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4 GÊNESE DO CAMPO CONTROLE INTERNO DO PODER EXECUTIVO

4.1.5 Período de 1946 a 1964: controle prévio e emergência do conceito de controle

Com a queda de Vargas, houve restauração das condições institucionais para a redemocratização do País (BRASIL, 1946). Em relação ao Tribunal de Contas, ocorreu ampliação das competências de fiscalização da execução financeira e orçamentária da União, integrando sua estrutura ao Poder Legislativo. Essa mudança pode ser entendida como reação ao período anterior, em que houve ingerências do Poder Executivo no funcionamento do órgão. Do ponto de vista das competências, foi retomado o instituto do controle prévio.

Internamente, o governo federal também ampliou as atribuições da Contadoria Geral da República, expandindo suas funções, para agregar as competências de controle que estavam sob a competência do DASP (BALBE, 2010).

Contudo, os registros da literatura mostram que, do final da Era Vargas a João Goulart, não ocorreram alterações significativas na administração pública federal. Continua-se

a ignorar o sentido de burocracia, de tal forma que o discurso moralista de lideranças políticas e as estruturas de controle do próprio Poder Executivo e de controle político do Legislativo contrastavam entre si. Tanto o controle instituído pelo Governo, transformando a Contadoria em órgão mais abrangente, quanto o controle externo, integrado à estrutura do Poder Legislativo, foram incapazes de promover mudanças significativas na administração federal.

Pouco antes do golpe militar de 1964, repetiram-se ocorrências históricas de denúncias de irregularidades e corrupção. Em meio a dificuldades de comando político, o Governo João Goulart constituiu a Comissão Amaral Peixoto, como ministério extraordinário, para formular um plano de reforma administrativa. Segundo Gaetani (2003), a Comissão38encaminhou proposta de reforma administrativa ao Congresso Nacional que pouco avançava em termos de proposições.

No entanto, a publicação da Lei n. 4.32039, de 17/3/1964, mostra que os efeitos das lutas e concorrências do período foram relevantes para mudanças posteriores no processo de fiscalização orçamentário-financeira da União. Essa Lei, ainda em vigor, previu a extinção da competência de controle prévio sobre os atos do Poder Executivo pelo Tribunal de Contas e a criação de controle interno no âmbito do Poder Executivo, estabelecendo a distinção entre controle interno e externo, ambos integrados ao titulo relativo ao controle da execução orçamentária, abrangendo a verificação da legalidade dos atos, a fidelidade funcional e o cumprimento de metas, prevendo, assim, o controle do mérito dos atos administrativos

[...]Do Contrôle Interno

Art. 76. O Poder Executivo exercerá os três tipos de contrôle a que se refere o artigo 7540, sem prejuízo das atribuições do Tribunal de Contas ou órgão equivalente. Art. 77. A verificação da legalidade dos atos de execução orçamentária será prévia, concomitante e subseqüente.

Art. 78. Além da prestação ou tomada de contas anual, quando instituída em lei, ou por fim de gestão, poderá haver, a qualquer tempo, levantamento, prestação ou tomada de contas de todos os responsáveis por bens ou valores públicos.

Art. 79. Ao órgão incumbido da elaboração da proposta orçamentária ou a outro indicado na legislação, caberá o contrôle estabelecido no inciso III do artigo 75. Parágrafo único. Êsse controle far-se-á, quando fôr o caso, em têrmos de unidades de medida, prèviamente estabelecidos para cada atividade (BRASIL, 1964).

38 Comissão liderada por Benedito Silva, pessoa da área de influência de Simões Lopes, da Fundação Getúlio

Vargas (GAETANI, 2003).

39 Instituiu Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União,

dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

40 Art. 75. O contrôle da execução orçamentária compreenderá:

I - a legalidade dos atos de que resultem a arrecadação da receita ou a realização da despesa, o nascimento ou a extinção de direitos e obrigações;

II - a fidelidade funcional dos agentes da administração, responsáveis por bens e valores públicos;

III - o cumprimento do programa de trabalho expresso em têrmos monetários e em têrmos de realização de obras e prestação de serviços (BRASIL, 1964).

