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CAPÍTULO I A AVALIAÇÃO E SUA CONCETUALIZAÇÃO

2. Perspetivas de avaliação

Como já anteriormente foi referido, a avaliação da educação representa um dos temas

mais complicados e complexos na atualidade. A educação e a avaliação são fenómenos sociais que sofrem mudanças e cumprem papéis para responder a necessidades determinadas. Para estar em conformidade e responder às mudanças da sociedade, destacam -se dois paradigmas. House (1994, citado por Sobrinho, 2004: 711) denomina-os de "enfoques" ou "modelos”: um que concebe a educação segundo a perspetiva do mercado, outro que concebe a educação como um bem público. Condição que faz da avaliação um processo dominado por contradições:

A cada um desses paradigmas corresponde uma epistemologia e um modelo de avaliação, com seus fundamentos (…) e seus efeitos na vida social, política e econômica. Um concebe a avaliação sobretudo como controle. O outro concebe a avaliação sobretudo como produção de sentidos. Isto faz da avaliação um campo cheio de contradições (Sobrinho, 2004:703).

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O referido autor reconhece que, desde 1970, com a crise económica e a redução dos recursos sociais, os Estados intensificaram as práticas de controlo e fiscalização. De acordo com Sobrinho (2004: 708),

Desde a crise econômica e o aumento das demandas sociais dos anos de 1970, ou seja, com a diminuição dos recursos públicos para os setores sociais coincidindo com a crescente complexidade da sociedade, nos países industrializados, os Estados aumentaram consideravelmente as suas ações de controle e fiscalização. Este fenômeno se tornou conhecido como “Estado Avaliador”, segundo expressão cunhada por Guy Neave, e caracteriza a forte presença do Estado no controle dos gastos e dos resultados das instituições e dos órgãos públicos (Sobrinho, 2004: 708).

A intervenção do "Estado Avaliador" fez com que as avaliações adotadas pelos governos fossem quase sempre externas, as indicadas para prestar informações centradas nos resultados e nas comparações dos serviços, a fim de provocar a competitividade, orientar o mercado e os governos e racionalizar recursos e serviços prestados. A descrição deste quadro ajusta-se à realidade portuguesa.

Na sua relação com a escola, os atores sociais assumem o papel de consumidores e clientes. O consumidor procura possuir a informação sobre as escolas para escolher a que oferece a melhor relação custo-benefício, enquanto o cliente se preocupa com as garantias de qualidade do serviço e informação actualizada. “Justifica-se pela idéia de que os clientes ou usuários da educação têm individualmente o direito de saber quais são as boas escolas, os bons professores, quem oferece os melhores serviços, (…) levando em conta a relação custo- benefício” (Sobrinho, 2004: 712).

Esta tradição esteve fortemente presente até 1960, nos Estados Unidos e na Inglaterra, tendo, de seguida, sido largamente implementada em outros países (2004: 716). A partir da década de 1970, nos Estados Unidos, a par das práticas avaliativas de cariz positivista, começa a emergir uma avaliação de enfoque qualitativo, orientada para uma realidade mais subjetiva e dinâmica, também conhecida por holística, como afirma Sobrinho (2004: 720):

A partir da década de 1970, nos Estados Unidos, as práticas objetivistas tiveram que dividir espaços com uma epistemologia mais aberta, transdisciplinar. (…) Desde então, a epistemologia subjetivista passou a competir e conviver (não sem dificuldades) com a epistemologia objetivista.

Nesta sequência, Gómez (2008: 446) considera que a investigação pode provocar a acção, se a realidade e seus significados forem assumidos como um todo vivo e dinâmico: “Sólo abarcando la realidad y sus significados como un todo vivo y en movimento puede la investigación servir para la acción”. Para isso, MacDonald (2008: 475) defende que o modelo de

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avaliação deve ser democrático, por isso, deve implicar todos aqueles que participam num programa educativo, desde as fontes aos destinatários da informação:

La evaluación democrática es un servicio de información a la comunidad entera sobre las características del programa educativo. (…) El evaluador democrático reconoce el pluralismo de valores y busca la representación de intereses diferentes en su formulación del tema.

Na linha da avaliação democrática, encontram-se como os seus principais defensores e impulsionadores Stenhouse, MacDonald e Elliot. Neste âmbito, os pareceres e interpretações dos participantes devem constar na informação da avaliação, sendo eles os únicos responsáveis pela sua produção e utilização.

O conceito de avaliação democrática, introduzido por MacDonald, invocava uma avaliação mais próxima dos valores dos Estados democráticos liberais. A informação que traduz o conteúdo da avaliação democrática deve ter como principal propósito “encontrar o equilíbrio adequado entre o direito das pessoas à informação e o direito do indivíduo à privacidade na condução e disseminação da avaliação” (MacDonald, 1975: 12, citado por Simons, 1999: 61). MacDonald constrói uma tipologia de avaliação que distingue três modalidades básicas: a avaliação burocrática, avaliação autocrática e avaliação democrática, possuindo cada qual diferentes funções. A mesma modalidade de avaliação pode atender a mais que uma função.

