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1 ASPECTOS DA REPRESENTAÇÃO CULTURAL DO RIO CACHOEIRA

1.1 A HISTÓRIA DE JOINVILLE E O RIO CACHOEIRA

1.1.2 Poluição hídrica

É fundamental a importância da água na existência e equilíbrio de diversas espécies de nosso planeta, mas para a espécie humana, ela significa mais do que um componente vital. Devido às articulações e estratégias geopolíticas em torno da disponibilidade deste recurso natural, as fontes d’água poderão ser motivo de disputas em um futuro não distante (algumas já ocorrem atualmente), conforme apontam Mendonça; Leitão (2008):

Na atualidade a disponibilidade de água doce e limpa numa determinada localidade torna-a rica e consideravelmente disputada por diferentes coletividades humanas. Em alguns casos, fala-se até mesmo do estabelecimento e acirramento de uma guerra da água no planeta, pois não somente sua quantidade encontra-se comprometida mas, sobretudo, sua qualidade, particularmente nos centros urbanos. (MENDONÇA; LEITÃO, 2008, p. 153-154).

Segundo Mendonça; Leitão (p. 146), o Banco Mundial aponta dezenas de países em que a escassez de recursos hídricos já é um grave problema, entre estes estão alguns com economias estáveis, como Arábia Saudita, Israel, Irã, África do Sul e Líbia, e outras nações com economias nem tão estáveis como Tunísia, Iêmen, Egito, Etiópia, Haiti, Marrocos, Omã, entre outros. Segundo dados do Banco Mundial (2000) estes países, a exemplo dos demais, estão em contínuo processo de expansão demográfica, o que agrava ainda mais o quadro.

De acordo com a Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente (SRH/ MMA, 2000), a maior parte dos reservatórios de água doce (70%)

encontram-se congeladas nas regiões mais frias do planeta (geleiras), enquanto 30,8

% estão no subsolo, sendo que somente 0,3 % da água potável está acessível ao ser humano em lagos, fontes aquíferas e rios. Destes 0,3 % dispostos no planeta, 12%

estão concentrados em território brasileiro, sendo que “aproximadamente 70%

encontram-se na bacia Amazônica, área fracamente povoada e, ainda, pouco urbanizada-industrializada.” (SRH/ MMA, 2000), e os demais 30% estão dispersos em outras regiões do território em áreas 93% habitadas e em plena expansão urbana. O relatório do MMA (2000) constatou ainda que parte da água disponível, cerca de 60

% (MENDONÇA; LEITÃO, 2008, p. 155) tornou-se limitada pela proximidade a depósitos de lixo, pois compromete sua qualidade. Nas grandes cidades esse problema é ainda mais visível, sendo esta característica constatada em variadas regiões do país:

Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, aproximadamente metade da água disponível está afetada pelos lixões, cujo tratamento sanitário é consideravelmente ineficiente. No Rio de Janeiro, diminuiu-se a oferta de água para fins de uso doméstico e industrial, devido à poluição crescente por esgoto urbano. Na região Norte, aquela na qual se localiza a maior reserva de água doce do Brasil (cerca de 70%), é onde se observa uma das mais intensas contaminações dos recursos hídricos, nos quais são despejados agrotóxicos pelas atividades agrícolas, mercúrio dos garimpos e lixo bruto, dentre outras formas de deterioração dos mesmos. (MENDONÇA;

LEITÃO, 2008, p. 154).

Ao observar estes dados e comparar a situação destas grandes cidades com Joinville é possível confrontar as problemáticas de ordem socioambiental. Segundo o IBGE7 (2019), a população estimada do estado de Santa Catarina é de 7.164.788 habitantes, sendo que destes, 590.466 habitam em Joinville, o que a torna a cidade mais populosa do estado e em 37ª colocação no ranking nacional. Segundo o IBGE8, Joinville apresenta uma taxa de escolarização (6 a 14 anos de idade) de 97,30 %. A cidade conta com 74,9 % de esgotamento sanitário adequado, tem 60,4% de domicílios urbanos em vias públicas com arborização e 48% de domicílios urbanos em vias públicas com presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio. Ou seja, estes percentuais de escolarização, saneamento básico e arborização são superiores aos da maioria das cidades brasileiras.

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7 https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/joinville/panorama, acesso em 02 de dezembro de 2019.

