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SUMÁRIO

MODOS VERBAIS INDICATIVO SUBJUNTIVO

3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Para a análise do uso do pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos de língua escrita dos séculos XVI ao XX e em textos da língua falada das décadas de 70 e 90 do século XX, tomou-se por base, os princípios teóricos da Sociolinguistica laboviana (WEINREICH, LABOV, HERZOG, 2006; LABOV, 1978, 1994) e do Funcionalismo linguístico americano (GIVÓN, 1993,1995), já que tanto a Sociolinguistica quanto o Funcionalismo concebem a língua como um fenômeno social e se preocupam em saber como é usada pelo falante.

Uma vez que o pretérito mais-que-perfeito simples ou composto constitui uma variação e o emprego de uma ou outra forma pode estar ligado a fatores linguísticos e pragmático-discursivos acredita-se que os dois enfoques teóricos podem contribuir para explicar convenientemente os dados detectados no corpus.

3.1 A MUDANÇA LINGUISTICA

A mudança linguistica não pode ser entendida em termos de uma diacronia linear, caracterizada por transformações decorrentes da evolução temporal. Como afirma Saussure (1995, p.77), “o tempo muda todas as coisas, não há razão para a língua escapar dessa lei universal”. Partindo desse pressuposto, compreende-se a mudança como inevitável, uma vez que a língua é um produto social e como a sociedade muda, a língua segue o mesmo princípio. Não se trata de regressão ou evolução, mas mudança. Como afirma Crystal (1987, p.4):

As línguas não se desenvolvem, não progridem, não decaem, não evoluem, nem agem de acordo com nenhuma das metáforas que implicam um ponto final específico ou um nível de excelência. Elas simplesmente mudam, como as sociedades

Coseriu, em seu livro Sincronia, Diacronia e História (1958) apresenta três questões que devem ser consideradas nos estudos sobre a mudança linguistica:

1. Por que (ou para que) as línguas mudam? 2. Como as línguas mudam em geral?

3. Sob que condições as línguas mudam?

Em relação à primeira questão, Coseriu afirma que as línguas mudam porque não estão “feitas”, mas “fazem-se” continuamente através da atividade linguistica, isto é, mudam por causa de sua função principal – a de expressarem o pensamento e estabelecerem a comunicação. Desse modo, a mudança se processaria mediante a criatividade e a alteridade do falante, visto que ele usa a mudança (organização do texto) para os outros e com os outros (aceitabilidade).

No que se refere à segunda questão, Coseriu afirma que as línguas mudam, mas não de forma aleatória, obedecem a regras, uma vez que . é preciso que certas condições sejam observadas, para que se constate uma mudança nas línguas. Portanto, os fatos culturais e sistemáticos funcionam como selecionadores das inovações; como condições e limites da liberdade linguistica.

No tocante à terceira questão, Coseriu considera a mudança como um problema histórico, que, para ser solucionado, depende do conhecimento das condições sistemáticas e extra-sistemáticas da língua em análise e do momento em que é considerada. O autor destaca também a dificuldade de se distinguir mudança de inovação, uma vez que não se conhece o indivíduo que iniciou, especificamente, uma determinada mudança linguistica, cabendo esta certeza aos documentos históricos, através dos quais é possível levantar hipóteses plausíveis para determinadas mudanças, como por exemplo, a palatalização das velares latinas antes de e e de i, que pode ser explicada pela decadência cultural latina e pelo consequente relaxamento da norma linguistica romana. (SILVA, 2008, p. 4)

Já para Postal (1968, apud SCHLIEBEN-LANGE, 1994, p. 225) as línguas mudam por uma questão de moda, assim como muda o gosto pelas roupas e pela música, uma vez que acompanham o desenvolvimento da sociedade. Por conta dessa afirmação, Jean Aitchison lança a seguinte questão “Fashion or Function?”, ou seja, será que a língua muda por uma questão de moda ou de expressividade?

Cunha, Oliveira e Martelotta (2003, p.57) consideram que a mudança linguistica representa a fluidez da língua, – a capacidade de assumir formas diferentes em indivíduos diferentes, em situações ou épocas diferentes, - o que é um dos aspectos que mais têm intrigado os linguistas. Consideram, também, que a língua é sensível às nuanças culturais, associadas ao estilo de vida dos humanos, apresentando variações de natureza individual, social, regional, de gênero e faixa etária, entre outras, que convivem em um mesmo tempo ou se manifestam com o passar do tempo.

Para compreender a mudança linguistica, os mencionados autores indicam dois dos cinco17 princípios de gramaticalização propostos por Hooper (1991):

 o princípio de camadas que se refere ao fato de que as línguas frequentemente possuem mais de uma forma para desempenhar funções idênticas, sendo, nesse caso, importante registrar que a forma nova não implica o desaparecimento da forma já existente.

Ex: falara – tinha falado

 o princípio da divergência, que leva em consideração um conjunto de formas, com a mesma etimologia, desempenhando funções diferentes, e, novamente, a existência de uma nova forma não implica o desaparecimento do uso original.

