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O Planejamento Estratégico nos Anos 1970: a Vez das Empresas de Consultoria

O Pensamento Estratégico e Sua Evolução

4.3 O Planejamento Estratégico nos Anos 1970: a Vez das Empresas de Consultoria

Os anos 1970 e mesmo os 1980 foram fortemente influenciados pelas empresas de consultoria.

De acordo com Gluck,19 o planejamento estratégico dos anos 1970 estava ancorado em bases mais estáveis, e a experiência era uma base confiável para a tomada de decisões e ação. No entanto, as empresas que continuaram a acreditar no passado como melhor guia para o futuro foram pegas na armadi- lha da experiência — tornaram-se rígidas no seu raciocínio, mantiveram-se estabelecidas, como de costume, e perderam a flexibilidade, crucial para trans- formar a mudança em oportunidade ou mesmo responder efetivamente a ela. O planejamento nos anos 1970 era dominado por três conceitos: a curva de experiência, a Unidade Estratégica de Negócios e o planejamento de portfólio. A curva de experiência baseou-se na teoria da curva de aprendizagem, que surgiu das observações do comandante da Wright-Patterson Air Force Base de Dayton, Ohio, em 1925. Ele observou que a produção de aviões hora-homens parecia declinar à medida que o volume de produção acumula- do aumentava. Bruce Henderson, fundador da Boston Consulting Group (BCG), renomeou a curva de aprendizagem para “curva de experiência” e desenvolveu sua relação com a participação de mercado e a dinâmica com- petitiva.19 De forma simples, a hipótese da curva de experiência assegura que os custos relativos de dois concorrentes são função do volume relativo de produção acumulado. Para cada experiência cumulativa que dobrava, os custos totais declinariam aproximadamente de 20% a 30%, devido à econo- mia de escala, à aprendizagem organizacional e à inovação tecnológica.12 Assim, o líder de participação de mercado usufrui uma vantagem de custos sobre os concorrentes de menor porte — uma vantagem que pode explorar

estabelecendo níveis de preços da indústria os quais podem sustentá-lo, mas não seus concorrentes de custos mais altos, e com retorno de investimento satisfatório. Os concorrentes, quando confrontados com um retorno inacei- tável ou perda de participação de mercado, provavelmente se retirarão do mercado. O objetivo estratégico da administração, dessa forma, era alcançar liderança de mercado por meio do domínio de participação de mercado no começo da “vida” do produto — e firmar-se nisso.20

A despeito desses argumentos diversos, outros afirmavam que, no “mundo real”, as coisas não funcionavam de maneira tão simples. Hall21 forneceu vários exemplos de empresas em indústrias maduras que obtiveram alta lucratividade apesar da sua baixa participação de mercado, bem como de diversas outras que alcançaram posições sustentadas pelo baixo custo, sem o benefício de participação de mercado estar relativamente alta. A preocupa- ção de Kiechel,22 por sua vez, dizia respeito à administração dos custos. Ele afirmava que as curvas de experiências não acontecem simplesmente — há necessidade de preocupação constante da gerência em relação às metas de produtividade, às novas tecnologias e ao enxugamento dos supérfluos. Para Gluck,19 a curva de experiência é mais apropriada quando os produtos são vendidos com base exclusivamente em preços, e em períodos de significati- vo crescimento — quando há uma grande chance de o mercado absorver tudo o que a empresa pode produzir, constituindo a economia de escalas uma vantagem competitiva real, sustentável.

O Gráfico 4.1 mostra um exemplo de curva de experiência.

Curva de experiência para memórias de semicondutores

Gráfico 4.1

Preço por bit (milicentavos

) Produção acumulada (bits x 1012 ) 100 75 50 25 10 0,1 1,0 10 100 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984

INTEGRATED Circuit Engineering Corporation. Apud GHEMAWAT, Pankaj . New York: Addison Wesley Longman, 1999.

