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Paulo Campos Telles Neto (Ypióca)

3. ESTUDO DE CASOS

3.3. Paulo Campos Telles Neto (Ypióca)

O caso Paulo Campos Telles Neto (Acórdão nº 2301-005.929, Relator Marcelo Freitas de Souza Costa), decidido contrariamente aos interesses do contribuinte, foi julgado pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara do CARF em 14 de março de 2019 e apresenta a seguinte ementa:

FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES – FIP. FINALIDADE.

EMPRESAS OPERACIONAIS PREVIAMENTE CONTROLADAS PELO

GRUPO EMPRESARIAL ANTES DA CRIAÇÃO DO FIP.

DESNECESSIDADE. FALTA DE PROPÓSITO NEGOCIAL. O fundo de investimento em participações tem como finalidade precípua a realização de investimentos novos, e não a gestão profissional de investimentos antigos, assim representados por empresas operacionais que já pertenciam àquele grupo empresarial, antes da criação do FIP. No caso de FIP criado para gerir

empresas operacionais previamente controladas pelo grupo empresarial, os ganhos esperados pelos cotistas do FIP seriam os mesmos que obteriam se mantivessem diretamente o controle das empresas, revelando-se, assim a desnecessidade de tal FIP e sua falta de propósito negocial.

DESCONSIDERAÇÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO. Comprovada a interposição de fundos de investimento, com o fim exclusivo de usufruir da isenção de imposto de renda sobre o ganho de capital na venda de sociedade formalmente controlada por tais entidades, deve-se desconsiderar os fundos de investimento, de modo a cobrar o tributo dos cotistas desses fundos, proprietários últimos das ações da sociedade vendida.

Dos casos selecionados, esse é o único no qual o CARF decidiu de modo desfavorável aos interesses do contribuinte.

Nas duas situações anteriores, vimos que, analisando o conjunto das operações realizadas, a RFB tentou desconstituir os negócios jurídicos indiretos, insistindo na existência de dissimulação por ausência de propósito negocial.

Todavia, quando o caso foi examinado pelo CARF, foram reconhecidas razões suficientes para justificar que os negócios fossem estruturados daquela forma.

Dito isso, passamos a nos reportar aos elementos essenciais desse caso concreto para tentar reconstruir a ocorrência dos fatos e capturar quais foram os pontos-chave dessa operação que conduziram os julgadores para a manutenção do entendimento expressado por meio do auto de infração.

3.3.1. Cronologia das operações

O Fundo Telles FIP foi constituído em dezembro de 2011 para consolidar a gestão dos ativos do grupo familiar. As quotas do fundo foram distribuídas igualmente entre os herdeiros do controlador da holding TELLES, permanecendo este como usufrutuário, o que nos dá os primeiros indícios da intenção de se realizar um planejamento sucessório.

Em 11 maio de 2012 o FIP foi integralizado com as quotas da holding TELLES, que detinha participação em diversas empresas, dentre elas Ypióca, Ipark e Yplastic.

Pois bem, em 12 de maio de 2012, logo após a transferência dessas participações, decidiu-se pela extinção da holding, de modo que o Fundo Telles FIP passou a deter diretamente as participações societárias nas diversas empresas.

Cumpre salientar, ainda que não seja elemento essencial do caso, que em fevereiro de 2012 o grupo familiar constituiu outro fundo, o Alvorada Fundo de Investimento Multimercado Crédito Privado (―Fundo Alvorada FIM‖), que foi integralizado com as quotas do Fundo Telles FIP e pretendia dar mais liberdade na escolha dos investimento que seriam realizados pelos quotistas.

De seu turno, em 23 de maio de 2012, portanto, cinco meses após a criação do Fundo Telles FIP, que após as operações societárias passou a deter diretamente a participação na Ypióca, foi aprovada a venda da totalidade de ações desta para a Diageo, o que deu origem ao ganho de capital discutido. Cumpre salientar que as participações nas demais sociedades remanesceram inalteradas.

3.3.2. Autuação fiscal

Os agentes fazendários, em ação fiscalizadora junto às pessoas físicas sócias da holding Telles Participações e Negócios S.A. (―TELLES‖), lavraram auto de infração, com imposição de multa qualificada de 150%, em face de cada um dos sócios da holding, por assumirem a premissa de que o grupo familiar constituiu fundos de investimentos para realizar a venda da empresa Ypióca Agroindustrial de Bebidas S.A. (―YPIÓCA‖) para a Cinter International Brands Indústria E Comércio Ltda. (―DIAGEO‖) apenas e tão somente para fugir do pagamento de tributos federais, o que caracteriza a abusividade do planejamento tributário por inexistência de propósito negocial.

