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Preservação ambiental em Chapada Gaúcha diante da modernização conservadora

2.2. Modernização conservadora no norte mineiro: o universo de Chapada Gaúcha

2.2.1. Preservação ambiental em Chapada Gaúcha diante da modernização conservadora

O meio ambiente tem sido afetado pela exploração desenfreada de recursos naturais, renováveis ou não, com a acumulação contínua de capitais e o consumo exacerbado na produção extensiva de bens, provocando graves consequências ambientais (TEIXEIRA, 2005). Dentre os esforços que foram realizados no sentido de enfrentar a constante perda vegetal e de biodiversidade diante da modernização agrícola bastante presente em Chapada Gaúcha, uma das estratégias foi a delimitação de áreas especialmente protegidas, denominadas Unidades de Conservação (UCs).

Chapada Gaúcha destaca-se por ter parte da área do PARNA GSV e outras UCs em seu território. No entanto, apesar da inciativa de implantação de UC visar a preservação do

73 Cerrado Gerais, ameaçado pela expansão do agronegócio, o fato trouxe desterritorialização de povos tradicionais e a instalação de um conflito socioambiental para a região23.

O PARNA GSV foi criado em 1989 pelo Decreto nº 97.658, explicitando em seu nome uma homenagem à obra do escritor João Guimarães Rosa. Segundo dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), atual responsável pela gestão da unidade de conservação, a área do Parque é de 230.853 ha. Segundo Oliveira (2013), o envolvimento, as raízes históricas e o cuidado dos moradores com o local não foram levados em consideração para criação da UC.

Outra UC de destaque no território é o Parque Estadual Serra das Araras, criado pelo Decreto nº 39.400, de 21 de Janeiro de 1998. O art. 2º destaca que a área destinada ao Parque é de aproximadamente 11.136.85.67 ha. A área patrimonial do Parque Estadual da Serra das Araras deve ficar sob a jurisdição e administração do Instituto Estadual de Florestas – IEF. O IEF também é responsável pela gestão da Reserva Estadual de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari, criada em 2003, com a área de 60.975 ha, localizada entre os municípios de Chapada Gaúcha (55.415 ha) e Urucuia (5.405 ha).

Segundo Barbosa e Santos (2008), as UCs de uso restrito vêm ganhando espaço nas políticas públicas. Entretanto, esse modelo preservacionista tem desenvolvido intensa pressão sobre populações locais do interior e/ou do entorno dos Parques, retirando-as de suas propriedades e restringindo o uso dos recursos naturais existentes nestas áreas. Ao tempo que são tidos como estratégias diante da modernização conservadora, situações de desterritorialização são recorrentes nesses casos, como afirmado por Martins (2011) que, com a chegada dos ambientalistas e com a criação de áreas com finalidade de preservação, mudou as condições de experiência do espaço-tempo das comunidades que originalmente ocupavam o lugar.

A perda significativa do Cerrado, na porção central do país, foi aspecto que reforçou o processo de estruturação e fortalecimento de UCs, especialmente a partir dos anos 90 (SARAIVA, 2006). No entanto, para os povos tradicionais “a natureza é parte de suas experiências de vida: é para ser tocada, manipulada, de modo que o homem e a natureza possam ser beneficiados com essa relação” (SARAIVA, 2006, p. 177). Mas, para o preservacionismo impera a ideia contrária, e esse fundamento é o que justifica a necessidade de manter os

23 Segundo estudo realizado pela autora (OLIVEIRA, 2013), o Parque Nacional Grande Sertão Veredas foi criado

graças à conservação exercida pelos moradores que há gerações ocupavam aquele território. A pesquisa revela que o embasamento na corrente preservacionista, na criação de uma UC, desconsidera o envolvimento das populações tradicionais e, consequentemente, deslegitima essa área diante desses povos e da população do entorno.

74 moradores originários distanciados, exilados, da área destinada a criação de UCs, como no caso das áreas ambientalmente protegidas, destacando o PARNA GSV, na Chapada Gaúcha. Na região, portanto, o estabelecimento de UCs é uma situação de conflito e solução ao mesmo tempo.

