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SUMÁRIO

3 REVISÃO DA LITERATURA

3.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA

3.1.3 O português arcaico

De acordo com Vasconcelos (1956, p.19) “uma língua não nasce em dia e hora certa, nem evoluciona num momento de um estado a outro. Algumas transformações realizam-se muito devagar, outras muito depressa”. Desse modo, os diversos períodos que se apresentam para a história da língua portuguesa são propostos para fins de estudo, não podendo ser considerados definitivos. Nesta mesma perspectiva, afirma Said Ali (1971, p.196):

Limites entre os diversos períodos não podem ser traçados com rigor. Alterações linguísticas não dependem do calendário, nem do ano em que o século acaba ou começa. O que devemos entender por linguagem quinhentista, seiscentista, etc., é a maneira de falar dominante em grande parte da respectiva era, ou nela principalmente. Dizeres peculiares a qualquer das épocas continuam muitas vêzes a ser usados por alguns escritores do período seguinte.

Determinar os períodos da história da língua portuguesa até os dias atuais, pois, não é tarefa das mais fáceis, considerando que há um período, o pré-histórico, até o século IX, sobre o qual não se tem nenhuma documentação, a não ser, como explica Vasconcelos (1956, p.17) “a do latim vulgar nas inscrições peninsulares”, assim, o que se conhece sobre esse período é por dedução.

Alguns estudiosos, a exemplo de Silva Neto e Leite de Vasconcelos, consideram até o século IX, um período pré-histórico e até, mais ou menos, 1216, um período proto-histórico. Já Lindley e Cintra apresentam esse mesmo período como um período único que denominam de pré-literário. A partir de 1216, inicia-se português o arcaico – que vai até Camões (século XVI) –, seguido do moderno ou clássico, que começa a partir do século XVI. Essa periodização, entretanto, não é unânime. Há divergência quanto ao início e término dos períodos, uma vez que existem autores que embasam a periodização nas divisões tradicionais da história, nas escolas literárias ou nos séculos.

Segundo Mattos e Silva (1993, p. 13), o português arcaico é o período histórico da língua portuguesa que se situa entre os séculos XIII e meados do século XVI, periodização que concordamos e seguimos no presente trabalho. A autora, entretanto, faz a seguinte observação:

Qualquer tentativa de periodização histórica, como qualquer classificação ou taxionomia é arbitrária e está necessariamente condicionada pelos princípios que estão na base da classificação. A delimitação do português arcaico, no fluxo da história da língua portuguesa, não poderia fugir a essa fatalidade;

admitindo que o português arcaico tem como marco inicial o Testamento de Afonso II, datado de 1214, e a Notícia do Torto (1214-1216). Ainda segundo a mesma autora, os historiadores e filólogos são unânimes em situar esse início nos princípios do século XII, por considerarem que é o momento no qual a língua portuguesa aparece documentada pela escrita.

Lindley e Cintra (1963) e Ivo Castro (1991), entretanto, deixam claro que esses documentos não teriam sido os únicos dessa primeira fase, uma vez que, na visão desses autores, o Testamento, devido à estabilidade de sua escrita, apesar da variabilidade entre as duas cópias remanescentes e a Notícia, por ser uma pista, um indício de que outros documentos da mesma natureza existissem nos fundos dos arquivos portugueses. (MATTOS E SILVA, 1999, p.23).

Martins (2007, p.11) afirma que:

Quando comparado com documentos coevos produzidos fora da chancelaria régia, o Testamento, em ambas as versões que chegaram até nós, apresenta uma escrita surpreendentemente estabilizada e liberta de marcas da tradição scriptográfica tardo-latina

Mattos e Silva relata que, até o momento, nenhum outro documento oficial foi encontrado, entre as duas cópias do Testamento, de 1214, e os documentos em português da Chancelaria de Afonso III, a partir de 1255, sendo assim, realmente, o referido Testamento um documento temporão, explicável por razões da história de vida de Afonso II. Entretanto, Ana Maria Martins (1977, p.7), localizou, nos fundos conventuais arquivados na Torre do Tombo, alguns documentos assemelhados à Notícia do Torto, que aparentam ter sido produzidos no período entre 1175 e 1255. Esses documentos, de acordo com a autora são de scripta conservadora, como a Notícia do Torto, diferentemente do Testamento de Afonso II, que classifica como de scripta inovadora.