Especificamente sobre a gestão dos investimentos do FIP, as autoridades questionaram a sobreposição dos poderes do usufrutuário das quotas em detrimento ao gestor do fundo,

“podendo quaisquer documentos necessários para a concretização do negócio acima descrito ser assinados pelo sr. Everardo Ferreira Telles, que já recebeu plenos poderes do Fundo para essa finalidade, inclusive para estabelecer o preço da venda e quaisquer outras cláusulas ou condições para a sua concretização, e também pela Administradora e Gestora do Fundo na pessoa de seu representante legal, podendo qualquer um dos dois assinar todos e quaisquer documentos relativos à compra e venda do "Negócio Cachaça" e à transferência das ações para a compradora”.

Segundo os auditores, essa ampla liberdade concedida ao usufrutuário das quotas para a gestão dos negócios do FIP excederia os limites formais de governança, por ser pacífico que tal influência somente pode ser exercida por meio da Assembleia Geral de Quotistas e do Comitê Gestor de Investimento.

3.3.3. Argumentos da defesa

Os seguintes motivos foram apresentados para justificar a escolha por determinada forma para realizar a operação: necessidade de consolidar a gestão dos ativos da família (eficiência) e aproveitar a flexibilidade dada na regulamentação de fundos para estabelecer critérios de governança, a fim de evitar conflitos familiares (planejamento sucessório), na intenção de preservar e aumentar o patrimônio construído ao longo de gerações.

Em caráter acidental, também foi exposto que a família TELLES organizava-se por meio de fundos de investimentos exclusivos desde 2007, de modo que poderia ter utilizado essa estrutura se julgasse que o aspecto temporal seria considerado um indício de excesso.

Aduziu que o lapso entre o início das negociações e a conclusão da alienação foi de dezoito meses e que durante esse período não existia qualquer certeza de que a operação seria realizada, o que demonstra que a opção por estruturar os negócios operacionais da família por meio de um FIP já era discutido internamente e o início das negociações teria sido apenas a causa para dar início à organização dos ativos da família.

3.3.4. Julgamento no CARF

Ao chegar ao CARF, essa acusação fiscal foi julgada procedente, por unanimidade, pelo que passamos a uma exposição dos principais pontos consignados no voto do conselheiro relator Marcelo Freitas de Souza Costa.

A Turma entendeu, como tem sido comum em alguns julgamentos dessa natureza, que o direito à auto-organização está limitado por valores sociais como isonomia, capacidade contributiva e função social da propriedade, de modo que os acórdãos58 paradigma indicados pelo contribuinte, além de vincularem apenas as partes envolvidas naqueles litígios, teriam dado ênfase ao formalismo, contrariando os valores do atual Estado Social e Democrático de Direito.

58 Acórdãos nos 3402-001.908, 104-21.729 e 101- 94.127.

No ponto específico do nosso tema, os julgadores concluíram que a análise quanto à ausência do propósito negocial foi limitada à operação de alienação da participação na YPIÓCA, de modo que a destinação dada aos recursos obtidos com a venda seriam irrelevantes. Para eles, não haveria necessidade, além da economia fiscal, para constituir um instrumento para realizar a operação com a Diageo.

Aduziram que o argumento da necessidade de profissionalização da gestão não deveria subsistir, tendo em vista que na Ata da Assembleia Geral Extraordinária de Cotistas realizada em 23/05/2012 foram concedidos poderes ao usufrutuário das quotas do FIP que mitigaram a liberdade do gestor profissional.

Um excerto do Acórdão no 2401-006.611, que julgou a eficácia dessa mesma operação em relação ao Sr. Dário Araújo Telles, também quotista do FIP, retratou muito bem essa questão: “A prova constante dos autos evidencia que o TELLES FIP, em relação à venda objeto do presente lançamento, adquiriu a qualidade de mero ente interposto, eis que não se cumpriu todas as etapas de um ciclo de um investimento novo (captação de recursos, identificação de oportunidades, seleção, estruturação e acompanhamento de investimentos e, finalmente, desinvestimento) esperado de um fundo de investimento em participações e nem ao menos se influiu efetivamente no processo de estruturação e decisório da empresa vendida pelo exíguo tempo de investimento e nem influiu no de desinvestimento, tendo a venda sido efetivamente estruturada pelo Sr. Everardo Telles e não pelo gestor do TELLES FIP, ainda que o gestor fosse formalmente responsável perante a CVM”.

Em remate, os julgadores concluíram que o curto intervalo entre as operações realizadas sequer permitiu que as vantagens de uma gestão profissional pudessem ser percebidas, razão pela qual não conseguiram identificar o propósito negocial dessa estruturação.

3.3.5. Reflexões sobre a decisão

O desfecho desse caso nos surpreendeu, sobretudo quando adotamos como referência o primeiro caso aqui examinado (Hemava).

Vimos que os recursos obtidos com a alienação da Ypióca foram recebidos inicialmente pelo Fundo Telles FIP e repassados a título de amortização para o Fundo Alvorada FIM, com diferimento, até o momento de resgate das quotas, do imposto sobre o

ganho de capital e dos rendimentos dos investimentos realizados com os valores obtidos pela alienação.

