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PARTE II Revisão Bibliográfica

3.5. Produtivismo Acadêmico

3.5.1. Pensamento neoliberal e a origem da mercantilização do ensino e do

Após a Segunda Guerra Mundial, a profunda concentração de riqueza e poder de alguns Governos começa a ser questionada e devido aos enormes gastos assumidos pelos mesmos e às pressões eleitorais, emerge no mundo o neoliberalismo. Gurgel (2013, p. 231) esclarece que o termo neoliberalismo define uma corrente de pensamento filosófico, econômico e político que retoma valores do liberalismo clássico, existente no século XVII, na Europa. “O prefixo neo, de origem grega, significa novo. Trata-se de um novo liberalismo” (IBIDEM).

A primeira solução proposta por este modelo segue a já tradicional linha liberal: diminuir a influência do Governo. Além disto, e principalmente, revalorizam-se preceitos empresariais e de mercado, destacando-se a ideia da gerência ao estilo taylorista,

54 considerada suficiente para obter o valor público. Começa-se assim a corrida por adotar em todos os meios (escolas e academias, nos partidos políticos, na mídia e nas publicações diversas, didáticas ou não), ferramentas empresariais estratégicas e incutir este ideal em todos e para tudo.

Polivalência funcional, multifuncionalidade, produtividade, qualidade total e flexibilidade também regem o pensamento neoliberal. Entre outros dos valores liberais resgatados pela ideologia neoliberal estão: o individualismo, a primazia dos direitos humanos civis sobre os sociais, a propriedade privada e a competição/concorrência como fator de desenvolvimento (GURGEL,2013, p. 231).

O início do pensamento neoliberal se deu quando o Estado intervencionista e protecionista (Estado do Bem-Estar Social) passou a ser pressionado nos anos 60/70. Segundo tese dos conservadores, havia excesso de democracia e assistencialismo. Por ser cada vez mais pesado e oneroso, o Estado era o responsável central, segundo eles, pela própria crise econômica que avançou pelo mundo a partir de 1973/75 (FIORI, 2012, p. 12). Nos anos 80/90 então se fortaleceu o pensamento em torno das políticas neoliberais.

Nos anos 80/90 intensificaram-se as ideias neoliberais, devido ao Consenso de Washington6 (expressão cunhada em 1989, pelo economista John Williamson) que podia ser sintetizado como:

Uma série de políticas e reformas preconizadas pelos organismos financeiros multilaterais nas renegociações das dívidas dos países em desenvolvimento no final da década de 1980 e na década de 1990. Tratou-se da atualização de uma nova hegemonia do pensamento econômico liberal, advinda do fim da guerra fria e triunfo político da direita liberal nos EUA de [Ronald] Reagan e Reino Unido de [Margaret] Thatcher, agora estendida para os países em desenvolvimento (SOARES e ANTUNES, 2013, p. 111).

Gurgel (2013, p. 234) cita governos neoliberais influenciados pelo Consenso de Washington: o governo neoliberal e ditador do general Pinochet, no Chile, o da Argentina e da Espanha, à época. Conforme Sguissardi (2000, p. 47), estes países adotaram as propostas patrocinadas pelo Banco Mundial e outros organismos multilaterais que estavam elencadas no relatório La Enseñanza Superior: las lecciones derivadas de la experiência

(El desarrollo em la práctica) – relatório que continha recomendações para a reforma da

educação superior dos países de Terceiro Mundo.

Sguissardi (2000, p. 10) explica que organismos multilaterais, reunidos no Consenso de Washington ou isoladamente, desde os anos 1990, articulam suas

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recomendações (neoliberais) à educação superior de países como Chile, Argentina e Brasil,

sempre garantindo seus propósitos. Soluções que atendem políticas macroeconômicas objetivando a reforma do Estado (deve-se salvar os países da crise do estado do bem-estar) e a reestruturação do capitalismo [grifo da autora].

Diante do exposto, depreende-se que as empresas multinacionais tornaram-se responsáveis por conduzir a economia mundializada, sob a hegemonia do capital financeiro. O que resultou nas reformas institucionais públicas ocorridas nas décadas de 1980 e 1990 (SGUISSARDI e SILVA JÚNIOR, 2009, p. 31).

Ainda segundo Soares e Antunes (2013, pp. 111-113), as políticas neoliberais impostas pelo consenso de Washington trouxeram amplas consequências para a sociedade em geral, mas em particular para o mundo do trabalho. Como a abertura e desregulação do mercado, a flexibilização dos direitos trabalhistas e sociais, a internacionalização e novas formas de gerenciamento. Soares e Antunes (2013) explicam que o neoliberalismo busca:

Reduzir a estabilidade no emprego – e facilitar o rompimento de contratos de trabalho, reduzir direitos sociais dos trabalhadores – tais como: direitos previdenciários ou seguros sociais – e criar novas formas, geralmente mais precárias, de contratos de trabalho como contratos por tempo determinado, ou regularização/promoção da intermediação de mão de obra, além de buscar a redução da remuneração do trabalho (SOARES e ANTUNES, 2013, p. 113). Os interesses da mundialização neoliberal evidentemente incluiriam a Universidade, como centro de formação de quadros, como gerador de pesquisas e como centro de irradiação ideológica. É neste sentido que cabe a observação de Frigotto:

Em relação à Universidade, o balanço não difere do que foi exposto até aqui. Se, positivamente, tivemos na década um forte impulso em direção à criação de novas Universidades públicas, isso não alterou a tendência histórica de privatização, e sobretudo em relação ao que Marilena Chauí (2003) expôs na conferência de abertura na 26ª Reunião Anual da ANPEd, em 2003, sobre “a nova perspectiva da universidade pública”. Foi quando Chauí nos pôde mostrar que, especialmente a partir década de 1990, houve o deslocamento da Universidade concebida como instituição pública ligada ao Estado republicano para o de organização social vinculada ao mercado. Uma Universidade operacional, avaliada não mais em razão de sua função social e cultural de caráter universal, mas da particularidade das demandas do mercado. Ou seja, centrada na pedagogia dos resultados e do produtivismo, na análise de Saviani (FRIGOTTO, 2011, p. 251).

