolvimen- tistas, promove uma decisiva difusão do modernismo, quer através do Estado, quer através da construção civil corrente. Mesmo admitindo a existência de um conlito entre os limites e difusão, tanto no processo social como no da arquite- tura moderna brasileira, o qual deve ser entendido, guardando ambigüidades e tensões que se emaranham e problematizam a repercussão que a arquitetura moderna adquiriu e, em que pese o seu sucesso, como o período em que ela se consolida.

Para a arquitetura moderna brasileira, ou a sua corrente hegemônica, nada mais sincrônico, pois ela fechava a década de 40 completando um círculo de maturidade, onde a especiicidade de uma escola moderna nacional havia sido “reconhecida”. Os anos 50, mais do que cristalizar essa arquitetura, deveriam aprofundar as suas características. Esse parecia ser o caminho, pois nessa dé- cada formaram-se as primeiras turmas das escolas especíicas de São Paulo e Minas Gerais, revistas de arquitetura foram organizadas, a urbanização em con- sonância com a industrialização conheceria uma inlexão decisiva, que culminaria na década de 60 com o predomínio numérico da população urbana sobre a rural, moldando o território de vida da arquitetura e da indústria: a própria cidade. Sendo que o reconhecimento internacional da arquitetura brasileira seria airmado, reva- lidando suas qualidades, em várias publicações estrangeiras.

(BUZZAR, 1996, p. 175)

O PAGE, além de constituir-se no momento singular de uma administração pública no Estado de São Paulo, articulando e impulsionando a modernização do País, também foi um instrumento de difusão da arquitetura moderna. Desmen- tindo a idéia difundida de que, ao contrário do que ocorria no âmbito federal no Rio de Janeiro, aqui o Estado não contratava projetos de arquitetura, possibilitou que, animados pelo espírito da época, os arquitetos no Estado de São Paulo efetivassem inúmeras experimentações arquitetônicas.

[...] foi uma época em que, no Brasil, nós começávamos a descobrir isso (re- fere-se a arquitetura): os irmãos Roberto lá no Rio, era o Niemeyer, era o Sobral. Então era uma época de muita efervescência. Isso tudo está ligado a uma idéia se você quiser ideologia do Brasil desenvolvido. Era essa a minha ideologia, naquele tempo era isso. A ideologia era uma ideologia.

(SAMPAIO, 2007)

Como visto, a produção de equipamentos públicos pelo Estado nesse pe- ríodo foi de um corpo considerável. Até 1961, foram construídos (ou reformados) 315 edifícios, entre escolas, postos de saúdes, fóruns e delegacias de polícia. Ainda que não se possa airmar que a maioria das ediicações tenha sido conce- bida a partir da linguagem moderna, sabe-se que, na produção escolar, grande parte servindo de base conceitual e prática estabelecida pelo Convênio Esco- lar (1949-1953) e na produção dos Fóruns de Justiça, agregando-se arquitetos como Vilanova Artigas, David Libeskind, Paulo Mendes da Rocha, Fábio Pentea- do, etc., e os pressupostos modernos das ediicações são inconfundíveis.56

O estímulo econômico, uma das estratégias novas de captação de recursos contemplada pelo PAGE, que, no caso das obras públicas, foi o inanciamento do IPESP, já utilizado na gestão anterior de Jânio Quadros (1955-1959), servindo para a contratação de projetos por proissionais fora dos quadros da administra- ção pública, no caso, representado pelo Departamento de Obras Públicas.57

Para as obras viabilizadas pelo Instituto de Previdência do Estado de São Paulo – IPESP através do PAGE, entretanto, foram contratados, de forma mais freqüente, arquitetos de fora do funcionalismo. Embora o Departamento de Obras Públicas tivesse se reequipado, seguindo as novas estratégias de atuação, se- gundo o arquiteto Francisco Whitaker, responsável pelo departamento na época:

O DOP trabalhava com procedimentos antigos, tinha setores separados para arquitetura, hidráulica, elétrica, etc. Quando entrava um projeto, cada setor de- senvolvia isoladamente sua tarefa e icava circulando entre eles separadamente, 56 Do ponto de vista de organização do programa dos equipamentos, vale lembrar que o Plano contou com algumas experiências, como o programa Convênio Escolar, desenvolvido entre 1949 e 1955 pela municipa- lidade, com a participação do Governo do Estado, de forma especíica em termos arquitetônicos, pois, se- gundo Hugo Segawa, foi introduzido “de forma singular uma coleção de 68 edifícios da linguagem “carioca” (com alguns arquitetos formados no Rio de Janeiro): Hélio Duarte (coordenador, arquiteto que trabalhou no Rio de Janeiro e Salvador), Eduardo Corona (nascido em 1921, ex-projetista de Niemeyer), José Roberto Tibau (nascido em 1924), Oswaldo Corrêa Gonçalves (nascido em 1917) e o engenheiro Ernest Robert de Carvalho Mange” (SEGAWA, 2002, p. 173/174).