De acordo com Faraco (2005, p.14) as línguas “estão em movimento, mas nunca perdem seu caráter sistêmico e nunca deixam o falante

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Princípios de Hopper: Estratificação ou Camadas, Divergência, Especialização, Persistência e Decategorização

na mão”, ou seja, continuam organizadas e oferecem aos falantes os recursos necessários para que se comuniquem.

Como explica Lyons (1979, p. 49), a transformação da língua não é nunca uma função do tempo. Há muitos fatores diferentes que, tanto interna quanto externamente, podem determinar a sua transformação de um estado sincrônico para· outro; o passar do tempo apenas possibilita a interação desses vários fatores, fato já considerado por Meillet (1965), para quem o estudo da língua está relacionado ao contexto social em que ela está inserida,: a língua é um fato social, como se pode constatar nas palavras do autor:

A linguagem é eminentemente um fato social. Com efeito, ela entra exatamente na definição proposta por Durkheim; uma língua existe independentemente de cada um dos indivíduos que a falam e mesmo que ela não tenha nenhuma realidade exterior à soma desses indivíduos, ela é contudo, por sua generalidade, exterior a eles. (MEILLET, 1965, p.230)

Assim, a mudança linguistica deve ser entendida como um fenômeno tridimensional: reflete o tempo, a cognição e o uso. A situação comunicativa real é o palco no qual a atuação inovadora do falante cria novos significados que são ratificados no curso da interação; depende do contexto (os elementos linguísticos não têm uma total autonomia semântica ou um sentido apenas dicionarizado).

Para Marcuschi (2000, p. 23), a significação é negociada pelos interlocutores em situações contextuais específicas, o que torna possível que os elementos linguísticos se adaptem às diferentes intenções comunicativas, apresentando flutuações de sentido.

As flutuações de sentido não se dão de modo aleatório. Estudos históricos indicam uma forte regularidade nos processos de mudança, no que diz respeito aos mecanismos que os atualizam e à natureza do elemento envolvido.

As mudanças de uma língua devem ser compreendidas como movimentos que se iniciam no instante em que um indivíduo produz seu discurso para um interlocutor específico, em uma situação comunicativa determinada. Os fatores que a desencadeiam são numerosos e diversos;

podem ser perceptíveis, ou, ao contrário, invisíveis à percepção do falante. Podem ainda ser externos ou internos ao sistema da língua. Dessa maneira, o processo de mudança emerge da heterogeneidade, na medida em que duas ou mais variantes passam a se confrontar dialeticamente no universo das relações entre os diferentes grupos de falantes, o que não quer dizer que qualquer variação signifique uma mudança, mas que, para haver mudança, é necessário haver variação (WEINREICH, LABOV, HERZOG, 2006, p. 104).

Para finalizar, é interessante retomar Crystal (1987, p.5) ao afirmar que a mudança linguistica é inevitável e raramente previsível, e aqueles que tentam planejar o futuro de uma língua perdem seu tempo em acreditar que podem fazê-lo, um tempo que poderia ser mais bem gasto em imaginar novas maneiras de capacitar a sociedade a lidar com as formas linguisticas novas que acompanham cada geração.

3.2 A SOCIOLINGUISTICA

A Sociolinguistica Variacionista laboviana, que tem origem na Teoria da Variação e Mudança Linguistica, é também chamada de Sociolinguistica Quantitativa e constituiu-se em uma grande referência para a linguistica do século XX, ao inserir a mudança linguistica, como parte do funcionamento da língua, além de estabelecer pressupostos teóricos que romperam com diversos princípios vigentes na linguistica até então, a exemplo: i) da correlação da homogeneidade linguistica preconizado por Saussure e Chomsky; ii) da explicação dos fatos linguísticos através de outros fatos linguísticos; iii) da visão de sincronia como realidade verdadeira e única na linguistica; iv) das concepções de comunidade de fala abstrata com falante-ouvinte ideal e v) da eleição das intuições do linguísta como dados de análise (proposto por Chomsky).

Esses pressupostos foram apresentados a partir das pesquisas de William Labov, na década de 1960, nos Estados Unidos, sobre o inglês falado na ilha de Martha’s Vineyard (1963), no estado de Massachusetes e da cidade de Nova York (1966). Os resultados obtidos serviram de base para a fixação dos princípios teóricos sobre a mudança linguistica, que, atualmente, guiam a

maior parte das pesquisas que estudam os fenômenos de variação e mudança de uma língua.

A Teoria da Variação compreende a língua como um fato sociocultural, estabelecendo a tendência à variação simultânea sistemática entre língua e sociedade. Com base nesta teoria, qualquer fenômeno variável na língua pode ser estudado do ponto de vista social, com referência, por exemplo à idade, sexo/gênero, nível de escolaridade dos informantes, local, ano da ocorrência do fenômeno etc., e linguístico, observando os contextos em que o fenômeno ocorre.

Os princípios (“problems”) da Sociolingüística, formulados por Weinreich, Labov e Herzog, em 1968, no livro Empirical Foudantions for a

Theory of Language Change (Fundamentos empíricos para uma teoria de

mudança linguistica); são:

I. constraint problem (o problema dos condicionamentos) –