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CAPÍTULO III – A INDISCIPLINA À LUZ DOS NORMATIVOS LEGAIS

1- Parecer nº 3/2002 do CNE

No ano de 2002 o Conselho Nacional de Educação emitiu o seu parecer nº 3, subordinado ao tema “Para Combater a Indisciplina nas Escolas”. Desse documento podemos salientar alguns aspectos que nos ajudam a compreender o assunto em análise e que mostram a grande preocupação dos organismos ligados à educação relativamente ao crescimento do fenómeno da indisciplina nas nossas escolas. No preâmbulo desse parecer, publicado no Diário da República (DR), podemos encontrar uma definição para o problema em análise:

“Serão assim abrangidos pela noção de indisciplina todos os comportamentos que reflictam o propósito de perturbar os processos de aprendizagem que decorrem na escola, dificultando o exercício da função docente, inibindo uma efectiva cooperação discente, perturbando a convivência da comunidade educativa no seu todo”. (DR-II SÈRIE:5480)

Consideram os seus autores que o problema da indisciplina se encontra bastante difundido e que por isso mesmo constitui um factor de perturbação das nossas escolas e que, se não for atempadamente travado, poderá aumentar a insegurança e a violência nas mesmas. Apontam como factores geradores deste fenómeno a rápida democratização da escola, a massificação do ensino e a perda de expectativas dos alunos que a frequentam, bem como dos pais, relativamente à inserção no mundo profissional e social. Tal situação pode levar à desmotivação e a uma rejeição da escola pelos alunos que a vêem como uma organização injusta que reflecte as injustiças da própria sociedade.

O Conselho Nacional de Educação faz, no seu documento, uma análise dos factores que podem ser causadores de indisciplina nas escolas e apontam medidas que podem resolver, ou pelo menos minorar, os seus efeitos.

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“Se há hoje uma tempestade na escola, os professores estão no centro dela. Isso não significa que sejam eles os únicos protagonistas do processo educativo, mas lembra que não é possível levar por diante qualquer mudança relevante do sistema educativo, sem o seu envolvimento profundo”. (DR-

II SÈRIE:5481)

Referem que a democratização da escola trouxe um esbatimento da “supremacia hierárquica” dos professores perante os alunos, visto passarem a reconhecer-se aos alunos direitos que anteriormente não possuíam. Este aspecto é apontado como facilitador de problemas disciplinares nas escolas porque

“passou o tempo de uma disciplina, principalmente imposta, sendo necessário descobrir-se como se constrói o tempo de uma disciplina, principalmente assumida, decorrente de uma ética democrática de autoridade”. (DR-II SÈRIE:5481)

Esta situação levou a uma relativização do poder dos professores que ficaram, assim, fragilizados e desprotegidos na sua profissão. Ora, tendo em conta

“que o modo como os alunos vêem os professores é um elemento decisivo para que sejam induzidos a assumir nas aulas uma atitude de cooperação no processo de aprendizagem. A imagem do professor tem, por isso, de ser protegida, nomeadamente, pela dignificação e valorização da função docente que é essencialmente uma função educativa e não meramente de ensino”. (DR-II

SÈRIE:5481)

Os professores têm, assim, um grande desafio pela frente e têm de apresentar-se e impor-se aos seus alunos não pelo autoritarismo mas pela “evidência do seu saber”, pela “capacidade de persuasão e de sedução” e pelo “apuro ostensivo dos seus recursos pedagógicos”.

A posição que os professores possam conquistar dependerá também muito da sua capacidade e da competência para a conseguir. O seu papel será facilitado se actuarem no sentido de formarem os seus alunos para a cidadania, incutindo-lhes o sentido do trabalho, da responsabilidade e do respeito pelos outros.

“Se os professores forem preparados para serem mestres de cidadania, mais naturalmente poderão fazer com que os alunos se comportem na escola como cidadãos. Se os professores forem motivados, de modo a gostarem de exercer a função docente, mais facilmente transmitirão aos alunos o entusiasmo pela aprendizagem.” (DR-II SÈRIE:5482)

97 Se os professores conseguirem motivar os alunos a ver nas aprendizagens e no saber um factor dignificante de “enriquecimento irreversível da sua personalidade” e não um mero instrumento para conseguir uma ocupação profissional, isto poderá contribuir para que eles adoptem comportamentos mais cooperantes na escola e mais concretamente na sala de aula.

