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CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO COMO “RECONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA” PARA JOHN

2. O QUE É EXPERIÊNCIA PARA JOHN DEWEY?

2.1. Experiência: definindo características fundamentais

2.1.1. Pensamento reflexivo

Na dinâmica de caracterização da experiência, há um elemento fundamental que necessariamente deve ser considerado: o pensar bem35. Dewey dedica um de seus livros exclusivamente para este aspecto que, segundo o autor, é tão necessário no processo de emancipação do ser humano.

De acordo com a teoria deweyana, a reação que tenho diante de uma situação nova, desafiadora, problematizante, pode ser impulsiva, respondendo a vontades momentâneas, ou visando à forma mais rápida de livrar-me do problema. Em contraste, Dewey defende um pensar reflexivo, o qual, diante de uma situação nova, instrumentaliza o indivíduo a agir de forma coerente e bem pensada.

Dada a complexidade da questão, existem alguns elementos que se tornam

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Em seu livro Como pensamos (1959a), Dewey explicita de forma clara as características do ato de pensar. Por serem definições importantes e diretamente ligadas ao conceito de experiência procurei explorar ao máximo aquilo que o livro traz, especialmente ao que se refere ao pensamento reflexivo e ao

pensar bem. Sendo assim, nesta parte da escrita do trabalho refiro-me com freqüência a esta obra,

fundamentais: pensar uma corrente ordenada de idéias; ter um propósito e um fio controlador; fazer um exame pessoal e dispor-se à pesquisa e à investigação. Há um esforço consciente e voluntário que encaminha o indivíduo a pensar, formular hipóteses, encontrar soluções e agregá-las ao já conhecido, construindo um novo conhecimento e ampliando a experiência.

Ora, é precisamente a capacidade de pensar que faz com que os dados signifiquem o que está ausente e que a natureza nos fale uma linguagem suscetível a ser compreendida. Para um ser pensante, as coisas lembram-lhe o passado, assim como os fósseis narram a história primitiva da Terra (DEWEY, 1959a, p.27).

Estar diante de diversas situações e encontrar sentido para elas é uma condição fundamental do ato de pensar. Nessa condição, os fatos que se apresentam induzem o sujeito a procurar indícios, pistas, crenças naquilo que já não está ali, mas que é passível de ser investigado. O ato de pensar inclui dilemas e, segundo Dewey, é em tais dilemas que se encontra a atividade mental. É agregada a essa atividade uma dimensão de inquietude, de investigação, de movimento, de não conformidade com a situação apresentada, o que é parte fundamental daquilo que Dewey nomeia de experiência, no seu caráter emancipatório e educativo. Seguem, a seguir, três importantes características do pensamento reflexivo:

a) Curiosidade

Para que se processe a atividade mental, dirigida para o pensar bem, para que este se concretize, Dewey resume: “temos que aprender como pensar bem, especialmente como adquirir o hábito geral de refletir” (DEWEY, 1959a, p.42). Assim sendo, estamos diante de um processo de aprendizagem, de um “hábito”, para usar a expressão do próprio autor.

No entanto, este hábito de pensar bem provém de um ingrediente primário, o qual se constitui na estrutura da experiência: a curiosidade. Tal elemento advém das diferentes sensações e interações vividas pelo sujeito e é responsável pela ampliação da experiência. A curiosidade é “fator básico da ampliação da experiência, é, portanto, ingrediente primário dos germes que se desenvolverão em ato de pensar reflexivo” (Ibidem, p.45).

Incentivar e cultivar a curiosidade nos alunos é papel do professor pois, para além das sensações, a curiosidade pode e deve assumir um caráter intelectual: “A curiosidade assume um caráter definidamente intelectual quando, e somente quando, um alvo distante controla uma seqüência de investigações e observações, ligando-as umas às

outras como meios para um fim” (Ibidem, p.47). Muitas vezes, afirma Dewey, a escola reduz a curiosidade da criança e, gradativamente, vai dirigindo as atenções do jovem para um ensino que o mantêm em “ponto morto”36, situação em que “tudo é importante e igualmente sem importância, em que tanto uma coisa pode ser verdadeira como outra; e em que o esforço intelectual despendido não procura discriminar as coisas, mas fazer conexões verbais entre as palavras” (ibidem, p. 52). A crítica ao modelo de ensino que não se preocupa com aquilo que é próprio da criança, a curiosidade, aos poucos enfraquecendo tal capacidade por uma série de normatividades impostas de fora para dentro, faz-se presente nos escritos de Dewey.

b) Sugestão

Esta dimensão do pensamento reflexivo, segundo Dewey, revela maleabilidade e a pujança de pensamento. A sugestão compreende as idéias que surgem, em um sentido primitivo, ainda desordenadas e em decorrência da curiosidade. De um determinado fato, o pensamento sugere outras idéias. Experiências passadas, não nossa vontade ou intenção, fazem-nos pensar em diferentes situações. Entretanto: “Somente quando experimentamos controlar as condições que determinam a ocorrência de uma sugestão e somente quando aceitamos a responsabilidade do emprego da sugestão para ver o que dela decorre, é significativo introduzir o “Eu” como agente e fonte do pensamento ” (Ibidem, p.49).

c) Ordem

Como vimos até então, a curiosidade é elemento importante para o acontecimento do pensar bem, assim como as sugestões que dela decorrem. No entanto, para além da curiosidade, das sugestões, a capacidade de organizar aquilo que chama atenção, aquilo que inspira maiores aprofundamentos, envolve outra dimensão: a propriedade de ordem, de consecutividade:

Pensar não dispensa a chamada “associação de idéias” ou cadeia de sugestões. Mas ainda tal cadeia, por si mesma, não constitui reflexão. Temos pensamento reflexivo apenas quando a sucessão é tão controlada que se torna uma seqüência ordenada, rumo a uma conclusão, que contém a força intelectual das idéias precedentes. E “força intelectual” significa força de dar a uma idéia valor de crença, de torná-la digna de crédito (Ibidem, p.55).

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“Alunos que, em questões da vida prática, percebem pronta e perspicazmente a diferença entre o relevante e o irrelevante, atingem, muitas vezes na escola, um ponto morto, em que tudo é igualmente importante ou igualmente sem importância; em que tanto uma coisa pode ser verdadeira como outra; em que tudo é igualmente importante ou igualmente sem importância” (DEWEY, 1959a, p.52).

Aqui, especialmente pensando na educação da criança, podemos perceber o quanto são importantes, segundo Dewey, as seleções feitas pela escola na hora de compor seus currículos e modos de educar37. O problema, neste momento, está na seleção de modos de ocupação ordenados e contínuos, pois, são estes responsáveis pela formação de hábitos de pensamento (Ibidem, p.58).

Mais uma vez, as palavras de Dewey são ilustrativas naquilo que se refere ao processo que encaminha o sujeito a progredir de uma simples curiosidade ao pensamento reflexivo e, por conseqüência, à experiência:

o problema de método na formação de hábitos de pensamento reflexivo é o problema de estabelecer condições que despertem e guiem a curiosidade; de preparar, nas coisas experimentadas, as conexões que, ulteriormente, promovam o fluxo de sugestões, criem problemas e propósitos que forneçam a consecutividade na sucessão de idéias (DEWEY, 1959a, p. 63).