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2. FORMAS IMPERFECTIVAS DE PASSADO E O COMPLEXO TAM

3.3. Pressupostos do Sociofuncionalismo

105 Nesta seção, faremos algumas considerações sobre pontos de confluência e de divergência entre os dois modelos teóricos que dão origem ao casamento teórico denominado Sociofuncionalismo.

O aporte teórico Sociofuncionalista foi escolhido para este trabalho, pois, segundo Tavares (2003), nesta perspectiva teórica, analisa-se a língua, a sua variação e os processos de mudança, considerando-se a função semântico-discursiva das variantes, e se buscam explicações de natureza funcional para os resultados obtidos, além disso, focalizam-se relações de diferentes graus entre funções e formas.

Os estudos sociofuncionalistas, no Brasil, já são realizados há algum tempo (PAREDES DA SILVA, 1993; NARO; BRAGA, 2000; entre outros). Podemos citar, inclusive, o grupo de pesquisa formado por esses pesquisadores, vinculado ao PEUL/UFRJ23. No entanto, vale salientar que Tavares (2003) é a responsável por uma discussão mais profunda sobre o Sociofuncionalismo. A autora, juntamente com Gorski (2006), tem levantado a discussão entre os pontos convergentes e divergentes entre as duas propostas de análise que dão origem a este modelo teórico.

De acordo com Tavares (2003), há grande compatibilidade entre o Funcionalismo da vertente norteamericana e a Sociolinguística variacionista, a saber: prioridade atribuída à língua em uso, cuja natureza heterogênea abriga a variação e a mudança; como a língua não é dissociada de seu uso, os fenômenos linguísticos que constituem o alvo das investigações são analisados em situações de comunicação real em que falantes reais interagem; a língua não é estática, ao contrário, está continuamente se movendo, mudando e interagindo; análise de aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos – todos entendidos como discursivos, pois só ganham existência quando usados. Em se tratando de variação, para a autora, uma convergência possível seria: “camadas/ variantes podem possuir ou não o mesmo significado, conquanto exibam a mesma função”, ou seja, uma mesma função codificada por várias formas - camadas/ variantes (p.128).

Os principais postulados da interface entre o Funcionalismo da vertente norteamericana e a Sociolinguística variacionista são assim sintetizados por Tavares (2003, p. 124):

23 Programa de Estudos sobre o Uso da Língua, reúne pesquisadores que se dedicam ao estudo da

106 exame da língua em uso;

a heterogeneidade linguística é compatível com a noção de sistema e a variação é inerente ao sistema;

análise dos percursos da evolução da língua e suas motivações – essencialmente sociais;

busca da regularidade da variação pela quantificação dos dados de acordo com variáveis sociais, estruturais e discursivas, com base na crença da existência de forças internas e externas motivando os fenômenos linguísticos;

tomar por base um processo e verificar suas diferentes formas de expressão, estendendo o conceito de variável a um conjunto de construções ou estruturas mais complexas com uma mesma função/significado abrangente comum;

incorporação de aspectos de outros campos: discursivo-pragmático e processamento, em especial;

utilização dos princípios e métodos da sociolinguística laboviana associados a interpretações funcionalistas dos resultados quantitativos para ver as tendências de uso como reflexo da organização do processo comunicativo;

descrever processos de mudança que evidenciam e favorecem a gramaticalização de itens e construções linguísticas.