8 Fonte: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/joinville/panorama, acesso em 02 de dezembro de 2019.

Os recursos hídricos das cidades de grande e médio porte são disputados pelas demandas de consumo dos setores produtivos e pelo consumo doméstico, sendo que ambos são pressionados pelo aumento demográfico (MENDONÇA;

LEITÃO, 2008, p. 153-154). Esta escassez muitas vezes ocorre em áreas em que outrora havia oferta de recursos hídricos abundantes (SRH/ MMA, 2000), sendo que o aumento populacional nem sempre é o único motivador dessa problemática, mas é possível elencar outros fatores como a variação climática, a falta de um gerenciamento adequado para o uso dos recursos e a concentração de habitantes, que tornam vulnerável a distribuição e disposição de água em determinadas cidades (MENDONÇA; LEITÃO, 2008, p.156). Outro grave problema que atinge um grande número de rios brasileiros, em especial nas áreas urbanas, é a poluição.

Para Branco (1972, p. 10), a definição de poluição vai além da simples alteração de ambiente natural contrária à vida dos seres que compreendem esse ambiente.

Alguns autores apontam uma significação sinônima entre poluição e impacto ambiental, mas Branco contesta tal comparação argumentando: “Isto significa que a modificação do ambiente, para ser realmente considerada poluição, deve afetar, de maneira nociva, direta ou indiretamente, a vida e o bem estar do ser humano.”

(BRANCO, 1972, p. 10). O conceito de Tucci (2004, p. 855) difere de Branco (1972) pelo fato de não mencionar diretamente que a modificação do ambiente é nociva ao homem: “O termo poluição pode ser definido como alterações nas características físicas, químicas ou biológicas de águas naturais decorrentes de atividades humanas.”

(TUCCI, 2004, p. 855).

Branco (1972, p. 15) recorre à história para citar as civilizações antigas e seus hábitos de lançar dejetos em rios ou em áreas próximas a estes, o que ocasionava a contaminação das águas. A palavra contaminação remete ao latim contaminare e significa manchar, mesclar, ou seja, misturar ao original e modificar as características anteriores. Em relação à poluição por contaminação, os rios, em especial o Cachoeira, apresenta significante quantidade de contaminantes causados por efluentes domésticos e industriais na sua composição(SCHNEIDER, 1999, p. 5). Branco aponta a classe de substâncias não biodegradáveis como as mais preocupantes devido a sua longevidade na natureza:

Uma das formas de provocar desiquilíbrios ecológicos por interrupção de um elo das cadeias alimentares, consiste na produção dos chamados compostos orgânicos sintéticos. Muitos dos compostos orgânicos sintetizados

industrialmente não são biodegradáveis, isto é, não servem como alimento a nenhum tipo de ser vivo. Em outras palavras, pode-se dizer que a natureza

“não estava preparada” para produzir a decomposição de compostos produzidos pelo homem. (BRANCO, 1972, p. 27)

Para exemplificar, o autor cita o plástico, que só pode ser “restituído ao meio do carbono” por meio da incineração, e os detergentes utilizados na limpeza doméstica a base de alquil benzenos sulfonatos (ABS), que além de serem nocivos aos peixes e a várias espécies de organismos vivos, não são decomponíveis, acumulando-se no leito dos rios (BRANCO, 1972, p. 28).

No conceito de Tucci (2004, p. 855), a poluição é causada pelas atividades humanas e produz “[...] alterações nas características físicas, químicas ou biológicas de águas naturais”, sendo que tais alterações têm origens em várias fontes poluidoras, como esgoto doméstico, águas residuárias industriais, resíduos sólidos, águas de drenagem urbana, fontes acidentais e fontes atmosféricas.

Em outra obra de sua autoria, Tucci (2003, p. 48) ressalta algumas fontes poluentes, como partículas resultantes da erosão provocada pela velocidade da água da chuva ao escoar, o lixo carregado pelas águas da chuva e o esgoto cloacal drenado durante as chuvas. Estas cargas de poluição das águas podem ser (TUCCI, 2003, p.

48) pontuais (efluentes da indústria, esgoto cloacal e pluvial) ou cargas difusas (escoamento rural e urbano), podendo ter origem orgânica ou inorgânica:

As cargas orgânicas têm origem nos restos e dejetos humanos e animais e na matéria orgânica vegetal. As cargas inorgânicas têm origem nas atividades humanas, no uso de pesticidas, nos efluentes industriais e na lavagem pelo escoamento de superfícies contaminadas, como áreas urbanas. (TUCCI, 2003, p. 48)

Faz-se importante mencionar que tais atividades poluentes são inerentes à região das nascentes do rio Cachoeira. Em Joinville, a agricultura (rizicultura e horticultura), a pecuária e a psicultura em que a aplicação de agrotóxicos é parte do ciclo de atividades necessárias à produção, somam-se à lista de agentes poluidores das águas, pois “a existência de compostos orgânicos sintéticos, tais como os plásticos, o ABS, os inseticidas do tipo DDT, alguns herbicidas etc., todos resistentes à ação biológica...” (BRANCO, 1972, p. 28) juntam-se às demais substâncias que são lançadas nas águas em direção ao oceano.