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CAPÍTULO 3

DESDOBRAMENTOS DA MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA EM BURAQUINHOS: MUNDOS ANTAGÔNICOS E RESISTÊNCIA

A Chapada Gaúcha é um lugar complexo, onde a tradição e a modernização se encontram. As ações em torno do modo de ocupação para instituição do município traz, em sua história, um cenário de mudanças que podem ser destacadas na paisagem do Cerrado, nos recursos hídricos, nos meios adotados para a preservação do bioma ameaçado na região, e nos modos de vida tradicionais e de produção dos povos tradicionais. Mudanças que estão relacionadas entre si, de forma intrínseca.

A oposição entre a tradição e a modernização contribuiu fundamentalmente para perdas do saber popular, de usos e de costumes adquiridos pela experiência e vivência no Cerrado. Às tradições foram associadas a ideia de atraso e velho; e o moderno foi construído como símbolo do desenvolvimento e progresso.

“Quem te conheceu há 20/30 anos atrás Não te reconhece mais

Do meio do mato Do cerrado bruto De noites de vento frio Alguém jogou na terra A semente da esperança E Chapada Gaúcha nasceu E o progresso veio a galope

E se espalhou feito o ventre leste” (Hino de Chapada Gaúcha)

A modernização se instaura na região e traz consigo seus elementos conservadores. Colocados em questão os valores antes cultuados, a modernização vai estar sempre numa relação de tensão e polaridade com a tradição (SARAIVA, 2006). Esse modelo hegemônico não considera a possibilidade da existência de outros valores, tendendo para a negação contínua de ações que não condizem com a sua proposta. Trata-se de um modelo que “não reconhece diferenças, [e onde] não existe alteridade” (SARAIVA, p.172, 2006).

Sobre a relação do progresso e comunidades no Norte de Minas, Martins (2011) aponta:

O “progresso” se faz a custos altos, sobretudo, para as populações veredeiras que dependiam de tais recursos para sua sobrevivência. No lugar da terra de soltar o gado, têm-se grandes áreas de cultivo, cultivo que por si só já é desterritorializante, pois, não permite outra forma de apropriação. Os Gerais da colheita de frutos sucumbe, surgem no seu lugar, os campos da soja, a fronteira econômica. O território veredeiro, ou melhor, o complexo veredeiro, é limitado e centra-se somente nas terras das Veredas e nas encostas (MARTINS, 2011, p. 160).

76 Enquanto os Gerais não foram objeto de interesse das empresas e do Estado para a expansão da agricultura e, consequentemente, do capital, os povos tradicionais permaneceram no seu modo de vida próprio, sem muitas imposições externas.

Sauer (2010) afirma que a terra possui um significado real de cunho político, econômico e social, representando a sustentabilidade física da vida humana. Mas é carregada também de um sentido simbólico. Terra é lugar e meio de produção e reprodução social. Em Buraquinhos, os conflitos estabelecidos com o modelo de desenvolvimento, modernização conservadora, dizem respeito às questões estruturais de distribuição do poder e de exclusão.

Em face à modernização na Chapada Gaúcha, nem tudo foram facilidades e entendimentos no processo de ocupação. No entanto, entre as mudanças ocorridas, moradores destacam alguns benefícios com a chegada do município e de benefícios, ainda que tardios, para o território de Buraquinhos.

Muitas coisas foram ficando fáceis, sabe, porque nem a energia a gente acreditava que ia chegar aqui na gente. Pode-se dizer que é mais fácil que no tempo de pai. Como a estrada mesmo, que agora passa até carro. Porque de primeira, quantas mulheres a gente não apanhava na rede pra levar pra ganhar menino? Eram muitas (Relato de morador, 62 anos).

Em Buraquinhos, mesmo com a dificuldade de transporte e da quase inexistência de estradas até a década de 1980, os povos da região mantinham relações entre comunidades e com as cidades onde vendiam seus produtos. Apesar da fartura de alimento e de água, tinham muitos problemas, sobretudo de acesso à educação e a serviços de assistência à saúde. O avanço estatal-empresarial sobre regiões próximas às suas terras, com a promessa de melhores condições de saúde e educação, transformou o modo de vida dos moradores, ao abalar seus territórios e sua conduta. A base de vida de Buraquinhos foi afetada e os habitantes reorganizaram sua conduta territorial, resignificando espaços e práticas.