Inclusive, o modus operandi das universidades passam a sofrer modificações a partir daí, pois se induzirá a aproximação das universidades com as empresas, com graves consequências para suas atividades, para o trabalho e a vida dos professores (SGUISSARDI e SILVA JÚNIOR, 2009, p. 32). Centros de pesquisas, hospitais, museus, escolas técnicas e universidades passaram a carregar, em seu núcleo institucional, a

56 racionalidade das reformas do Estado, incorporando a lógica de mercado. É a origem da mercantilização da universidade pública (IBID., p. 35).

Ademais, a substituição do Estado do Bem-Estar, a neoliberalização da economia e consequentemente a reconfiguração do Estado, que expandiu o setor privado e restringiu o público, incentivou o capital fazendo decrescer os direitos do trabalho, além de transformar a avaliação em instrumento de regulação e controle, uma arma poderosa posta a serviço do poder hegemônico (SGUISSARDI, 2006, p. 53).

Com as reformas do Estado preconizadas pelos neoliberais, nos anos de 1990 surge o modelo gerencialista, inspirado, como já dito, na administração de empresas (BRESSER- PERREIRA, 1996, p.5). O gerencialismo tem como essência a substituição da burocracia pela administração gerencial (IBID., p. 4), pois esta é entendida como uma administração que traria uma maior eficiência nas atividades econômicas do Estado (IBID., p. 7).

Hill (2003, p. 27) se questiona sobre o espaço da educação no programa neoliberal e acredita que os professores são considerados os agentes mais importantes, visto que apresentam um papel fundamental na formação da principal força da qual depende o sistema capitalista: a força de trabalho. Os docentes são os responsáveis por apresentarem aos estudantes as técnicas, competências, habilidades, conhecimentos, atitudes e qualidades pessoais que eles utilizarão no trabalho. Por isso a preocupação em controlar a formação das pessoas. Para tentar assegurar que as pedagogias opostas à produção capitalista desapareçam. O Estado capitalista tentará destruir qualquer pedagogia que tente educar os estudantes a ter uma consciência crítica que procure solapar o pacífico funcionamento do sistema capitalista.

No modo de produção capitalista os grandes protagonistas do processo são empresários, sindicatos e Estado. Instaura-se uma “troca política” entre estes grandes protagonistas organizados do sistema. Nesse intercâmbio são tratados “bens” que não eram formalmente negociáveis na lógica do mercado tradicional (BOBBIO, 1998, p. 147). No Capitalismo se instaura uma relação especial entre política e economia, que reproduz uma lógica de mercado onde os bens que são negociados não são somente salários, ocupação, produtividade, investimentos, etc., mas também formas de lealdade e de consenso político (IBID., p. 148).

Mello e Luce (2011, p. 2) esclarecem que a influência política atinge a política educacional e é comprovada pela interferência do poder do mercado, de acordo com os contextos social e econômico, na agenda governamental. As decisões políticas do governo

57 em relação à educação perpassam pelos grupos econômicos. Sander (2007, p. 71) apud Mello e Luce (2011, p. 2) cita ainda as reformas decorrentes do movimento liberal, ocorridas no país nos anos 1990, e que revelam a transposição de conceitos e práticas gerenciais nos moldes comércio-empresa para o setor público, trazendo a tona conceitos como “eficiência e produtividade, planejamento estratégico, racionalidade administrativa e flexibilização laboral associada à contratação por resultados e à avaliação estandardizada de desempenho, descentralização, privatização e ampla adoção de tecnologias da informação”. As autoras exemplificam lembrando que a educação no período 1995-1998 seguiu a agenda neoliberal, sob influência do mercado. Havia preocupação com a performance dos docentes e em seguir competências técnicas (IBID., p. 5). Elas explicam ainda que esse movimento continua no século XXI e que impõe decisões administrativas que enfatizam a produtividade, a eficiência econômica e a competitividade, sem se importar com a ética (IBID., p. 2).

Mello e Luce (2011, p. 4) acreditam que a valorização docente está presente apenas nos discursos políticos, mas na verdade, existem indícios de se criar uma ilusão ao fazer os docentes crerem que há a necessidade de maior profissionalização por parte deles. Exige-se das pessoas que sejam trabalhadores qualificados. Segundo Arruda (2000, p.26), esse posicionamento, reprodução da teoria do capital humano, tem levado alguns países a investirem na qualificação da sua força de trabalho, e a traçarem planos e políticas educacionais que visam capacitar os indivíduos para o mercado de trabalho sem se considerar a importância do aprendizado intelectual.

De acordo com Mello e Luce (2011, p. 5), o Estado não segue uma evolução linear; ao contrário, suas ações seguem ritmos variáveis, ora marcadas por uma estabilidade relativa, ora com momentos de ruptura. Assim, a política educacional e as decisões tomadas variam em períodos distintos. A CAPES, por exemplo, é regida segundo interesses de cada governo: Vargas, presidentes da ditadura, Collor, FHC e Lula, cada um deixou sua marca. Uma política pública acaba por implicar em uma forma de regulação e está associada ao tipo de administração do Estado (MELLO e LUCE, 2011, p. 7).

3.5.2. Consequências do produtivismo acadêmico: