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4 GÊNESE DO CAMPO CONTROLE INTERNO DO PODER EXECUTIVO

4.1.3 Período de 1891 a 1930: controle político, controle financeiro e controle

Com a proclamação da República, a primeira alteração institucional na área de controle de recursos públicos foi a criação do Tribunal de Contas (TC), como estrutura independente ao Poder Executivo, pelo Decreto n. 966-A, em 7/11/1890.

Na exposição de motivos do Decreto, quatro ideias foram destacadas por Ruy Barbosa, então Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda, defensor da proposta da instituição de um tribunal independente: 1. o orçamento público deveria ser visto como instituição inviolável e soberana, voltada ao atendimento de demandas públicas com o menor sacrifício possível para os contribuintes; 2. o processo de execução da lei orçamentária

deveria se constituir como sistema capaz de evitar “[...] todos os desvios, todas as vontades e

todos os poderes [...]” que pudessem perturbar o seu curso normal; 3. o compromisso da “[...] fiel execução orçamentária [...]” deveria ser instalado no país; e 4. o sistema de contabilidade do Thesouro Nacional, por ser “[...] defeituoso e fraco [...]”, deveria ser substituído (SILVA, 1999, p.158).

Como nenhuma estrutura de gestão ou de controle, externo ou interno, pode prover o exato cumprimento de ações planejadas ou evitar todos os desvios, verifica-se a estratégia simbólica e discursiva dos agentes para ampliar as suas condições de influência nas decisões sobre as disputas específicas para estruturar o novo mecanismo de controle sobre a despesa pública.

O Tribunal assume competências que ultrapassam a condição de fiscalizar os atos praticados pelo Executivo. A Constituição Federal de 1981 previu, em seu artigo 89, que o

Tribunal teria finalidade para “[...] liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso”.

O Decreto n. 966 – A/1890 previu que ao Tribunal competia examinar e revisar as contas de ministros e responsáveis por dinheiro ou valores da União, propor ao Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda suspensão e prisão de responsáveis faltosos, impor multas, fixar débitos e julgar à revelia os que não prestassem contas no prazo devido, dar quitação, liberar valores e cauções garantidoras, enviar o relatório anual dos seus trabalhos ao Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda e examinar os decretos, ordens, avisos, tabelas de crédito e outros atos ministeriais que originassem despesas para a Fazenda (BRAZIL, 1890). Desse conjunto de competências, observam-se, além das que são típicas de tribunal independente, algumas administrativas e outras exclusivas de tribunal de justiça.

A aproximação entre a administração financeira e o Tribunal era de tal forma expressiva que a regulamentação de ambas constou de um mesmo normativo. A Lei n. 23 (BRAZIL, 1891b) autorizou a criação do Ministério da Fazenda (MF) para reorganizar as

“[...] repartições de Fazenda [...]” e o Decreto n. 1.166, de 17/12/1892 regulamentou a

estrutura organizacional e funcional tanto do Ministério quanto do Tribunal de Contas, previsto na Constituição Federal e criado pelo Decreto n. 966 – A. As estruturas e as competências do Tribunal Thesouro Público Nacional foram divididas entre as duas instituições, de modo a não acarretar crescimento das despesas públicas, problema sempre identificado pelos adversários da proposta de criação do Tribunal durante o período anterior e condição que acabou sendo prevista legalmente.

Considerando que, pela lei n. 23 de 30 de outubro de 1891, art. 11, foi o Poder Executivo autorisado a organizar os serviços dos varios Ministerios, melhorando o pessoal, comtanto que resulte maior facilidade no expediente ou reducção na despeza; Considerando que, pela lei n. 26 de 30 de dezembro do mesmo anno, art. 18, foi ainda o Poder Executivo autorisado a reorganizar as repartições de Fazenda, sem augmento de despeza, sujeitando o seu acto á approvação do Congresso; Considerando que, para a reorganização do serviço a cargo do Ministerio da Fazenda, enumerado nos arts. 2º e 3º da lei de 30 de outubro de 1891 e reorganização das repartições, é indispensavel

que se installe o Tribunal de Contas, incluido naquelle artigo, lettra B, e instituido pelo art. 89 da Constituição da Republica; tanto que dessa installação resultará a extincção do Tribunal do Thesouro Nacional, cujas attribuições, em parte, teem de passar para o Tribunal de Contas, lei de 30 de outubro de 1891, arts. 10 e 12, lettra B, e não podem ficar suspensas sem graves inconvenientes [...] (BRAZIL, 1892).

Ao MF couberam as competências relacionadas com o Tesouro Nacional, notadamente a administração pública fiscal concernente às dívidas interna e externa, relações com o Tribunal, lançamento, administração e contabilidade das rendas nacionais, assentamentos de pessoal, orçamento da receita e da despesa, além de assuntos referentes à Casa da Moeda e aos bancos. Em relação à fiscalização, a referência se restringia às rendas nacionais, o que significa que havia previsão de fiscalização do MF para evitar evasão de receitas, mas não a fiscalização sobre a despesa pública, competência do Tribunal (BRAZIL, 1891b).

Este foi regulamentado quase sem limites para executar controle da despesa pública. Realizava o exame prévio das despesas e revisão das contas dos ministérios, inclusive com exigência de aprovação prévia de todo atos administrativos com impactos sobre as finanças da República (BRAZIL, 1892). Com perfil de tribunal de justiça, poderia inclusive propor, além de multas, prisões e demissões de agentes.

Evidentemente o encontro de condições sociais avessas às exigências do modelo de Estado moderno e de competências tão amplas constituía ambiente institucional instável. Poucos meses após a constituição do Tribunal, o governo Marechal Floriano interferiu diretamente e extinguiu muitas dessas competências, mesmo sob protesto e renúncia do Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda, Serzedelo Correa34. Esse posicionamento do Ministro indica que, naquele momento inicial, o Ministério da Fazenda e o Tribunal, além de serem regulamentados pelo mesmo normativo, também não estavam segregados funcional e politicamente.

Contudo, a criação da Directoria Central de Contabilidade Pública35 pelo MF, posteriormente transformada na Contadoria Central da República (BRASIL, 1921; 1922; 1924a; 1924b) traz alterações institucionais na competência de fiscalização sobre os empenhos das despesas e sobre o patrimônio e na responsabilidade pela organização dos processos de prestação de contas que haviam ficado com o TC, desde 1892.

34

Segundo informação histórica, constante da página do TCU na internet, em 19 de dezembro de 2009, a ocorrência teve como fato gerador a decisão do Tribunal de sustar o pagamento de um funcionário, irmão do ex- Presidente Marechal Deodoro e sogro do Marechal Hermes, contratado a pedido do próprio Presidente Floriano.

35 Criada pelo Decreto n. 15.210/1921 e regulamentada pelo Decreto n. 4.536/1922, logo depois transformada na

Em termos de estruturas de controle da administração pública, esse período contava com o controle político do Congresso Nacional, com o controle independente do TC e com o controle exercido no âmbito do próprio MF.

No entanto, as condições sociais vigentes, indicadas na literatura, sinalizam que a mudança institucional não alterou o quadro de descontrole que caracterizava o período imperial. Costa (2010) afirma que, nesse período, prevalecia a vontade de mandões locais e de proprietários de terra e os interesses das grandes oligarquias que controlavam eleições e governos locais e asseguravam o apoio ao governo federal. Essas condições eram avessas à observação das instituições e normas legais pelos representantes do Estado na administração dos recursos públicos.

Faoro (2000) ensina que a ação dos liberais da República quebrou a estrutura burocrática do Império, mas não conseguiu construir as instituições autônomas e independentes por eles proclamadas

A supremacia tuteladora do poder público, agora seccionado nos principados e ducados estaduais, continuou a operar, num molde próximo ao regime colonial, no qual o particular exercia, por investidura ou reconhecimento oficial, funções públicas [...] a linha entre o interesse particular e o público, como outrora, seria fluida, não raro indistinta[...] (FAORO, 2000, p.631).

Nunes (2003) salienta que a República Velha se caracterizava por sistema político e sistema administrativo baseados em favores pessoais e empreguismo, que apresentavam discursos universalistas. Do resultado do conflito entre demandas de novas posturas do Estado para o desenvolvimento do País e das estruturas personalistas e clientelistas decorre o primeiro grave ciclo de conflitos de interesse entre os grupos dominantes da República. Esse conflito desencadeia o rompimento do pacto entre as oligarquias estaduais, abrindo espaço para o Estado Novo (FAORO, 2000; NUNES, 2003).

Também no período sobressai a contradição entre os discursos de independência do Tribunal e as condições para o exercício de suas competências. O Tribunal de Contas, estruturado com independência institucional, funcionou por quase 40 anos, auxiliando o equilíbrio tênue do controle oficial das contas públicas com práticas autointeressadas de agentes que privatizavam o Estado, tal como mostra a literatura nacional (FAORO, 2000; NUNES, 2003; COSTA, 2010).

Verifica-se que o arranjo de controle dos recursos púbicos vigente no período, a despeito de ter ampliado a legitimidade do processo de prestação das contas apresentadas pelo Ministério da Fazenda ao Congresso Nacional, era frágil e ineficaz, até mesmo para gerar

informação sobre as finanças públicas. O controle político continuava apresentando características de formalismo, e a burocracia ainda não estava fortalecida como mecanismo de controle do Estado.

Getúlio Vargas, quando precisou de informações sobre as finanças da União, as instituições não conseguiam fechar números confiáveis (NUNES, 2003). Conforme, porém, se verá a seguir, ao invés de fortalecer esses mecanismos, a era Vargas não alterou a condição de fragilidade das instituições de controle sobre as finanças públicas.

4.1.4 Período de 1930 a 1945: crise institucional e redução do poder do controle