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Primeiros passos para que a investigação ocorresse: o pesquisador, a pesquisa e

CAPÍTULO 2: O TEXTO COMO ENUNCIAÇÃO DIALÓGICA 55-

3.2 Contexto de pesquisa

3.2.2 Primeiros passos para que a investigação ocorresse: o pesquisador, a pesquisa e

No início de fevereiro de 2011, após minha primeira reunião com o diretor do campus e também professor de disciplina — uma longa conversa explicando-lhe meus objetivos e interesses de pesquisa —, trocamos alguns e-mails com informações sobre cursos e planos de aulas da disciplina de leitura e produção de textos para os alunos de graduação em engenharia agronômica e discutimos, embora sem chegar a um consenso, sobre a abrangência de minha pesquisa no campus em relação aos alunos, cursos e anos a serem considerados, já que haveria impossibilidade de a pesquisa seguir sem essa delimitação. Esse processo de esclarecimento e de negociação ocorreu entre fevereiro e maio de 2011 e envolveu também o questionamento sobre a ética da pesquisa e o aguardo de reuniões entre a diretoria, a coordenação e o corpo docente, em que seria inserido, na pauta de discussão, o meu pedido de pesquisa no campus com a colaboração de professores e alunos. Apenas em meados de maio, pude enviar ao diretor um e-mail com a apresentação de minha pesquisa e um convite de participação para ser encaminhado aos professores e alunos:

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Após o envio, um dos professores retornou com questionamentos sobre os objetivos e a ética da pesquisa, o que me levou a enviar-lhes um e-mail esclarecendo algumas dúvidas e me colocando à disposição para uma reunião em que apresentaria meu projeto:

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Apesar da minha insistência através de alguns e-mails e da resposta positiva do diretor para a reunião, esta não aconteceu e, com isso, não expliquei aos professores — embora já tivesse falado com o diretor — que a escolha por aquela instituição de ensino universitário ocorreu pela própria preocupação em não estar num espaço tão familiar, cujo relativo distanciamento é necessário para observar o que poderia se tornar menos invisível — o que seria bem mais difícil em relação ao ambiente da UNICAMP, onde estava inserida como aluna de graduação e pós-graduação desde 1985. Busquei seguir o princípio etnográfico apontado por Erikson (1989) — quando o autor cita Clyde Kluckhohn, para quem “o peixe seria a última das criaturas a descobrir a água” —, de que “a ‘invisibilidade’ da vida cotidiana pela sua familiaridade” torna mais difícil encontrar e questionar as contradições. Acreditei que a familiaridade com a instituição e com a própria rotina de curso em que me inseria na UNICAMP comprometeria meu alcance sobre o contexto e a forma como os sentidos, as ações humanas e as práticas institucionais estão implicados no local. Assim, sob a expectativa de um relativo distanciamento, busquei uma universidade pública e uma área de investigação diferente daquela em que atuo, ou seja, de um lugar não familiar, sem qualquer conhecimento sobre as relações sociais e de poder, os sujeitos, os mecanismos pedagógicos, as dinâmicas e exigências dos cursos.

Mediante minha necessidade de iniciar a investigação em campo, enviei mais um e-mail a todos, esclarecendo sobre a condução ética da pesquisa de acordo com as exigências do Departamento de Pós-Graduação em Linguística Aplicada do IEL/Unicamp. A esse e-mail, também anexei um resumo escrito em cinco páginas de meu projeto, expondo o quadro teórico em que a pesquisa se inseria, os objetivos, as perguntas iniciais de investigação e parte da bibliografia utilizada para o conhecimento do tema. Para esclarecer dúvidas e preocupações, como aquelas expostas nos questionamentos feitos pelo professor, me preocupei em colocar, nesse documento, as perguntas iniciais de minha investigação, como pode ser visto a seguir:

(...) Dessa perspectiva social, histórica, cultural e cognitiva sobre o letramento acadêmico, exponho as preocupações iniciais desta minha pesquisa de doutorado, cuja base etnográfica torna-se essencial para reflexões sobre a relação dos alunos universitários e seu processo de inserção nos gêneros escritos acadêmicos. Ainda não estão definidos o(s) lugar(es) universitário(s) e o(s) curso(s) específico(s) em

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que ocorrerá a geração de registros para constituição do corpus de análise, mas já é possível definir que essa investigação precisa ser longitudinal e buscar atingir a relação entre a história de escrita que antecede a entrada dos sujeitos na universidade e as suas dificuldades sobre as novas demandas de escrita no ambiente acadêmico. Com isso, fortemente interligadas, as perguntas iniciais do projeto seriam:

1. Quais foram as práticas de escrita dos alunos antes da entrada na universidade? 2. Quais são as novas práticas de escrita no ambiente acadêmico dos alunos? 3. Quais as instruções para as escritas e quais as orientações sobre as escritas para

a inserção dos sujeitos nessas práticas?