Por outro lado, há divergências entre esses dois modelos teóricos. A primeira questão diz respeito ao modo como a mudança é vista: para o Funcionalismo, a variação decorre da mudança; já para a Sociolinguística a mudança decorre da variação. Tavares (2003) destaca, ainda, o papel atribuído por cada modelo teórico para a forma e a função. O Funcionalismo concebe a gramática como um processo, cuja construção

107 decorre de pressões do uso. Por outro lado, a Sociolinguística concebe a gramática como um sistema de regras variáveis. Desse modo, o Funcionalismo atribui um papel central à função, pois o uso de uma determinada forma linguística é motivado, conforme foi discutido na seção 3.2.2.1., que trata de iconicidade. Já com a Sociolinguística, temos a noção de regra variável e os condicionamentos para o uso de determinada forma. Outra diferença elencada por Tavares (2003) diz respeito ao tratamento dos dados no tocante à análise estatística. O Funcionalismo não possui um instrumento estatístico específico, vale-se de frequência, os fatores decorrem da noção de continuum. A frequência de uso é um dos fatores essenciais à mudança. Quanto mais frequente é uma forma linguística, mais sujeita está a transformações de ordens fonética, morfossintática, semântica e pragmática. Por outra parte, a Sociolinguística, além desse aparato, trabalha com pesos relativos para controlar os grupos de fatores que atuam como variáveis independentes24. Ademais, trabalha com um instrumento estatístico - o programa GOLDVARB25, que realiza uma análise multivariada.

Com base na exposição de alguns pontos, em relação aos quais o Funcionalismo (Gramaticalização) da vertente norteamericana e a Sociolinguística variacionista convergem e divergem, vale salientar que cada um desses modelos teóricos tem um viés distinto e, portanto, um foco diferente. No entanto, a conciliação entre pressupostos de ambas as teorias não é impossível. Em todo casamento teórico ocorrem os ajustes necessários, não há a incorporação efetiva de todos os postulados de cada teoria, o que ocorre é uma conciliação para a sua junção. Tavares (2003, p. 102) pontua, ainda, que, em um casamento de natureza teórica:

Não se trata da soma ou da combinação de pressupostos teórico-metodológicos de um modelo ou de outro, e sim do estabelecimento de pressupostos que resultam da conversa entre os modelos. A cada conversa ocorrem novas convergências e os conceitos são alterados, definindo-se como seres voláteis, transitórios, filiados ao momento e, dessa guisa, sujeitos a re- interpretações e a revisões constantes. Em decorrência, na trajetória de avanço das discussões, o sociofuncionalismo constitui-se e reconstitui-se.

24De acordo com Tarallo (2005, p. 8): “Variantes linguísticas, são, portanto, diversas maneiras de se dizer

a mesma coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes dá- se o nome de “variável linguística”.” Variáveis independentes são aquelas que são manipuladas enquanto que variáveis dependentes são apenas medidas ou registradas.

25 Pacote estatístico criado para o tratamento da regra variável, para quantificar os dados.

SANKOFF, David; TAGLIAMONTE, Sali A. & SMITH, E. Goldvarb X - A multivariate analysis

108 Da conversa entre o Funcionalismo voltado para a gramaticalização e a Sociolinguística variacionista, Tavares (2003, p.127-129) apresenta algumas convergências que listamos a seguir, as quais serão utilizadas na discussão dos resultados de nossa pesquisa.

FUNCIONALISMO VOLTADO GRAMATICALIZAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA CONVERGINDO NO SOCIOFUNCIONALISMO A frequência das ocorrências é importante

para o estabelecimento e para a manutenção da gramática; para a análise dos estágios do processo de gramaticalização; para o estudo da difusão linguística e social da mudança.

A frequência das ocorrências é importante para o estudo da difusão linguística e social da mudança. Há a necessidade de certa recorrência para que as formas possam ser comparadas por meio do instrumental estatístico.

A frequência das ocorrências é importante para o estabelecimento e para a manutenção da gramática; para a análise dos estágios do processo de gramaticalização; para o estudo da difusão linguística e social da mudança. Há a necessidade de certa recorrência para que as formas possam ser comparadas por meio do instrumental estatístico.

O termo mudança abrange: (a) surgimento das inovações; (b) difusão social das inovações.

O termo mudança refere-se à difusão social das inovações. Análise do grau de difusão por meio das distribuições sociais dos itens linguísticos

O termo mudança abrange: (a) surgimento das inovações; (b) difusão social das inovações. Análise do grau de difusão por meio das distribuições sociais dos itens linguísticos, das quais também são derivados indícios de que novidades possam estar emergindo ou vir a emergir futuramente.

