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2 A COBRANÇA DO CRÉDITO FISCAL

2.2 A cobrança judicial do crédito fiscal

2.2.3 Por que tanta execução fiscal?

Conquanto desempenhe a importante missão de disciplinar o resgate dos créditos fiscais inadimplidos em todas as esferas da federação, o processo de execução fiscal mereceu pouca ou quase nenhuma preocupação da doutrina, não despertando maior interesse de pesquisas no campo acadêmico até um passado recente.

Em contrapartida, no cotidiano forense, o processo de execução tornou-se, senão a principal, mas uma das questões mais controversas entre os operadores do direito que lidam com a matéria em todo o Brasil. Tudo isso em função do crescente estoque de execuções fiscais a inflar ao mesmo tempo, as prateleiras e estatísticas do Poder Judiciário, e os números das Dívidas Ativas das Fazendas Públicas.

Isso porque, a aparente simplicidade do procedimento não significou eficiência no resgate judicial dos créditos fiscais inadimplidos. Pelo contrário, os números adiante retratados, relativos às taxas de congestionamento judicial e volume crescente de estoques de créditos não recuperados, dão conta da existência de problemas tanto no âmbito do Judiciário, como das Fazendas Públicas.

Há uma quantidade excessiva de execuções fiscais em curso. Segundo números do CNJ, em 2010, elas representam 45% dos processos pendentes na 1ª instância na Justiça Estadual e 34,5% na Justiça Federal104. Portanto, praticamente metade dos processos em tramitação.

103

BUENO, Cassio Scarpinella. A emergência do direito processual público. In: SUNDFELD, Carlos Ari; BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Direito processual público: a fazenda pública em juízo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 31-44.

104

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2010. Brasília: Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 2011. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-em-

Estudiosos do tema destacam que o numeroso quantitativo de execuções fiscais pode apontar para existência de problemas no sistema de cobrança de créditos fiscais hoje adotado no Brasil, que deveria ser, senão repensado, completamente reformulado105.

Marcelo Guerra Martins106 aponta três circunstâncias que explicariam o elevado quantitativo de execuções fiscais em curso: carga fiscal próxima da insuportabilidade, ineficácia do sistema de sanção pelo descumprimento da obrigação tributária ou o recrudescimento das medidas de fiscalização.

O autor aponta ainda que uma carga tributária considerada opressiva a ponto de comprometer a atuação dos agentes econômicos e a livre disponibilidade de seu patrimônio, pode gerar na população reações de revolta ou desespero que levariam a adoção de práticas de evasão fiscal, mesmo sob os riscos da execução forçada. Quanto a esse fator, arrisca-se acrescentar o desenho do sistema tributário, pois eventual desequilíbrio ou preferência por tributos indiretos por significar sobrecarga em alguns contribuintes107.

Destaca ainda que a ineficiência do sistema de cobrança, por ausência ou mau- funcionamento da fiscalização ou lentidão dos procedimentos judiciais, que traduza uma impossibilidade de o Estado punir os contribuintes inadimplentes, gera a crença na impunidade, estimulando práticas de evasão fiscal108.

A quantidade excessiva de execuções fiscais também poderia ser reflexo do incremento das medidas de fiscalização.

Embora, aparentemente, as duas últimas circunstâncias apontadas sejam contraditórias, acredita-se que é possível sua convivência no sistema. Isso porque o endurecimento da fiscalização e consequente aumento das autuações, não é garantia de aplicação das sanções ao inadimplente, principalmente depois que já houve tempo suficiente para o esvaziamento patrimonial.

Acredita-se que todos os fatores apontados, conjuntamente contribuam para o elevado quantitativo de execuções fiscais em curso. Entretanto, com apoio na doutrina de Klaus Tipke109, arrisca-se acrescentar a essa equação uma outra circunstância nociva: a legislação tributária.

105 ADAMS, Luiz Inácio Lucena. Os dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e a influência da execução

fiscal nas taxas de congestionamento do Poder Judiciário. In: TELES SANTOS, Herta Rani; OLIVEIRA DEUSDARÁ, Ingrid Caroline Cavalcante de; LACERDA, Sara de França (Coord.). Execução fiscal: um tema atual sob diferentes olhares. Brasília: Consulex, 2011, p. 315-324.

106 MARTINS, Marcelo Guerra. Tributação, propriedade e igualdade fiscal sob elementos de Direito e

Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 237-238.

107

Ibid., p. 237.

108 Ibid., p. 237.

A profusa e inconstante legislação tributária brasileira dificulta o desenvolvimento de uma consciência tributária. Isso porque gera na população a sensação de não passarem de medidas de cunho exclusivamente arrecadatório. Leis complexas, em incessante profusão, constantes benefícios fiscais a apenas alguns setores econômicos, estimulam o sentimento de desigualdade fiscal110 e dificultam o desenvolvimento de uma moral tributária, assim entendida como sinônimo de ética tributária que Klaus Tipke conceitua como ―a teoria que estuda a moralidade das atuações em matéria tributária desenvolvidas pelos poderes públicos – legislativo, executivo e judiciário – e pelo cidadão-contribuinte111

.

Em outros termos, uma atuação fora dos padrões de moralidade, impede a adesão da sociedade à legislação e a formação de uma consciência geral de que os tributos são necessários para que o Estado forneça serviços públicos imprescindíveis ao indivíduo, os quais ele não poderia obter sozinho112.

Acredita-se serem estes fatores importantes na tentativa de uma explicação para o enorme volume de execuções fiscais que congestionam o Judiciário e inflam os estoques de dívidas ativas das Fazendas Públicas.

Diante desse quadro delicado, vários foram, ao longo dos últimos anos, os estudos e pesquisas acerca do tema execução fiscal. Nada mais constituem que tentativas de entender o tamanho do problema e explicar o porquê da crescente resistência dos contribuintes em pagar seus tributos, seja na via administrativa, seja com a intervenção do poder Judiciário. Essas reflexões tocam inclusive na aparente perda da legitimidade da tributação.

É justamente nesse contexto que se passa a analisar a situação atual da cobrança do crédito fiscal na justiça brasileira, como tentativa de entender as causas e consequências da inefetividade da tutela jurisdicional executiva na esfera do Poder Público.

110 TIPKE, Klaus. Moral Tributaria del estado y de los contribuyentes. Madrid: Marcial Pons, 2002, p. 122. 111No original: ―la ética tributaria es la teoria que estudia la moralidade de las acuaciones em matéria tributaria

desarrolladas por los poderes públicos – legislativo, ejecutivo e judicial – y por el ciudadano contribuyente.‖ Ibid., p. 21.

3 ESTÁGIO ATUAL DA COBRANÇA DO CRÉDITO FISCAL NA JUSTIÇA