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Em 1969, sob a influência da Reforma Universitária de 1968, o Parecer CFE nº 252/69, manteve a formação de professores para o ensino normal como finalidade do curso de Pedagogia e introduziu as habilitações para formação de especialistas que atuariam na orientação; administração; supervisão e inspeção escolar (CHAGAS, 1969a). O Parecer aboliu o bacharelado em Pedagogia, sendo que o egresso possuiria a partir de então somente o grau de licenciado. No tocante à organização curricular, alteração significativa foi a inclusão de

Didática como disciplina obrigatória ao invés de “seção” ou curso à parte. A duração do curso

passou a ser especificada por meio da Carga Horária (CH) ao invés do número de séries ou anos. Abriu-se a possibilidade de o curso ser ofertado na modalidade plena, com CH total de 2200 horas e na curta em 1100 horas, sendo esta última modalidade voltada para a formação de especialistas que atuariam no Ensino Fundamental, então denominado Primeiro Grau

39 (CHAGAS, 1969a). Diferentemente das legislações anteriores, o documento definiu mais claramente o profissional pedagogo e introduziu expressivas modificações na estrutura do curso (SILVA, 2006; CRUZ, 2011, SCHEIBE e DURLI, 2011). A Resolução nº 2 /1969, que acompanhou o Parecer CFE nº 252/69, facultou aos graduados em Pedagogia diferentes possibilidades de atuação: como especialista tendo em vista a habilitação escolhida, como docente de matérias pedagógicas em cursos de formação de professores ou como professor do Ensino de 1º Grau, opção aberta apenas aqueles que comprovassem ter cursado as disciplinas Metodologia do Ensino de 1º Grau e Prática de Ensino na Escola de 1º Grau (estágio) (CHAGAS, 1969b).

O Parecer expressa a tentativa de dissolver, ou ao menos minimizar, o hiato que separava, até então, a formação das funções desempenhadas pelos egressos em seu exercício profissional. A ideia de que a habilitação estaria diretamente relacionada ao desempenho de uma atividade ou conjunto de atividades específicas, significaria, na visão dos legisladores, uma forma de possibilitar aos egressos construir percursos formativos vinculados às atividades que exerceriam após concluírem o curso. Para Scheibe e Durli (2011) essa opção não se deu sem discordância, sendo que essa construção de trajetórias diferenciadas ainda na graduação não significou, contudo, o fim do currículo mínimo, tendo sido mantida a organização curricular composta por uma base comum a todas as formações e uma específica, diferenciada de acordo com a habilitação a ser cursada.

O estudante poderia se habilitar em no máximo duas modalidades, sendo possível o retorno à instituição para cursar outras habilitações. O núcleo obrigatório do curso permaneceu constituído pelas disciplinas Sociologia Geral e da Educação, Psicologia da Educação, História da Educação, Filosofia da Educação e Didática. Por sua vez, cada habilitação era composta por disciplinas específicas. A Habilitação Magistério era constituída pelas matérias Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau, Metodologia do Ensino de 1º Grau e Prática de Ensino na Escola de 1º Grau (estágio). A disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º grau estava presente em todas as demais Habilitações. Além dessa disciplina, a Habilitação Orientação Educacional era ainda composta por Orientação Educacional e Medidas Educacionais; a Habilitação Administração Escolar por Princípios e Métodos de Administração

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Escolar e Estatística Aplicada à Educação. A Habilitação Supervisão Escolar continha as matérias Princípios e Métodos de Supervisão Escolar e Currículos e Programas, enquanto que a Inspeção Escolar incluía a disciplina Princípios e Métodos de Inspeção Escolar e Legislação de Ensino.

Apesar de tentar delimitar de forma mais nítida os campos possíveis de atuação do profissional, definindo os “conjuntos de atividades” que seriam de sua alçada, ao introduzir a figura das habilitações, que consistiriam nos espaços de formação correspondentes a cada uma das atividades estabelecidas, o Parecer colaborou para a fragmentação da formação do pedagogo. O curso assumiu então uma estrutura caracterizada por conteúdos comuns constituindo a base da formação e disciplinas específicas, referentes à habilitação escolhida. Em sua maioria, os cursos de Pedagogia implementados pelas instituições de ensino superior no país a partir do documento de 1969 não lograram articular de forma adequada formação básica e conteúdos específicos, tendo em vista que:

“As tendências que orientam a estrutura curricular do curso de Pedagogia representam extremos opostos no modo de abordar a “educação”: há os que se centram em cada um de seus fundamentos ao abordá-la e os que se fixam em seus processos, tarefas, recursos e técnicas. É na intersecção entre esses dois extremos que se encontra o campo de estudos capaz de levar à compreensão da educação” (SILVA, 2006, p.43).

