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A crise das teorias como primeira dimensão analítica do ambiente de discussão do processo de verticalização de Joinville

ANALÍTICAS

1.1 A crise das teorias como primeira dimensão analítica do ambiente de discussão do processo de verticalização de Joinville

As origens da crise mencionada no início do capítulo remonta, segundo Pradilla Cobos (1992, pp.1-6),a dois processos simultâneos: a) a reestruturação do sistema capitalista em escala mundial, na esteira da recuperação da onda recessiva da década de 1960; e b) a restauração do capitalismo na maior parte dos países onde se havia implantado o ‘socialismo real’, desde princípios do século XX. Estes eventos resultaram na configuração de uma “nova ordem mundial” - instalada a partir dos eventos vinculados à guerra do Golfo, em 1991- operada a partir do comando dos países capitalistas hegemônicos, uma espécie de reedição do ”pacto colonial” do século XVI, constituindo aquilo que Santos (1996) e Souza (2008), chamam de verticalidades que atuam sobre os diferentes lugares.

As consequências dessa crise se espelham, de um lado, no que Pradilla Cobos (1992) descreve como esforço da burguesia intelectual em aproximar suas teorias a um passado mais ou menos remoto, no sentido de dar substância à ideologia neoliberal e decretar a morte do marxismo e do socialismo, e de outro lado, na afirmação de Menegat (2006, pp. 1 - 2), referindo-se à experiência urbana ocidental, que destaca que os “... instrumentos analíticos então disponíveis [30 anos atrás] eram insuficientes para produzir uma representação da sociedade contemporânea quase totalmente urbanizada", pois a urbanização havia alcançado uma complexidade de tal ordem que, de acordo com alguns

autores - não especificados -, se tornara “irrepresentável” [grifo no original] em sua totalidade.

Na mesma direção, Menegat (2006, p.2) aponta a existência de uma limitação paradigmática, que reside na falta de compreensão da adequada contribuição das categorias espaço e tempo, que devem ser trabalhadas através de um esforço teórico interdisciplinar no sentido de melhor compreender a “experiência urbana ocidental”. Assim, o percurso epistemológico passaria pela compreensão da totalidade social- parte integrante da totalidade absoluta, um conceito residente na cosmologia newtoniana, fundamentado na relação espaço, tempo, matéria e energia - representada pela relação indissociável “espaço- tempo-sujeito-objeto e práxis social”, historicamente estruturado. Isto significa dizer que o conceito espaço-tempo não é “apenas palco estático dos eventos, mas parte dinâmica, um todo em movimento estruturado com a matéria” (MENEGAT, 2006, p. 7).

Quadro 1: Categorias analíticas utilizadas no exame ontológico do ser social

Criador e a obra que ele cria

Sujeito Homem Sujeito coletivo de ação Sociedade Classes Objeto Forma-conteúdo Cidade Metrópole Prédio Espaço Social Práxis criadora Processo Ação Estruturas sociais em movimento Ideologias Fonte: Santos (1996), Menegat (2006), Souza (2008). Organização própria.

Para dar conta do desafio de superar a noção metafísica do espaço como pano de fundo das ações humanas, Menegat (2006, p. 8) tece considerações que apontam o método do materialismo dialético e a categoria totalidade social como alternativas para a “...compreensão da gênese e estruturação do mundo humano e social sobre a face da terra”. Segundo a autora, aí está o caminho para a compreensão da “...totalidade historicamente estruturada pela práxis dos homens”. Por seu turno a compreensão desta práxis pode ser alcançada a partir da discussão de categorias como cultura, política, religião e economia. Para dar conta dessa tarefa Menegat (2006, p. 10) propõe um exame ontológico do ser social (Ver quadro 1) a partir da análise das categorias envolvidas na relação indissociável entre o “criador e a obra que ele cria”, a cidade, o bairro ou o prédio. As proposições de Menegat (2006) devem ser vistas em conjunto com a discussão de Santos (1996) e Souza (2008), que resulta na síntese apresentada no quadro 2, no sentido de

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auxiliar no processo de reflexão sobre o caráter tardio da verticalização de Joinville.

Na esteira do que discute Santos (1996), Menegat (2006, p. 14) alerta para o fato de que mesmo com a adoção dos aspectos epistemológicos citados, ainda resiste a problemática de se considerar o “tempo histórico na constituição do espaço social concreto”. Aqui a autora sugere a considerar a noção espaço-tempo como aspecto fundamental para, através da categoria totalidade social concreta, “...alcançar a representação da sociedade contemporânea, completamente urbanizada”.