Mattos e Silva (1999, p. 4) destaca que:

A questão da substituição progressiva do latim pelas línguas românicas na documentação medieval não só interessa aos historiadores de uma maneira igual, como aos filólogos e aos que

fazem sociolinguística histórica, mais ainda aos historiadores das línguas, pois fornece, nesse último caso, dados empíricos para alicerçar a delimitação da periodização dos estágios mais remotos das línguas românicas. Assim sendo, a definição do momento em que a língua portuguesa aparece escrita indica o limite inicial do primeiro período histórico do português – histórico no sentido de documentado pela escrita – o chamado período arcaico.

Por outro lado, o limite final desse período é uma questão em aberto, já que filólogos da antiga tradição e linguistas contemporâneos discutem sobre essa delimitação, que varia entre as datas de 1500, indicada por Carolina Michaëlis de Vasconcelos e Serafim da Silva Neto e 1572, data da publicação de Os Lusíadas, conforme Paul Teyssier. Como pode ser observado no quadro 1, Mattos e Silva apresenta os períodos da história da língua portuguesa, sumarizando propostas de quatro diferentes autores:

Época

Leite de

Vasconcelos Silva Neto

Pilar Vasquez Cuesta Lindley Cintra Até o séc. IX (882) Pré-histórico Pré-histórico Até ± 1200 (1214 -1216) Proto-histórico Proto-histórico Pré-literário Pré-literário

Até 1385/1420 trovadoresco Galego-

português Português antigo Até 1536/1550 Português arcaico Português comum Português pré- clássico Português médio Até o séc. XVIII Português clássico Português clássico Até o séc. XIX / XX Português moderno Português moderno Português moderno Português moderno Quadro 1: Proposta de periodização para a história da língua portuguesa

Fonte: Mattos e Silva (1993, p.19)

Há ainda autores que indicam 1536 e 1540, datas do aparecimento das primeiras reflexões metalinguísticas sobre o português e do início da sua normativização explícita, como marco do fim do período arcaico, a exemplo de Said Ali, Lima Coutinho, Mattoso Câmara e Ivo Castro.

Mattos e Silva (1999, p.16), por sua vez, afirma que, embora o século XVI costume ser considerado como ponto de partida para um novo período da língua, um limite final para a fase arcaica, com base em fatores

linguisticos está “à espera de que se estabeleça uma cronologia relativa para o desaparecimento de características linguísticas que configuram o português arcaico com relação ao moderno”. Na verdade, a periodização tem sido feita com base em fatos extralinguisticos, como o surgimento do livro impresso, substituindo os manuscritos medievais, o incremento da expansão imperialista de Portugal e o delineamento de uma normativização gramatical, a partir de 1536.

Outra questão bastante discutível é a da subperiodização do português arcaico. Quanto a isso, como se pode verificar no quadro 1, os autores divergem. Para Leite de Vasconcellos, o período arcaico situa-se entre 1536/1550; Silva Neto subdivide esse período em período trovadoresco (até 1385/1420) e período do português comum (até 1536/1550); Pilar Vasques Cuesta também o subdivide em galego-português, que se situa entre 1385/1420 e português pré-clássico (1536/1550) e, ainda, Lindley Cintra o subdivide em português antigo (até 1385/1420) e português médio (até 1536/1550).

Vasconcelos (1956, p.20-21) também não concorda em considerar o período arcaico como uma unidade, justificando, assim, sua posição:

Pessoalmente achamos extenso demais o tempo que se assinala ao período arcaico. ¡ Quatro séculos e séculos fecundos em feitos históricos e obras literárias, de Sancho I até D. Manuel !¡ Das cantigas trovadorescas ao Cancioneiro Geral, com versos de Bernardim Ribeiro e Sá de Miranda!¡ Do servintês aos que deram os castelos ao Bolonhês como não deviam, à Exortação da Guerra e á Barca do Inferno de Gil Vicente! ¡Dos primeiros documentos públicos em prosa, tão cheios de irregularidades e mesmo de barbarismos, às Crônicas de Rui de Pina e ao Clarimundo de João de Barros!

Dividimo-lo por isso em dois: o período trovadoresco até 1350; e o da prosa histórica verdadeiramente nacional: o das Crônicas de Fernão Lopes, da ingenuamente linda Crônica do Condestável D. Nunálvares Pereira e da do Infante santo, o sacrificado de Tanger.

Como explica Mattos e Silva (2006b, p.16) ainda não é possível determinar “com rigor” o limite final do português arcaico e suas possíveis subdivisões; dessa forma, faz-se necessário que se analisem os fatos em uma

mesma documentação seriada, desde finais do século XII até, pelo menos, os

rigoroso e consequente das mudanças fônicas, mórficas, sintáticas e léxico- semânticas ocorridas entre os limites referidos.