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A Guiana está localizada no norte da América do Sul. Limita-se, ao norte, com o Oceano Atlântico, ao sul e sudoeste com o Brasil, a oeste com a Venezuela e a leste com o Suriname. Colônia da Holanda e, depois, do Reino Unido, conquistou a independência em 26 de maio de 1966; tornou-se República em 23 de fevereiro de 1970. Sua população, estimada em 746.955

77 Afinal, não se tratava apenas da travessia da fronteira Guiana Francesa-Suriname, mas do possível impedimento

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habitantes, concentra-se, em sua maioria, na faixa litorânea. Culturalmente faz parte do Caribe anglofônico, e é o único país da América do Sul que tem o inglês como língua oficial.

A primeira tentativa de fazer pesquisa na Guiana foi em junho de 2011, mas acabou não dando certo78. Em julho de 2012 finalmente fui a Georgetown, sua capital, num voo que saiu de Belém. Da mesma forma que em 2011, os contatos foram iniciados na sala de espera do aeroporto: percebi uma mulher, de uns 55 anos, muito atenta à movimentação e que segurava firme a única bagagem de mão, uma pequena bolsa na qual mal cabia seu passaporte. Aproximei-me e ela, dona Amarilda, disse que estava nervosa, pois nunca viajara de avião nem saíra de sua pequena cidade do interior do Maranhão — ia visitar o marido, que estava no Suriname trabalhando no garimpo79 havia quatro meses. Os filhos, adolescentes, ficaram sob responsabilidade da avó, e ela não pretendia migrar, apenas ficar um tempo com o marido e retornar, pois ele não podia vir ao seu encontro no Brasil80.

O voo fez escala em Paramaribo, onde a maioria dos passageiros desceu; apenas doze seguiram viagem, entre os quais um casal de brasileiros com uma criança, que tinham imigrado havia um ano e meio para a Guiana, para o trabalho pastoral na Assembleia de Deus — a igreja que passava por dificuldades financeiras, pois ali tinha poucos membros assíduos, e seu público-alvo, os brasileiros, em sua maioria circulavam pelos garimpos e não se fixavam na capital. Quando foi para Georgetown, a mulher estava grávida de oito meses; quando nos

78 Meu intuito era ir a Georgetown e, depois, a Paramaribo. Fui a Boa Vista, capital do estado de Roraima (que faz

fronteira com a Guiana), mas a empresa brasileira que fazia o trajeto Boa Vista-Georgetown, devido ao assassinato do seu proprietário, passava por dificuldades administrativas e cancelara os voos que operava. Pensei, então, em pegar um pequeno avião em Lethem, cidadezinha guianesa distante 115 km (em 2009, o Governo Lula inaugurou uma ponte sobre o rio Itacutu, na cidade de Bonfim, em Roraima, ligando-a a Lethem, como parte do projeto Arco Norte, do qual um dos objetivos é facilitar a integração da Região Norte do Brasil com o Caribe; até então a travessia era realizada por balsa, e a sua construção facilitou a ida de brasileiros para a Guiana, principalmente para garimpos e para comprar produtos originais e ou falsificados, de origem incerta, que revendem no Brasil). Lethem fica no meio da floresta e não tem qualquer infraestrutura, e fui até lá de carro, onde, na “agência de viagens” (uma pequena casa), um senhor informou que não era necessário fazer reserva para o voo com destino a Georgetown, apenas chegar algumas horas mais cedo para comprar a passagem; no entanto, era melhor pagar antecipadamente, pois com o cancelamento dos voos de Boa Vista, a procura havia aumentado. Dada a organização improvisada, decidi conhecer a pista de onde partia o avião. Justo na hora, um pequeno avião pousava sobre a pista malconservada e com alguns buracos à vista. Observei atentamente o pouso e as pessoas que, em seguida, desciam e caminhavam em direção à rua com suas bagagens já em mãos. A cena não convencia a pegar um avião ali: a aeronave não aparentava passar por manutenção séria e a pista mais parecia um terreno abandonado — esse tipo de avião é semelhante aos que, no Suriname, fazem voos para os garimpos situados em áreas mais distantes de Paramaribo, como, por exemplo, Benzdorp, pequena vila surinamesa situada no distrito de Sipaliwini, de onde se parte para vários garimpos do próprio Suriname e da Guiana Francesa, (bem como a pista de pouso é semelhante às pistas existentes próximo aos garimpos). O mais sensato e seguro era pegar um voo direto de Belém, pela Surinam Airways, e ir a Paramaribo.

79 O marido trabalhava em uma empresa de exploração de ouro, que funcionava de maneira regular, mas não tinha

contrato de trabalho nem autorização para trabalhar.

80 Por coincidência, no retorno ao Brasil, vindo do Suriname, nos reencontramos, ela já mais tranquila e com a

certeza de que não moraria neste último país: segundo ela, a vida no garimpo é muito dura, as pessoas trabalham muito e não há estrutura. Contou que o que mais a impressionou foi ver crianças no local, e mulheres muito jovens trabalhando na prostituição, o que a fez pensar nas filhas no Brasil.