Recebe mais destaque a história de uma forma, com a investigação dos estágios de

gramaticalização por que passa um só item ou construção. Contudo, o princípio de estratificação (Hopper, 1991) prevê, como consequência da gramaticalização, a convivência de itens como camadas mais novas e mais antigas em um mesmo domínio funcional.

Recebe mais destaque a coexistência de formas variantes em dado momento de sua evolução, investigando-se com detalhe esse fenômeno de variação linguística

Recebem destaque a história e a coexistência de diferentes formas, investigadas como camadas/variantes que convivem em um mesmo domínio funcional, gerando o que pode ser definido como uma situação de estratificação/variação. Também são investigados estágios de gramaticalização, com a hipótese de que a situação de estratificação/variação é influenciada pelo que aconteceu no percurso de gramaticalização de cada item até a chegada ao domínio em questão.

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variação. Ao se estudar variação, analisa-se uma etapa de mudança em que convergem os percursos de gramaticalização seguidos por cada uma das formas envolvidas. Ao se estudar

gramaticalização, averigua-se diferentes etapas de variação ao longo do tempo.

Soluções possíveis para situações de estratificação: (a) especialização por generalização; (b) especialização por especificação.

Soluções possíveis para situações de variação: (a) uma variante prepondera sobre as demais; (b) as variantes assumem papéis diferentes.

Soluções possíveis para situações

de estratificação/variação: (a) especialização por generalização: uma camada/variante prepondera sobre as demais; (b) especialização por especificação: as camadas/variantes assumem papéis diferentes.

Quadro 05: Pressupostos do Sociofuncionalismo (Quadro proposto por Tavares, 2003, p. 127-129)

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3.4. Considerações finais do capítulo

Por fim, é importante pontuarmos que o passado imperfectivo em Espanhol

é tomado, nesta pesquisa, como variável dependente a ser analisado à luz da articulação de pressupostos da Sociolinguística variacionista e do Funcionalismo linguístico de vertente norteamericana. Dessa forma, trabalharemos a partir da abordagem sociofuncionalista, já que realizaremos o mapeamento funcional das formas imperfectivas de passado e nas funções que apresentarem variação linguística, faremos a análise sob o prisma da função semântico-discursiva das variantes e buscaremos explicações de base funcionalista para os resultados quantitativos.

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4. METODOLOGIA

Para este trabalho, foi adotada a pesquisa descritiva, definida por Barros e Lehfeld como “descrição do objeto por meio da observação e do levantamento de dados” (1990, p. 34). Com relação ao método, utilizamos a combinação dos métodos indutivo26 e dedutivo (método indutivo-dedutivo), proposta por Givón (1995). O autor afirma que o trânsito entre esses métodos é teoricamente infinito e que muitos linguistas têm sido vítimas de reducionismo, oscilando entre os dois extremos (método dedutivo ou indutivo). Givón (1995, p. 19-21) propõe três etapas para a aplicação do método indutivo-dedutivo, a saber: a) abdução: corresponde ao momento da pesquisa, no qual, as hipóteses são levantadas e as decisões pré-empíricas são tomadas, no que diz respeito à relevância de fatos e à irrelevância de outros; b) indução: é utilizada no tratamento dos dados empíricos, corresponde à quantificação destes dados e aos testes estatísticos; c) dedução: nesta etapa, são analisadas as implicações e desdobramentos das hipóteses propostas e de que modo os resultados obtidos se relacionam com elas.

A partir desta perspectiva, e, com base nas hipóteses propostas, foram levantados dados, visando à análise do corpus sob enfoque sociofuncionalista, no que diz respeito ao fenômeno de variação linguística e às funções do passado imperfectivo em textos narrativos escritos em Espanhol. Numa etapa posterior, as hipóteses foram retomadas e confrontadas com os resultados obtidos.