57 Em levantamentos no arquivo do extinto Departamento de Obras Públicas, foi constatado que na gestão anterior (Jânio Quadros) também foram construídos edifícios sob a condição de uso dos recursos do IPESP. Contudo, no mesmo período, a contratação de projetos por proissionais de fora do quadro de funcionalismo (na época, Secretaria de Viação e Obras Públicas) só foi encontrada em Bauru, processo nº 37.494, no qual, apesar de aprovado o projeto do DOP em 1952 para o Fórum da cidade, foi contratado o arquiteto Zenon Lottufo em 1957 para desenvolver outro. O processo seguiu de forma bastante polêmica e terminou sem a execução do edifício da justiça.

sem noção de conjunto, perdendo muito tempo no projeto. Então veio a idéia, por inluência do padre Lebret, que tinha idéias de interdisciplinaridade, do DOP fazer ateliês para desenvolver o trabalho completo. Quer dizer, nos ateliês, que tinham outro nome na época, tinha o arquiteto, o hidráulico, todos os técnicos das diversas fases da obra. Eles pegavam o projeto e tinham que resolver integralmente.

(WHITAKER, 2007)

Para Plínio de Arruda, que tinha na sua roda pessoal de amigos arquitetos como Joaquim Guedes, os “projetos-padrão” desenvolvidos pelo DOP deveriam ser reformulados.

O IPESP já estava inovando, mas o DOP, que tinha mais obras, continuava com os chamados “projetos-padrão” [...]

[...] eu andava com os arquitetos, os arquitetos chegavam para mim e di- ziam: – O que se gasta para preencher o terreno ou tirar o terreno você gasta num bom projeto que rompia o padrão, aproveita o terreno e faz algo muito melhor, com a insolação bem feita, etc.

(WHITAKER, 2007)

A posição dos técnicos do Estado era diferente. Favoráveis ao padrão ado- tado, acreditavam que essa solução era a mais ajustada para o Estado construir e manter seus edifícios.

[...] a gente era arquiteto do Estado, ninguém podia se atrever a fazer algu- ma coisa muito diferente. Então tinha que ser uma coisa dentro de certo padrão que o Estado pudesse pagar e fazer maior número de obras e que depois a ma- nutenção pudesse ser a mais barata possível.

(CASTALDI, 2007)

Essa discussão alimentou uma polêmica desenvolvida no IAB, Instituto dos Arquitetos do Brasil. Por um lado, era defendida a oportunidade gerada pelo Estado ao motivar um mercado de projetos; por outro, a exclusividade dessa atuação pelos técnicos do Estado. Ao inal, houve uma visão conciliadora de que deveria haver espaço de trabalho para ambos, sem que a atuação dos escritórios particulares pu- desse signiicar o enfraquecimento do aparato do Estado, ou que o Estado tivesse o monopólio dessa produção. Estavam presentes nas reuniões, além de técnicos do Estado, arquitetos como Ícaro de Castro Mello, Ruy Gama, Jean Maitrejean, Joaquim Guedes, Jorge Wilheim, Fábio Penteado, Vilanova Artigas, entre outros.58

Muito além da problemática criada em torno desta considerável produção de equipamentos públicos no período citado, tal embate indica que existiu uma 58 Atas das Assembléias realizadas no IAB/SP em 8.7.1959, 17.11.1960, 10.8.1961 e 30.8.1961.

abertura de mercado ofertada pelo Estado, que proporcionou uma condição para que houvesse a reformulação de seus equipamentos. As recorrências dos pressupostos modernos nas novas elaborações foram inequívocas, dadas a formação, adesão e “militância” de seus autores, sem fazer parte do quadro funcional do Estado. Fábio Penteado, cujo entendimento da nova arquitetura poderia, se não alterar a justiça, pelo menos o seu viés (ainda hoje) não univer- sal, comentou:

[...] os juízes têm uma forma de ver até hoje muito fechada [...] Mas durante a obra, isso para mim foi importante, o mestre da obra não tinha entendido. Outra forma curiosa: o trabalhador mestre de obra geralmente não sabe o que está fa- zendo, tem uma linha muito precisa. O sujeito vê o projeto e não sabe o que está fazendo. Ele não estava entendendo e quando eu expliquei, ele me olhou e disse: – Olha, doutor, nós estamos achando que num Fórum deste a gente até pode ganhar uma causa.