Ao mencionar o impacto do formato estabelecido pelo Parecer na formação dos pedagogos e nas suas possibilidades de inserção no mercado de trabalho, Silva (2006) considera que as habilitações, tal como foram introduzidas pela legislação, tiveram como uma de suas consequências a limitação das oportunidades de inserção profissional dos pedagogos. Uma vez que o egresso estaria certificado a uma função específica, em virtude da habilitação cursada, as instituições de ensino precisariam contratar vários pedagogos, tendo em vista que cada um deles atuaria em uma atividade, ou seja, ou como orientador ou como supervisor etc. Para Silva, ao escolher esta via, os legisladores desconsideraram a heterogeneidade do sistema escolar no que diz respeito à distribuição de recursos entre as escolas. Aquelas sem recursos para contratar vários pedagogos teriam de abrir mão de certas funções por eles desempenhadas. Por outro lado, mesmo escolas com recursos financeiros viram sua autonomia na organização do trabalho

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escolar atingida pelo Parecer, que trouxe forte parcelamento do fazer pedagógico.

Mazzilli (1994) examinou o curso de Pedagogia como instância formadora e concluiu que seu potencial como espaço privilegiado para o estudo sistematizado do fenômeno educativo não teria se concretizado plenamente devido à formação excessivamente compartimentalizada desenvolvida nas habilitações. Silva (2006) considera que as habilitações obscureciam o fato de que as funções desempenhadas pelo especialista dizem respeito a uma “divisão de tarefas num todo maior que é a ação educativa escolar” e que por isso, o especialista deveria ser capaz e habilitado ao desempenho de qualquer uma das atividades referentes às diferentes dimensões da ação escolar.

Libâneo e Pimenta (1999) afirmam que o Parecer nº 252/1969 “(...) justamente por explicitar

melhor a natureza de um curso de pedagogia – e, não por acaso, no contexto da ditadura militar

– recebeu inúmeras críticas no final da década de 1970 e no período seguinte” (LIBÂNEO e PIMENTA, 1999, p. 244). Para os autores, as principais críticas ao modelo de curso instaurado em 1969 seriam a de uma formação tecnicista, pautada na busca de eficiência e racionalidade decorrente da Reforma Universitária de 1968, além da fragmentação da formação e da atuação do pedagogo e da cisão entre teoria e prática. Contudo, em sua opinião, não se constituiriam em problemas o fato do Parecer e da Resolução optarem pela formação de técnicos de educação bem como reconhecerem a existência e necessidade de atividades específicas para acompanhar

o ensino ministrado nas escolas. Não obstante ter ocorrido de fato uma compartimentação

excessiva das atividades do pedagogo na escola “(...) isso não poderia ter comprometido a existência de especialistas na escola” (LIBÂNEO e PIMENTA, 1999, p. 245), uma vez que o funcionamento escolar demandaria uma “divisão de funções”, que por sua vez requereriam

formações específicas.

Por outro lado, aspectos realmente “problemáticos” consistiriam em um enfraquecimento teórico da formação “excluindo o caráter da pedagogia como investigação do fenômeno educativo”, a matriz curricular “agigantada” resultando em um currículo “fragmentado e aligeirado”, a compartimentação exagerada de atividades executadas pelos especialistas no

42 interior das escolas e a cisão do currículo em duas partes distintas: de um lado a base comum da formação e do outro as habilitações. Ressaltam Libâneo e Pimenta que os aspectos mais problemáticos seriam a pouca ênfase dada a Pedagogia propriamente dita no currículo do curso em prol da valorização excessiva das ciências da educação e a:

“(...) descaracterização profissional do pedagogo, subsumido ao "professor", sua formação passa a ser dominada pelos estudos disciplinares das áreas das metodologias. Estas, ao voltarem seus estudos diretamente à sala de aula, espaço fundamental da docência, ignoram os determinantes institucionais, históricos e sociais (objeto de estudo da pedagogia). Desse modo, a pedagogia, ciência que tem a prática social da educação como objeto de investigação e de exercício profissional – no qual se inclui a docência, embora nele se incluam outras atividades de educar – não tem sido tematizada nos cursos de formação de pedagogos (...)” (LIBÂNEO e PIMENTA, 1999, p. 245).

De acordo com Cruz (2011), as habilitações e a formação para o magistério para o Ensino Normal tiveram ampla difusão em nosso país, tendo sido aspectos centrais durante boa parte da existência do curso. Por sua vez, a formação de professores para a educação infantil não encontrou, quando da divulgação do Parecer CFE nº 252/1969, espaço consolidado, uma vez que não foi prevista uma habilitação a ela dedicada. Durante muitos anos no Brasil, na falta da formação em nível superior específica de docentes para a educação infantil, eram os formadores dos professores primários, ou seja, os pedagogos, que desempenharam essa função. Daí a expressão “quem pode o mais, pode o menos”, comum à época, ou seja, quem forma o professor primário pode também exercer essa atividade, o que parece sinalizar que a formação de professores primários não ocupou, por muito tempo, lugar de destaque no curso de Pedagogia, situação que se modificou, em certa medida no decorrer dos anos 1990 e 2000, como será examinado posteriormente neste capítulo.

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