Segundo dados da Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente (Fatma) de Santa Catarina, após monitoramento em diversos pontos de coleta das

águas do rio Cachoeira na região central de Joinville, foi catalogada a origem da poluição verificada naquele trecho:

(...) os resultados das análises feitas em várias estações do Rio Cachoeira, através do qual se constatou a presença de metais pesados como chumbo, cobre, cromo, mercúrio, níquel e zinco, provenientes das indústrias. Alto teor de coliformes também foram encontrados, além de grande quantidade de lixo, óleo e combustível, o que evidencia o lançamento de esgotos domésticos e vazamentos de combustíveis em suas águas. (SCHNEIDER, 1999, p. 5).

Outra pesquisa aponta diagnóstico semelhante cerca de dez anos adiante, constatando igualmente causas antrópicas, ou seja, causadas pela ação do ser humano:

A Bacia Hidrográfica do Rio Cachoeira, alvo de estudo deste trabalho, em seu rio principal, o Rio Cachoeira, que atravessa Joinville, chegando à Lagoa do Saguaçu e à Baía da Babitonga, apresenta comprometimento da qualidade da água em decorrência de lançamento de efluentes do maior parque industrial do Estado e dos despejos de esgotos domésticos e crescente urbanização desordenada. (CARLETTO, 2012 apud ANA, 2005, p. 13).

Entende-se o termo “bacia hidrográfica” como uma “área na qual ocorre a captação de água (drenagem) para um rio principal e seus afluentes devido às suas características geográficas e topográficas.” (OLIVEIRA, 2017, p. 08), sendo o índice de qualidade da água (IQA) o parâmetro utilizado para analisar a qualidade da água de diferentes bacias hidrográficas de Joinville. Em uma análise recente (2017), verificou-se alguma melhora no IQA do rio Cachoeira:

Ao confrontar os resultados de IQA calculados para ambas as bacias, percebeu-se que ao longo do período analisado na Bacia do Rio Cubatão tal índice tem piorado, enquanto na Bacia do Rio Cachoeira tem melhorado.

Esse panorama pode ser decorrente da situação do sistema de coleta e tratamento de esgoto sanitário nas bacias. (OLIVEIRA, 2017, p. 65).

Entretanto, a visão sistêmica de meio ambiente aqui adotada (GERN, 2017;

CAPRA, 1982) permite afirmar que alguma melhoria na qualidade da água de determinada bacia não significa uma melhoria significante para o ambiente como um todo, pois não podemos esquecer que as trocas entre diferentes ambientes naturais ocorrem na estrutura de um ecossistema9 compartilhado por diferentes sistemas.

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9 Ecossistema é um conjunto formado pelas interações entre componentes bióticos, como os organismos vivos (plantas, animais e micróbios), e os componentes abióticos (elementos químicos e físicos como o ar, a água, o solo e minerais). Efluentes – Produtos líquidos e gasosos resultantes das

Capra (1996) menciona os “problemas sistêmicos” como aqueles que não são resolvidos isoladamente, pois “estão interligados e são interdependentes” (CAPRA, 1996, p. 23). Assim, o panorama torna-se ainda mais desafiador quando verificamos as condições de saneamento básico em diferentes regiões do país:

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico do IBGE (2008), apenas 55% dos municípios brasileiros possuem sistema de coleta de esgotos, sendo o maior número de municípios localizados na região Sudeste (95%) e o menor, na região Norte (13%). Já em relação ao tratamento dos esgotos domésticos, a situação é ainda pior: apenas 27% dos municípios brasileiros tratam seus esgotos, a maior parte destes municípios está situada na região Sudeste do país (47%) e a menor, na região Norte (8%).

(OLIVEIRA, 2017, p. 13).

Deste panorama que envolve recursos hídricos urbanos com saneamento básico incipiente em muitas cidades brasileiras, retornamos ao rio Cachoeira em particular, ator não-humano deste estudo, para verificar outros aspectos que emergiram em seu entorno, como o comércio e a indústria.