Importante destacar que, neste caso, diferente dos outros dois já analisados, a RFB apenas alegou que as negociações para aquisição da Ypióca estavam em curso enquanto as operações societárias eram realizadas. Nas situações que vimos anteriormente, ambos decididos favoravelmente ao contribuinte, a RFB teve acesso e juntou aos autos as minutas fornecidas pelos adquirentes, indicando que negociações ocorreram em datas anteriores à realização das operações societárias.

Outro ponto-chave para a compreensão do caso tem que ver com a destinação dada pelo Fundo Alvorada FIM quanto aos recursos obtidos com a alienação das ações da Ypióca.

Sob esse aspecto, tem-se que a própria fiscalização reconheceu que tais valores foram aplicados em quotas de outros fundos de investimento, bem como na aquisição de ativos de outra espécie (imóveis), de modo que, em nosso entendimento, o principal ―ônus‖ de realizar a operação utilizando-se de FIP teria sido cumprido.

A constatação de que os recursos permaneceram no fundo para a realização de novos investimentos reforça os argumentos de que a estrutura em análise não foi criada como mero veículo para adequar a operação a um regime tributário mais favorável. A efemeridade é uma característica das estruturas criadas apenas para terem a função de veículo.

Os seguintes motivos foram apresentados para justificar a escolha de determinada forma para realizar a operação: necessidade de consolidar a gestão dos ativos da família (eficiência) e aproveitar a flexibilidade dada na regulamentação de fundos para estabelecer critérios de governança, a fim de evitar conflitos familiares (planejamento sucessório), na intenção de preservar e aumentar o patrimônio construído ao longo de três gerações.

Tais argumentos não foram admitidos no CARF, pois os julgadores entenderam que o atingimento de tais objetivos poderia ser alcançado por meio da holding e, portanto, inexistia motivo econômico para a constituição dos fundos.

Surgem então dois questionamentos essenciais para a compreensão desse caso:

1) existe alguma diferença relevante para justificar a escolha de administrar ativos por meio de uma holding ou de um fundo de investimentos, e;

2) o mero exame do intervalo temporal entre a realização de operações societárias é suficiente para limitar a eficácia de atos praticados perante o Fisco?

Pois bem, para responder esses questionamentos é preciso conjugar elementos de transparência, liberdade e preservação do patrimônio.

Fundos de investimentos, por questões regulatórias, necessariamente devem constituir administrador, gestor e custodiante, além de serem submetidos a auditorias anuais e fiscalizados pela CVM.

Tais características, que não são exigidas de uma holding, obrigam a adoção de padrões mais elevados de transparência e implicam em maior segurança aos processos decisórios, requisitos que, quando operações são realizadas com o propósito de planejamento sucessório e o contexto envolve descendentes com perfis tão heterogêneos, como ocorre no caso em exame, exercem influência considerável na escolha da forma a ser adotada para a preservação do patrimônio.

Demais disso, o lapso entre a realização das operações societárias não deveria ser motivo bastante para ensejar a limitação da eficácia dos atos praticados perante o Fisco.

Vimos que o direito a auto-organização, fundado na livre iniciativa, está limitado pela função social da propriedade, e que, independente do intervalo temporal entre as operações, esta condição é atendida quando os recursos que compõem o FIP retornam, em maior número, na forma de novos investimentos e maior crescimento econômico.

O critério da isonomia é atendido na medida em que os tributos diferidos convertem-se em novos investimentos e a expectativa é de que o resultado das empresas investidas aumente a arrecadação total.

Por sua vez, o CARF, em outras situações relacionadas ao assunto ―ganho de capital‖, chegou a abrigar a seguinte orientação:

―Constitui propósito negocial legítimo o encadeamento de operações societárias visando a redução das incidências tributárias, desde que efetivamente realizadas antes da ocorrência do fato gerador, bem como não visem gerar economia de tributos mediante criação de despesas ou custos artificiais ou fictícios‖59.

59 Acórdão nº 1402.001.472 – 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária – Sessão de 09 de outubro de 2013.

Também insta aduzir que o próprio CARF, ao apregoar acertadamente que ―o lançamento deve ser feito nos termos da lei‖, teve a lucidez necessária para decidir que ―não tem amparo no sistema jurídico a tese de que negócios motivados por economia fiscal não teriam "conteúdo econômico" ou "propósito negocial" e poderiam ser desconsiderados pela fiscalização‖60.

60 Nas palavras do redator do voto vencedor, Conselheiro Carlos Eduardo de Almeida Guerreiro, ―o Executivo não tem o poder de afastar a lei, mas sim de executá-la, sob pena de subversão do principio da legalidade‖.

Acórdão nº 1101-000.835 – 1ª Câmara / 1ª Turma Ordinária – Sessão de 04 de dezembro de 2012.

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