Também a escola, como instituição organizacional e física poderá influenciar decisivamente o comportamento dos alunos. Neste parecer o Conselho Nacional de Educação tece algumas considerações a este respeito.

Enquanto espaço físico, a escola

“deve ser, no seu todo, um espaço acolhedor, esteticamente agradável, funcionalmente adequado, o mesmo se devendo poder dizer de cada sala de aula, isoladamente considerada. Será bom que os locais de recreio sejam amplos e arborizados, espaços de convívio e de lazer, onde todos possam relacionar-se sem constrangimentos”. (DR-II SÈRIE:5482)

Na sua construção,

“devem ser cuidadosamente evitados todos os factores arquitectónicos que possam potenciar a insegurança, nomeadamente, fazendo com que a manutenção dos locais e dos equipamentos seja assegurada permanentemente, dentro dos padrões de segurança legalmente consagrados”. (DR-II

SÈRIE:5482)

Na mesma lógica de limitação dos riscos, a sobrelotação das Escolas deve ser evitada, a todo o custo, dado ser um claro factor de encorajamento da indisciplina e até mesmo uma causa autónoma do acréscimo da insegurança.

Enquanto organização, a escola deve estimular uma “pedagogia criativa” que desperte o interesse e entusiasme os alunos para os conteúdos leccionados. Deve incutir nos alunos o sentido da responsabilidade, deve promover a realização de actividades “circum-escolares”.

Este tipo de pedagogia exige, também, que os professores tenham uma sólida preparação e que se mantenham permanentemente actualizados, quer do ponto de vista pedagógico, quer do ponto de vista científico. Para que tal aconteça a escola deve disponibilizar os meios necessários a este fim.

Para finalizar estas considerações sobre o papel da escola enquanto organização na prevenção de comportamentos de indisciplina refere-se que

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“Uma pedagogia estimulante pode ter que ser diversificada para corresponder à heterogeneidade dos alunos e tem de ser enriquecida através de uma adequada formação interdisciplinar, que permita identificar e enfrentar a complexidade dos problemas que se colocam a um professor.”

Finalmente, o Conselho Nacional da Educação, defende que deve haver uma valorização da comunidade educativa.

“A valorização da comunidade educativa é um elemento estruturante de qualquer política de combate à indisciplina na escola. Para isso, esta deve transformar-se num espaço de cidadania, no âmbito do qual os professores se sintam dignificados pelo revigoramento da sua autoridade, os pais encorajados a assumirem uma responsabilidade mais consistente pelos apoios recebidos e os alunos estimulados a uma participação criativa na vida da escola pela garantia de que os seus direitos são reconhecidos e respeitados”. (DR-II SÈRIE:5483)

Referem o papel das famílias, cuja participação na vida das escolas tem vindo a aumentar, demonstrando a importância crescente que os pais atribuem à escolaridade dos filhos, situação que tem contribuído para dissuadir alguns problemas de indisciplina nas escolas. Neste contexto, saliente-se o caso da toxicodependência e a marginalidade a ela associada, dramas que afectam as famílias e as escolas e que muito dificilmente serão enfrentados com êxito, se não forem combatidos conjugadamente nesses dois contextos. Refira-se, também, os casos de “diversidade étnica” onde a complexidade das relações entre a escola e a família não deve ser subvalorizada. Dizem os autores deste parecer que

“Merece aqui uma especial atenção o multiculturalismo, sendo certo que dificilmente se conseguirá um clima escolar saudável, se as famílias dos alunos não estabelecerem entre si laços de reconhecimento mútuo e não partilharem uma vontade de resolverem em conjunto problemas que, por serem da escola, são, necessariamente, comuns aos diversos grupos étnicos nela existentes”. (DR-II SÈRIE:5483 )

Este parecer termina com um conjunto de recomendações, apresentadas na sequência do anteriormente exposto e que, no entender dos autores, poderão contribuir para resolver ou minimizar os aspectos de indisciplina que ocorrem nas nossas escolas.

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