A avaliação “burocrática” assume uma função instrumental para garantir e desenvolver o poder gerencial. MacDonald considerava o modelo de Stufflebeam como exemplo de avaliação burocrática. Os conceitos chave são “servício”, “utilidad” y “eficácia”. O fundamento racional contido na avaliação burocrática é a “realidad del poder” (MacDonald, 2008: 475) e o relatório “é propriedade da burocracia”.

La evaluación burocrática, constituye un servicio incondicional a aquellas agencias gubernamentales que mayor control poseen sobre la distribución de los recursos educativos. El evaluador acepta los valores de las autoridades y ofrece la información que les ayudará a llevar a cabo los objetivos de su política. Actúa como un consejero de administración y su criterio de éxito es la satisfacción de su cliente. Sus técnicas de estudio deben ser creíbles a los políticos y no deben ofrecerse a la crítica pública. No posee independencia, ni control alguno sobre la utilización de su infomación y no dispone de un tribunal de apelación. El informe es propiedad de la burocracia y se aloja en sus archivos.

Por seu lado, as avaliações “autocráticas” funcionam como garantia e desenvolvimento do poder académico, proporcionando legitimidade científica à política pública. MacDonald considerava o modelo de Scriven como paradigma de avaliação autocrática. O fundamento intrínseco a esta avaliação consiste na «“responsabilidad” profesional» (MacDonald, 2008: 475):

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La evaluación autocrática, es un servicio condicional a aquellas agencias gubernamentales que poseen el control principal sobre la distribución de los recursos educativos. Ofrece una validación externa de su política a cambio de la aceptación de sus recomendaciones. (…) Sus convenios contractuales garantizan la no intervención del cliente, y el evaluador mantiene la propiedad del estudio. Su informe se aloja en los archivos de la burocracia, pero también se publica en las revistas académicas. Si sus recomendaciones son rechazadas, la política no es válida.

Por sua vez, a avaliação democrática pode funcionar, em parte, como uma reação contra a dominação do tipo autocrático ou burocrático (MacDonald, 2008: 474), bem como um ataque à autoridade da ciência e uma estratégia para minorar as diferenças do poder (Simons, 1999: 64-65). A partir da avaliação democrática, MacDonald e Walker criticam o que denominam por “tradição autocrática” da investigação, considerando-a como uma tradição orientada para a teoria e dirigida aos destinatários académicos que permitem ao investigador o direito de interpretar o mundo social. Simons acrescenta ainda que o conceito de avaliação democrática suscitara muitos comentários, nem todos favoráveis, provindos de outros teóricos de avaliação.

Uma das questões fundamentais implicada na avaliação democrática é: “el derecho a saber” sem deixar de respeitar “el secreto”, conforme a seguinte afirmação: “Garantiza el secreto a los informantes y les ofrece el control sobre la utilización de la información que ellos le proporcionan. El informe no proporciona recomendaciones y el evaluador reconoce la necesidad

de prudencia en el uso de la información”(MacDonald, 2008: 475). Esta situação implica um

outro conceito básico, a “negociación” entre estes “derechos”. A lógica da ação derivada do modelo democrático varia consoante o contexto em causa.

La evaluación democrática, es un servicio de información a la comunidad entera sobre las características del programa educativo. (…) El evaluador democrático reconoce (...) El valor básico es una colectividad de ciudadanos informados y el evaluador actúa como un corredor que intercambia información entre grupos que desean conocimientos recíprocos. Sus técnicas de recolección y presentación de datos, tienen que ser accesibles para personas no-especialistas. Su actividad principal es la recolección de definiciones del programa y reacciones frente a él(MacDonald, 2008: 474, 475).

No seguimento destas ideias, a avaliação democrática representa uma oportunidade de desenvolvimento institucional na medida em que valoriza as perspetivas sociais e políticas do processo de investigação “(…) al aceptar que la función social y política de la evaluación en una sociedad democrática supone prestar un servício desinteresado de información (…)” (MacDonald y Norris, 1981, citado por Simons, 1999: 181).

No entender de Sobrinho (2004: 722), a avaliação assumida como uma questão de responsabilidade social significa também conferir-lhe um caráter ético. É essa dimensão ética e, portanto, política que situa a avaliação no centro das reformas e dos conflitos.

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Para este autor (2004: 722) a melhoria da qualidade educativa requer uma construção coletiva, por isso, os cidadãos, no seu papel de atores sociais, devem interessar-se pela informação necessária no sentido de ser desenvolvida a responsabilidade coletiva face à educação, já que a educação é um assunto de todos. Embora a avaliação participativa e democrática possa ser atravessada por muitas incoerências e discussões, proporciona muitas experiências ricas de significados acerca da vida social.