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4. Metodologia

5.1. Ponto de partida para a construção da política de saúde

5.1.1. Origem

Analisando muito atentamente o RDM é possível depreender a sua origem, com base no texto introdutório no qual se tecem considerações iniciais explicando o seu aparecimento. A Comissão considerou ser necessária uma revisão profunda das Diretivas (90/385 e 93/42) para ir ao encontro das preocupações de segurança e saúde pública, e da adaptação ao TFUE, e da convergência da regulamentação a nível mundial.

RDM (1): “[…] a fim de estabelecer um quadro normativo robusto, transparente, previsível e

sustentável para os dispositivos médicos […]”

A entrevista com a Autoridade Competente portuguesa foi preciosa na obtenção de dados relativos a esta categoria, e na confirmação da interpretação do Regulamento (por via da análise documental), devido ao facto de o Infarmed estar envolvido no

delineamento desta política desde o início da discussão, pelo que aportou conhecimento à presente dissertação, que de outra forma seria muito difícil de obter. O entrevistado da Bizaffairs também deu um contributo para este assunto, os restantes entrevistados não tinham conhecimento. O ponto de partida foi dado pelo legislador europeu – Comis- -são Europeia. Deste modo, foi uma decisão centralizada de governo, discutida, todavia, com os diferentes Estados-Membros. Esta discussão foi impulsionada por especi- ficidades da revisão do Tratado de Funcionamento da UE e por constatações do mer- cado dos dispositivos médicos, comparação do mundo real versus quadro regulamentar. Desta forma, a CE efetuou uma sondagem junto dos EM, em 2008, para aferir opinião relativamente à elaboração de um novo quadro regulamentar para DM 26.

Inf.: “[…] a Comissão referiu que, considerando vários aspetos, nomeadamente a simplificação

legislativa obrigatória pelo tratado de Lisboa, [...] era necessário começar a pensar sobre o

assunto […]”

A análise desta categoria permite afirmar que o ponto de partida deste processo político teve um caráter misto entre top-down, decisão central governamental, e bottom-up, discussão em fase muito precoce, antes de redação de qualquer proposta legislativa, com EM, e impulsionado por problemas constatados no ciclo de vida dos DM na Europa (casos referidos no capítulo da contextualização) que é típico da teoria bottom-up, na qual a construção de política tem como ponto de partida situações da sociedade. Apesar de a sondagem ter ocorrido anos antes dos casos mediáticos abordados no capítulo 1.1, a construção do texto legislativo e discussões ocorreram já depois de eles terem vindo a público, o que necessariamente influenciou a redação do texto.

Inf.: “ [...] estávamos a sair do caso PIP e [...] os Ministros da Saúde tinham assinado

documentos a dizer que queriam robustecer muito, do ponto de vista de segurança, o sistema

Regulamentar dos dispositivos médicos.”

Biz.: “[...] houve muitos dispositivos médicos que foram colocados no mercado, aparentemente

sem uma robustez de dados clínicos [...]”

5.1.2. Objetivos e meta a que se propõe

Tal como foi sendo referido ao longo desta dissertação, uma política pública de saúde propõe-se atingir a meta de melhorar a saúde pública através da resolução de pro- blemas detetados, e por isso, visa o cumprimento de alguns objetivos para alcançar a meta. Em todas as entrevistas foi possível captar dados deste âmbito, e confirmou-se a informação da revisão de literatura e enquadramento teórico, a qual afirma que um im- pulsionador da elaboração da legislação foi a deteção de problemas ao nível da segu-

rança e qualidade no circuito do DM, pelo que a meta do RDM é a defesa da saúde pú- blica pelo aumento da segurança, através do reforço da vigilância ao longo de todo o ciclo de vida do dispositivo e aumento dos requerimentos relativos à investigação clínica, melhoria da rastreabilidade e transparência, redução de ambiguidades no sistema de classificação, tornando-o mais claro e conciso. Estes fatores todos somados levarão ao incremento da qualidade e eficiência dos DM disponibilizados no mercado 24–26,107.

Biz.: “[...] o que se pretende aqui, em última análise, é garantir que produtos que são colocados

no mercado são eficazes e eficientes [...]”

Apo.: [...] robustece o sistema na ótica da qualidade e segurança [...] este Regulamento teve

precisamente essa vertente, depois de terem sido detetadas algumas fragilidades em termos de vigilância”

Adi2: “[...] no global, eu diria que vem acrescentar segurança ao circuito.” Inf.: “[...] houve um robustecer das regras que permitem ganhar transparência [...] Segurança e

rastreabilidade estão associadas [...]”

Da análise documental foi possível observar os mesmos resultados que da análise de entrevistas, sobretudo na parte introdutória do RDM onde são explicitados os objetivos. A meta não aparece explícita no RDM mas é possível captá-la indiretamente, garantir elevado nível de saúde pública na UE. A carta aberta da MedTech Europe à CE, também corrobora estas informações, deixando transparecer que os objetivos do RDM são os do aumento de segurança para o utilizador.

RDM (2): “O presente regulamento tem por objetivo garantir o bom funcionamento do mercado

interno no que diz respeito aos dispositivos médicos […] define normas elevadas de qualidade e de segurança dos dispositivos médicos […]”

Dentro desta categoria de análise foi interessante observar o surgimento de uma nova, relativa a possíveis efeitos negativos secundários à prossecução dos objetivos. Os distribuidores e indústria dos DM, em geral, estão em crer que, por via da apertada nova legislação, alguns DM poderão deixar de ser produzidos e, consequentemente, deixarem de ser comercializados, pelo que o cidadão pode perder acesso a determinadas teconologias. Isto sucede porque é perceção da indústria (onde se incluem os distribuidores) que o fardo que a legislação acarreta não justifica os lucros. Este fator afetará sobretudo pequenas e médias empresas e DM de classe de risco baixa e antigos no mercado. Os DM antigos ficam em risco, pois os dados acerca da qualidade, segurança e eficiência dos dispositivos são essencialmente empíricos, devido ao tempo no qual já circulam no mercado. Contudo, a legislação, ao obrigar uma maior robustez dos dados e mais rigor científico, pode penalizar injustamente este tipo de produtos, bem conhecidos e bem funcionais, mas não possuidores de dossiês

técnicos preparados à luz das regras atuais. Logicamente, o Infarmed foi o único entrevistado sem comentários deste teor.

Biz.: “[...] vai ter um impacto negativo no que diz respeito à diversidade da oferta de produtos [...]” Apo.: “[...] até que ponto nós não vamos induzir a retirada de uma série de dispositivos

médicos, não porque eles não eram suficientemente seguros, mas por falta de viabilidade

económica relacionada com aquele dispositivo médico [...]

Apesar das críticas negativas apontadas, a perceção geral é que o RDM está desenhado no sentido de alcançar a meta de maior segurança e qualidade dos DM, e há a crença de que o Regulamento vai cumprir os objetivos a que se propõe.