Associado à categoria espaço-tempo, emerge a categoria espaço social, que segundo Menegat (2006, p.17) corresponde “...à totalidade das transformações socialmente produzidas, ao longo do tempo, na base territorial”. Esta nova categoria diz respeito ao modo como se dá a apropriação e uso do território, que se revela através do “modo de produção da riqueza social”, transformando a paisagem no mundo de hoje. Como a verticalização constitui uma etapa recente da construção da paisagem urbana de Joinville, o espaço social visto através da diferenciação socioespacial, deve ser considerado como um aspecto que se sobressai no conjunto da obra.

A paisagem do mundo de hoje é cada vez mais urbana. A compreensão do mundo urbano representado pela manifestação concreta e complexa das cidades cumpre ser necessariamente interdisciplinar, pois, envolve conteúdo de ordem urbana, econômica, política, social e cultural, como afirma Freitag (2012, pp. 11-13). Por conta dessa interdisciplinaridade a autora refuta a idéia de que possa existir uma “teoria das cidades”, pelo que defende a existência de “teorias da cidade”.Tal situação faz lembrar ao pesquisador normal que lhe cabe fazer escolhas no sentido de trabalhar o recorte teórico à sua pesquisa.

Assim, o arcabouço teórico urbano pode ser sistematizado em acordo com “escolas”, que representam uma unidade de pensamento “...que possa ser compreendida por pensadores de outra escola” (FREITAG, 2012, p. 12), ao mesmo tempo em que possa ser seguida por discípulos praticantes da “ciência normal”, nos termos de Kuhn (1998, p.24),e que se orientam pelos pensamentos dos mestres – estes últimos praticantes da “pesquisa extraordinária” - que aprofundam e reformulam constantemente o conhecimento para dar conta das “anomalias ou violações do assentado nos paradigmas que constituem as “... realizações científicas universalmente reconhecidas que durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUHN, 1998, p. 13).

Na obra Teorias da Cidade, Freitag (2012) propõe organizar o arcabouço teórico em um grupo de cinco escolas de pensamento urbano, cujos fundamentos, representantes e características estão representados no quadro 2. Deve ser salientado, entretanto, que por se tratar de uma profissional do campo da sociologia urbana, o agrupamento dos representantes tem fortes influências daquele corpo científico.

A lembrança de Freitag (2012) acerca do caráter interdisciplinar da pesquisa urbana suscita considerar a obra de Rangel (2005, 2012) que elabora uma proposta de caráter epistemológico pautado no paradigma da complexidade elaborado por Edgar Morin, Rolando Garcia8 e Boaventura de Souza Santos. A proposição se baseia no esforço de “...reposicionar e avançar o pensamento urbano latino-americano”, também em crise desde a década de 1980. O trabalho de Rangel alerta para o risco de se realizar análises fragmentadas e reducionistas de sistemas complexos, como a conformação da cidade e do urbano.

Assenta-se nesta visão de Rangel (2005, p. 32) o que Kuhn (1998) chamaria de crise do paradigma, no sentido de procurar responder ao problema da formulação de uma teoria geral para as cidades latino-americanas. Rangel fundamenta a solução do problema posto em discussão na redefinição da noção de paradigma de Thomas Kuhn, desenvolvida por Edgar Morin, para quem

um paradigma contém, para todo discurso que se efetue sob seu império, os conceitos fundamentais ou categorias-mestre da inteligibilidade (conjunção, disjunção, implicação ou outros) entre estes conceitos ou categorias. Deste modo, os indivíduos conhecem, pensam e atuam segundo os paradigmas neles culturalmente inscritos.

8“El conocimiento em construccion: de las formulaciones de Jean Piaget a la teoria de sistemas complejos”.

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Quadro 2: Teorias da Cidade – Escolas de Sociologia urbana

Características - Influência sobre escolas francesa (Touraine/Lefebvre) e Escola Americana (Robert Park

Influenciada pela Escola Alemã Informação para o planejamento, - Movimentos reformistas / Reformadores e sociedade informacional

Influência da Escola Alemã e inglesa (Owen e Howard)

Influência das escolas Francesa e Anglo-Saxônica Americana, esta última predominante Fonte: Freitag (2012). Organizado pelo Autor

Representantes Karl Marx, Friedrich Engels, Walter Benjamin, Georg Simmel, Max Weber, Sombart, Rolf Lindner, Werner Siebel, Friedrich Schlögel], Ronald Daus - Enciclopedistas: Diderot - Utopistas:: Fourier, J.B.A. Godin - Reformistas: G. Hausmann - Urbanistas: Corbusier , F. Choay - Antropológico: Claude L. Strauss - Sociologia Contemporânea: A. Touraine. H. Lefebvre, M. Castells

Thomas Morus, Ebenzer Howard, Patrick Guedes, Raymond Umwin, Peter Hall

Robert Park, Lewis Munford, Richard Sennet, Saskia Sassen, Escola de Chicago

Milton Santos, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Nestor Goulart Reis Filho Fundamentos