(PENTEADO, 2007)

As proposições formuladas para os edifícios da justiça e demais equipa- mentos públicos, tais como escolas, hospitais e outros durante o PAGE, que, em sua maioria, sob a égide da arquitetura moderna, levaram para o interior do Estado uma nova conformação físico-espacial e novos contornos urbanos para os municípios nos quais foram implantados, sugerindo temas que vão além da conceituação formal.

Sobre o impacto desta produção nos municípios do interior do Estado, ob- servou Whitaker, que atuou no DOP no período:

[...] as Casas de Lavoura nós izemos maiores do que nas cidades em que elas estavam. Eram grandes demais para a realidade da cidade. A cidade achava bom, aquela grande obra, mas no ponto de vista objetivo não era um “elefante branco”, mas grande demais. Mas isso é uma análise que na hora a gente obser- vava pouco, o mais importante para nós era a capacidade de realizar.

(WHITAKER, 2007)

Sobre a recepção dessas obras, airmou ainda Sampaio:

Eu me lembro que todo mundo achava muito bonito, nós recebemos muitos elogios. Os prefeitos icavam contentes [...] Eu recebia muitos telegramas agra- decendo [...]

(SAMPAIO, 2007)

As obras do PAGE no Estado de São Paulo representaram um marco na história da arquitetura forense. Proporcionando oportunidade a jovens

arquitetos encontrarem solo onde cultivar os ideais de uma nova arquite- tura, por meio da geração de novos espaços, possibilitando novas práticas sociais, estes edifícios configuraram-se em peças paradigmáticas daquele processo.

Talvez, sem unanimidade, tal receptividade e a expectativa modernizantes foram constatadas no pedido de construção de um novo fórum para a Prefeitu- ra da Estância Sanitária de Socorro, encaminhado ao Departamento de Obras Públicas em 1952 (gestão Jânio Quadros), através do Processo nº 5.184/52, assinado pelo seu prefeito59, no qual o edifício ocupado era descrito como: “um prédio antiquado e sem a estética moderna”. Portanto, o novo edifício deve:

[...] ser dotado de um prédio adequado ao seu foro, a exemplo de outras ci- dades deste Estado, cuja construção relete num melhoramento de imprescindível valor e que muito virá concorrer para o progresso desta Estância.

(Pe. nº 5.184/52)

Para Sampaio, as ações do PAGE eram modernizantes e, por conseguinte, a arquitetura produzida através do Plano era o relexo de sua época, cuja adesão não era casual:

Mas era óbvio que tinha que ser moderno. Nem se discutia, era uma coisa de senso comum. Era tão hegemônica a idéia e eles todos eram ligados a isso, tinham acabado de sair da arquitetura. Eram todos alunos do Artigas.

(SAMPAIO, 2007)

Com uma considerável produção distribuída pelo Estado, ela certamente contribuiu para a difusão da arquitetura moderna.60

59 Prefeito Sanitário Vicente Lomonico, em 26 de setembro de 1952.

60 Nas cidades em que estes equipamentos públicos foram implantados, em recentes visitas técnicas para a pesquisa, observaram-se marcas que ainda persistem dessa distinção em relação ao seu sítio, onde até os dias atuais prevalecem construções ecléticas. É o caso, por exemplo, de Socorro e Itapira, no sudeste do Estado, onde, além dessa relação, os edifícios da Justiça ocupam um lugar de destaque também pela sua implantação em uma praça, transformando-se no eixo principal de observação. Em Itapira foi encontra- do um edifício reformado simulando as características construtivas destacadas do Fórum, indicando uma assimilação popular de sua arquitetura. Esta questão escapa do alcance do presente trabalho, embora reconheça sua relevância tal assimilação popular.