A primeira grande inovação que a Lei provocou foi nas dimensões de controle da execução orçamentária e financeira. Obrigou à verificação da execução do programa de trabalho, estabelecendo o princípio de que a toda execução orçamentária deverá corresponder a previsão de bens e serviços prestados à sociedade, cuja responsabilidade de controle integra os deveres da própria administração pública. Essa mudança legal direcionou alterações posteriores dos mecanismos de controle da execução orçamentária e financeira para privilegiarem a verificação da execução do objeto nas despesas públicas e não apenas os aspectos formais/legais.

A norma recolocou também, em outros termos, a disputa a respeito da competência de controle da legitimidade da execução orçamentária e financeira na administração pública. A Lei, a despeito de informar que a competência do Poder Executivo não representava prejuízo para as atribuições do Tribunal de Contas, propôs mudanças relevantes para a forma de atuação do órgão. Traz para o controle externo a concepção de controle subsequente aos atos de execução orçamentária e financeira, voltado para verificação das contas dos administradores públicos e da avaliação das contas apresentadas pelo chefe do Poder Executivo dirigente

Do Contrôle Externo

Art. 81. O contrôle da execução orçamentária, pelo Poder Legislativo, terá por objetivo verificar a probidade da administração, a guarda e legal emprêgo dos dinheiros públicos e o cumprimento da Lei de Orçamento.

Art. 82. O Poder Executivo, anualmente, prestará contas ao Poder Legislativo, no prazo estabelecido nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios.

§ 1º As contas do Poder Executivo serão submetidas ao Poder Legislativo, com Parecer prévio do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.

§ 2º Quando, no Município não houver Tribunal de Contas ou órgão equivalente, a Câmara de Vereadores poderá designar peritos contadores para verificarem as contas do prefeito e sôbre elas emitirem parecer. [...] (BRASIL, 1964)

O termo controle interno, por outro lado, foi inserido na estrutura jurídica do Estado brasileiro como o controle a ser exercido pelo Poder Executivo, de forma prévia, concomitante e subsequente, sobre a sua execução orçamentária e financeira, abrangendo as dimensões da legalidade, fidelidade e cumprimento de metas. Ressalta-se que a Lei não fez referência ao termo sistema de controle interno ou à constituição de estrutura organizacional para operacionalizar tal controle.

Verifica-se que a inserção do conceito no normativo brasileiro ocorreu pouco tempo após a literatura americana referenciar o registro do termo, em 1947 (ANTUNES, 2004). A distinção é que no caso americano o sentido é de instituição de processos internos a

organizações complexas para ampliar a segurança para a emissão de pareceres de auditoria independente. Havia, assim, a admissão de limites para a auditoria independente. No caso do Brasil, o objetivo da previsão da criação de controle interno foi para limitar ingerências do Tribunal de Contas na execução financeira, como controle prévio do Poder Executivo. A reação do Tribunal foi corporativa.

O próximo item analisará os desdobramentos da Lei n. 4.320/1964, especialmente os interesses que resultaram em conciliação entre interesses contraditórios nas definições sobre o tema na Constituição Federal (CF) de 1967 e no Decreto-Lei n. 200/1967. Essa análise permitirá compreender as lutas e os interesses em jogo para definir a natureza do controle interno a ser constituído no Poder Executivo Federal, além de permitir compreender por que a possibilidade de controle interno como controle político sobre a burocracia foi a vitoriosa.

Durante trinta anos que seguiram à Lei n. 4.320/1964, disputas entre interesses concorrentes constituíram as condições sociais para a diferenciação do espaço social do controle interno do Poder Executivo Federal. Durante as décadas de 70 e 80, o controle interno se apresentou como processo inserido na gestão pública e voltado, principalmente, para o controle da legalidade da execução orçamentária e financeira. A diferenciação do controle interno como espaço específico se dá na década de 90, momento também em que se inicia de fato a inserção da dimensão de controle da execução das metas como ferramenta de controle da execução orçamentária e financeira no âmbito federal.

4.2 As condições sociais para a segregação entre controle interno e gestão pública no