Gluck23 é quem traz a noção subjacente ao conceito de Unidade Estraté- gica de Negócios (UEN) ou Strategic Business Unit (SBU), desenvolvida pela McKinsey & Company, com a GE, no final dos anos 1960. Isso porque as atividades da empresa no mercado tinham de ser entendidas e segmentadas “estrategicamente”, e os recursos-chave poderiam, então, ser melhor alocados para uma vantagem competitiva. A empresa precisava estar apta a responder a três questões: “Em que negócio estou? Quem são meus concorrentes? Qual é minha posição relativa em relação à concorrência?” Ter a resposta “certa” para a primeira questão era o mais difícil; depois disso, era mais fácil identificar a concorrência e comparar-se a ela.

Os critérios específicos para se considerar uma SBU são:

 Ter uma missão de negócios única, independente de outras SBUs.

 Ter um conjunto claramente definido de competidores.

 Competir em mercados externos.

 Ser apta a executar o planejamento integrativo de maneira relativa- mente independente de outras SBUs.

 Ser apta a gerenciar recursos em áreas-chave.

 Ser grande o suficiente para justificar a atenção da administração sênior, mas pequena o bastante para ser foco de alocação de recursos. Em termos simples, uma SBU tinha de parecer e agir como um negócio independente. Hax e Majluf24 definem uma SBU como uma unidade de ope- ração ou foco de planejamento que agrupa um conjunto distinto de produtos ou serviços vendidos a um conjunto uniforme de clientes, enfrentando um conjunto de concorrentes bem definidos.

O ponto forte do conceito de SBU é seu foco no estilo gerencial, que reforça a posição estratégica dos negócios e a alocação seletiva de recursos- chave para vantagem competitiva. Para isso, requer-se uma compreensão profunda de cada negócio da empresa. Na prática, porém, é muito difícil identificar as SBUs, particularmente em organizações complexas que com- partilham recursos cruciais, como P&D ou vendas. Além disso, ainda não há uma metodologia definitiva para isolar as SBUs.25

A extensão lógica do conceito de SBU era sua implementação como base do processo de planejamento corporativo conhecido como planejamento de portfólio. Uma variedade de matrizes de planejamento foi desenvolvida no final dos anos 1960 e 1970 para auxiliar a avaliação da posição estratégica de negócios de uma empresa individual. Todas são baseadas na proposição de que, se a alta administração entender a atratividade relativa dos mercados da empresa e seus pontos fortes competitivos, terá bases sólidas para decidir em que investir seus recursos.

A despeito de qual matriz de portfólio ser usada, o processo de planeja- mento de portfólio era o mesmo: os negócios (ou produtos) da empresa

eram divididos em SBUs, que, então, eram avaliados na matriz ou grid — que, essencialmente, mensurava as forças do SBU relativamente aos seus concorrentes e aos potenciais consumidores para o crescimento daquele pro- duto (ou negócio) no mercado. Uma vez feita a avaliação, uma “missão es- tratégica” era designada para cada SBU, e estratégias eram desenvolvidas para alcançá-la. Esses planos estratégicos eram, por sua vez, revisados pela administração da corporação, de modo a assegurar que refletissem tanto a missão estratégica estabelecida como o equilíbrio de caixa e o fluxo de re- cursos. A principal diferença entre os portfólios era a abordagem dada para determinar a atratividade de mercado e a posição competitiva.

A McKinsey adotou a posição de que os fatores que determinavam a atratividade de mercado e a posição competitiva variavam de mercado a mer- cado; dessa forma, a matriz tinha de ser efetivamente desenvolvida para cada mercado. A matriz de nove células (Figura 4.4) foi criticada por alguns, sendo considerada muito complicada, mas apreciada por outros, que a consideravam realista e prática.

Orientações estratégicas da matriz GE

Figura 4.4

- Manter a estratégia Atual -Avaliar existência de recursos - Avaliar capacidade necessária - Análise cuidadosa - Identificar possível estratégia viável - Preparar-se para deixar o segmento Atratividade do Ramo Alt a Média Ba ixa

Alta Média Baixa

Investimento e crescimento Crescimento seletivo Crescimento seletivo Força do Negócio Colheita ou desinvestimento Colheita ou desinvestimento Colheita ou desinvestimento - Esforço estratégico importante - Certificar-se de que a

estratégia pode ser implantada - Avaliar todas as opções cuidadosamente Seletividade Seletividade Seletividade

ABELL, Derek F.; HAMMOND, John S. . Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, 1979.