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conhecemos, ela trabalhava em um restaurante e ajudava o marido, pastor, no culto. Foi o meu primeiro contato com brasileiros que estavam nesse país.

No aeroporto pegamos o mesmo táxi, e no caminho paramos para trocar dólares pela moeda local (dólar guianês-GYD), para pagar o taxista, pois naquele não havia como trocá-los. Ao chegar à pequena casa de câmbio fiquei indecisa entre descer do táxi ou não: três homens grandes, fortes, portando armas de fogo (de cano largo e comprido, lembrando armas do Exército), estavam nas proximidades do local. Como o casal desceu do carro, e inclusive levou a criança, imaginei que estava tudo dentro da “normalidade”. Desci, realizei a troca e me deram uma quantidade tão grande de notas que fiquei pensando de imediato em como administrar tão pouco dinheiro, mas inúmeros zeros81.

A caminho do hotel, em outros estabelecimentos havia homens com o mesmo tipo de arma. Por que esse aparato de guerra? Quem são esses homens? Protegem o que ou quem? Essas interrogações foram respondidas pouco depois: eram seguranças privados de lojas, casas de câmbio, casas de compra de ouro. Contudo, salvo a grande arma em punho, não traziam identificação visível (uniforme, por exemplo) que os distinguisse das demais pessoas que circulavam pelos estabelecimentos.

No hotel estavam hospedados vários brasileiros. Alguns tinham chegado do Brasil para resolver negócios; outros, dormiriam ali uma noite e seguiriam para o garimpo, caso de duas moças de Boa Vista que pela primeira vez viajavam para a Guiana: não conheciam nada, mas souberam que era um bom lugar para vender roupas, por isso compraram certa quantidade para revender no garimpo. Não tinham nenhum contato naquele ao qual iriam, mas se informaram sobre como chegar até lá e iam arriscar.

Uma mulher que retornava do Brasil, onde fora fazer um tratamento de saúde82, disse- me que muitas mulheres que estavam no hotel eram prostitutas, e que ele servia como espaço de encontros. Não demorou e passou uma jovem, de aproximadamente 22 anos, e a mulher, sem se preocupar com o tom de voz, comentou: “Está vendo essa daí? É prostituta. Os pais nem sabem o que ela faz aqui. Faz vergonha essas brasileiras que vêm pra cá”. A moça não ouviu, ou fingiu que não ouviu, e foi para o quarto. Depois, estabeleci contato com ela e ficamos de conversar, mas quando a procurei ela já tinha partido. A circulação dos brasileiros em

81 No primeiro momento na Guiana era preciso que os interlocutores brasileiros fizessem o cálculo em reais para

que eu entendesse, pois a todo momento diziam ter comprado ou ganhado quinze mil, cem mil, etc., quantias que me espetavam como alfinetes, e de imediato eu tinha que fazer o cálculo para ter certeza que compreendera o valor. Depois de convertidos esses valores para reais ou euros, dava para perceber que significavam muito pouco.

82 Muitas pessoas que estão na Guiana e no Suriname, quando precisam de tratamento de saúde, buscam no Brasil,

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Georgetown era rápida, e passei a não deixar para depois: fazia a abordagem com os possíveis interlocutores e, se concordassem em dar entrevista, eu já a fazia; por vezes, esperei algumas horas até que se liberassem do trabalho ou de seus afazeres. Cheguei a abordar algumas pessoas em restaurantes de brasileiros enquanto assistiam TV.

No hotel a circulação era intensa, mas não parecia residência fixa de trabalhadoras do sexo. Outra pessoa ali também afirmou que era um local de encontros; no entanto, pessoas que trabalhavam em outros hotéis confirmaram que eles são apenas locais de passagem. Pelas informações obtidas, as brasileiras não moram nos hotéis, apenas se hospedam neles com algum namorado ou cliente durante a estada em Georgetown83.

Um ponto importante nessa viagem é que ela permitiu compreender os limites geográficos e burocráticos estabelecidos pelos interlocutores brasileiros de Paramaribo: estes diziam ir a Georgetown (ou “George”) para carimbar a entrada na Guiana no passaporte, para demonstrar que saíram do território surinamês — imediatamente voltavam e ganhavam novo carimbo de entrada no Suriname, o que lhes permitia circular por ele como turistas, uma prática comum que se iniciou com os clubes. No entanto, a principal porta de entrada de brasileiros para a Guiana é a partir de Roraima, ou até mesmo da Venezuela, não o Suriname. Dizer que iam a Georgetown, na verdade, era dizer que iam a Corriverton; diziam que iriam a Georgetown para fazer diferenciação entre a Guiana e a Guiana Francesa, que os brasileiros que estão no Suriname chamam de França — por isso, a cada momento que citavam Georgetown ou França era preciso refazer a pergunta para compreender a qual território se referiam84.