- Perspectiva multidisciplinar - Cidade um objeto de estudos privilegiados da modernidade - História e Cultura - Enfatização de racionalidade e utopia - Progressista - Influencia o surgimento do urbanismo

- Destaca-se pelo pragmatismo e utilitarismo

- Naturalista

- Inovação Tecnológica - Sociedade informacional - Naturalista

- Falta de uma teoria - Receptividade e mudanças - Adaptações hegemnônia da Escola Americana Escola Alemã Francesa Anglo- Saxônica da Grã Bretanha Anglo- Saxônica Americana Latino- Americana

O “pensamento complexo9”, ou a “epistemologia construtivista genética” adotada como “linha de força” por Rangel (2005, pp. 35-36 e 2012, p.5) atua na linha de base para que se possam discutir os “sistemas complexos” - abertos -, no sentido de reduzir, ou, até mesmo, eliminarem o caráter reducionista e simplificador dos “processos urbano-territoriais”. Por sua vez, expandindo a visão de Rangel para as proposições de Santos (1996), pode-se redefinir a afirmação do primeiro de que os processos urbanos se caracterizam por movimentos cuja dinâmica de organização e reorganização flutuam segundo os limites impostos por suas estruturas, segundo relações horizontais, mas que também não se deixa escapar das influências das forças manifestas pela verticalidade dos eventos que ocorrem em escalas regional, nacional e, até mesmo, mundial.

De outra parte, adotar o pensamento complexo como “linha de força” para compreender os processos urbanos, implica, na visão de Morin (2010) apud Rangel (2012, p.8), a observância de três princípios: a) O “princípio dialógico”, cuja definição se assemelha ao da noção da dialética (ordem/desordem, riqueza/pobreza, globalização/autonomia soberana); b) o “princípio hologramático”, no sentido de observar as relações sincrônicas e diacrônicas do todo com as partes, que se assemelha à noção de totalidade, proposta por Milton Santos; e c) o “princípio da regressividade”, que se traduz pelo “...reconhecimento de que efeitos e causas são eles mesmos produtores e causadores do que os produz”.

Rangel (2012, pp.10-15) na sua contribuição para o delineamento de um pensamento urbano latino-americano, observa de início que “agora” (2012) se fazem presente as “condições históricas” para o desenvolvimento de tal tarefa, pois há um gigantesco trabalho desenvolvido por um coletivo sobre a problemática urbano-social. O esforço teórico desenvolvido reconhece a importância da “inter-relação dialógica” entre a estrutura social e a estrutura territorial, que pode se manifestar tanto nas concepções de cidade quanto nas ‘chamadas linhas de pensamento urbano’.

Nesse percurso, Rangel (2012) resgata o esforço de Emílio Pradilla, que desde 1985, analisa criticamente através de uma severa análise marxista, as visões dependistas das ‘teorias do espaço’. No

9Rangel (2005, pp.36-37)define três condições que se visualizam nos sistemas complexos e que também se apresentam nos paradigmas de desenvolvimento sustentável e de qualidade de vida: as condições de “contorno”, as condições de “estabilidade” e a “vulnerabilidade e resiliência do sistema”.

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âmbito epistemológico, Pradilla apud Rangel (2012, p.12), toma como base o fato de que

espaço e sociedade ou modo de produção (utiliza a categoria de formação social) e espaço estão mediados por ‘sistemas de suportes materiais’ (se refere aos objetos físicos como edifícios, infraestruturas, equipamentos, os quais ao seu juízo não analisáveis de maneira científica).

É de se notar que o exercício epistemológico de Pradilla em muito se assemelha à produção de Milton Santos iniciada já na década de 1970. Por conta disso, e por conta da maior familiaridade com a obra optou-se por dissecar as relações de mediação entre espaço e sociedade a partir da visão do segundo autor, como se verá no item 1.2, a seguir.

Rangel (2012, pp.14-15) ainda se referenciando à Emilio Pradilla, argumenta que os estudos urbano-territoriais se encontram em um momento de superação cognitiva. Por isso este novo momento está a exigir um novo conjunto de problemas ainda não satisfatoriamente respondidos, ou ainda carregados de incertezas e que, por isso mesmo, são causadores de polêmicas, que são exemplificados e a seguir sintetizadas:

1. A questão ambiental através do relacionamento entre as fontes emissoras e seus efeitos na qualidade de vida;

2. As interações complexas entre as diversas unidades espaciais que se relacionam horizontalmente;

3. As causas e os efeitos complexos das políticas públicas e seus efeitos sobre a qualidade de vida da população;

4. As imposições tecnológicas e ideológicas dos processos da globalização sobre o lugar e os processos produtivos locais e seus “imaginários”;

5. As problemáticas com recortes mais definidos como a habitação, infraestruturas, etc., sempre vinculadas com outras, de modo que sejam “interdefiníveis”.

1.2 A segunda dimensão: entender o espaço como dimensão