Segundo Abell e Hammond,26 os planejadores inexperientes tendem a despender muito tempo na avaliação da atratividade presente e pouco tem- po nas mudanças futuras e nas opções estratégicas para lidar com essas mu- danças. Consideravam isso natural, sendo o primeiro mais fácil e mais “mecanicista”, enquanto o último é mais difícil e requer maior discernimento. Outra versão de matriz de portfólio foi a matriz 2 x 2, desenvolvida pela BCG. Essa matriz foi baseada na suposição de que dois fatores — crescimen- to e participação relativa — pesam mais do que outros, e que o sucesso da empresa depende do portfólio de negócios ou produtos que representem taxas de crescimento e participação de mercado mistos. O fundamental para o conceito de crescimento/participação era a contenção — fundamentada na curva de experiência, segundo a qual alta participação de mercado produz altas margens de lucro.

A matriz BCG Figura 4.5 Fluxo de caixa equilibrado Fluxo de caixa elevado e positivo Fluxo de caixa elevado e negativo (Positivo ou negativo) Fluxo de caixa modesto (Positivo ou negativo) Tax a de c rescime nt o do mercado (Us o de cai x a)

Participação relativa de mercado

(Geração de caixa)

Baixa

Alta

Estrela

Vaca leiteira Cão

Dúvida

Alta Baixa

ABELL; HAMMOND, 1979.

O Profit Impact of Market Strategies (PIMS), um modelo de regressão múltipla originalmente desenvolvido pela GE e parte do Strategic Planning

Institute, relacionava lucratividade a 37 variáveis de negócios. O PIMS indica

que a intensidade de investimento, a participação de mercado relativa, a taxa de crescimento da indústria, a posição no ciclo de vida e a proporção despesas/ vendas de marketing estão entre os fatores mais importantes que afetam o Retor- no sobre o Investimento (ROI) e o fluxo de caixa.26

Em função do rápido crescimento econômico dos anos 1960 e início dos anos 1970, a abordagem de planejamento que podia contribuir para a solução de problemas de diversidade e prospecção ganhou espaço. Assim, os portfólios representavam uma vantagem real para o pensamento estratégico:

 Estimulavam a alta administração a avaliar os prospects de cada ne- gócio individualmente, para estabelecer objetivos a cada um, com base na contribuição para as metas da corporação, bem como para alocar recursos de acordo com a avaliação feita.

 Encorajavam o uso de dados com foco externo para complementar avaliações da gerência a negócios potenciais.

 Levantavam a questão de equilíbrio de fluxo de caixa, como planejado pela administração, para expansão e crescimento.

 Sua linguagem gráfica e verbal facilitava a comunicação em todos os níveis da organização.

No entanto, os portfólios também tinham sérias limitações, ressaltadas pelos desafios apresentados em decorrência das rupturas econômicas do fi- nal dos anos 1970:

 Dificuldade em definir o negócio ou unidades de produto/mercado, especialmente nas mudanças de mercado que deixam indefinidas as fronteiras entre eles.

 As abordagens são retrospectivas e muito dependentes da convencio- nal posição competitiva e atratividade do mercado.

 A maioria dos portfólios sugere estratégias-padrão ou estratégias genéricas, baseadas na posição de SBUs individuais; todavia, essas respostas podem, freqüentemente, resultar em perda de oportuni- dades, mostrar-se não práticas ou irrealistas e reprimir a criatividade.

 Se usado de forma não crítica, o portfólio pode dar a ilusão de que é rigoroso e científico.

Apesar das importantes contribuições do planejamento de portfólio às práticas da administração, facilitando a tomada de decisões, o fato é que a abordagem funciona melhor em condições estáveis, quando as alternativas são conhecidas e relativamente restritas, e quando o futuro é a confirmação do passado. O portfólio não serve para identificar oportunidades e/ou esta- belecer novas direções para os negócios ou empresa.