4. Quais dificuldades os sujeitos encontram para realizar essas instruções e a própria escrita?

5. Quais seriam suas novas necessidades diante das novas condições de escrita e diante dos novos gêneros?

(PASQUOTTE-VIEIRA; fragmentos do projeto de investigação da pesquisadora

enviado à universidade onde a pesquisa ocorreu)

Naquele momento inicial, através de mais esse e-mail enviado ao diretor e reencaminhado aos professores e alunos de todos os cursos daquele campus, busquei esclarecer que a investigação serviria a uma reflexão sobre a diversidade de letramentos existentes em um ambiente universitário e permitiria a análise das situações de escrita em alguns gêneros. Essa proposta de trabalho partia da hipótese de que havia um “gap” entre as expectativas dos professores e as dificuldades dos alunos sobre as novas demandas de escrita no ambiente acadêmico, e isso restringia o processo de inserção desses alunos nas novas práticas escritas acadêmicas. A preocupação em conduzir eticamente a pesquisa para — como disse o professor em seu e-mail — manter a “preservação do campus e dos próprios alunos”, considerando “os possíveis impactos de sua publicação”, fez com que eu precisasse não expor o nome da universidade, da cidade onde se localiza o campus, do diretor, dos professores e dos alunos que fizeram parte desta pesquisa, assim como de qualquer elemento de suas escritas capaz de evidenciar uma identificação. Por isso, todos os trechos de escrita aqui expostos e analisados serão utilizados de forma a não identificar a instituição, o autor e sua própria pesquisa.

Todo o processo inicial de negociação alcançou o final do semestre, o que fez com que eu tivesse de esperar pela proximidade do novo semestre no final de julho para contatar novamente os professores e alunos através de e-mails. Nessa fase, em decorrência do tempo que restava ao trabalho de campo até o final daquele ano, tive de rever a proposta

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de mapeamento das práticas de leitura e produção de texto e propor uma nova delimitação sobre a obtenção dos registros. Dessa forma, enviei novos e-mails ao corpo docente e discente, buscando restringir a pesquisa a graduandos em fase de escrita do TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) e, portanto, nos últimos anos de curso, e a pós-graduandos de qualquer um dos cursos de mestrado e em qualquer fase do curso. Minha hipótese era de que essa demarcação tornaria possíveis os registros no tempo que restava pelo fato de focalizar práticas letradas mais específicas e igualmente capazes de trabalhar as hipóteses sobre as expectativas dos professores e as dificuldades e o processo de inserção dos alunos nessas práticas letradas acadêmicas. Recebi a resposta de dois professores com a indicação de seus orientandos do mestrado e da graduação com projetos de iniciação científica, mas não em fase do TCC, pois, como pode ser visto no e-mail de um desses professores, tanto na graduação como no mestrado, havia cursos recém-abertos e com as primeiras turmas ainda em semestres intermediários:

O fato de os alunos indicados pelos professores serem de cursos recém- implantados foi visto, inicialmente, como mais um problema para os objetivos da pesquisa porque não estavam em fase de escrita do TCC. As duas mestrandas que me contataram eram da primeira turma de mestrado, e os três estudantes de graduação eram do 6º semestre do curso de biologia, implantado há menos de três anos. Esses graduandos tinham apenas projetos científicos em desenvolvimento, e isso prejudicava meu próprio projeto de

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focalizar alunos da graduação em fase de escrita do TCC. Mas, considerando os princípios etnográficos de uma investigação a partir (i) de situações do cotidiano da universidade e, não, sob condições criadas pelo pesquisador; (ii) do foco em poucos casos; e (iii) da geração de registros, em sua maior parte, relativamente “desestruturada” por não seguir um projeto fixo e detalhado de pesquisa, especificado desde o início, continuei o processo de investigação através da troca de e-mails com aqueles três graduandos — dos quais, apenas um permaneceu — e com duas alunas do curso de mestrado em Agricultura e Ambiente — a quem, se juntaram mais duas mestrandas no final do 2º semestre/2011, após a qualificação.