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Como método de coleta de dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas e abordagem etnográfica multissituada, que, segundo George Marcus, é um método que se preocupa com o movimento de ideias, pessoas e mercadorias que se estendem por vários locais39, o que ajudou a compreender a mobilidade de brasileiras nos diferentes espaços e

tempos. A etnografia consistindo, em Paramaribo, em observação em espaços nos quais a presença de brasileiros era expressiva em 2011 e 2012: nos clubes Diamond e Manilla, os principais em funcionamento na época e nos quais ainda hoje a maioria das trabalhadoras do sexo é de origem brasileira40; no Klein Belém e nas ruas da região que o circundam41; em igrejas (templos) evangélicas pentecostais voltadas a brasileiros como Assembleia de Deus, Deus é Amor e Assembleia de Deus Ministério de Madureira (observação a partir da presença em cultos); nos hotéis Cactus, Confort e Pérola (em momentos de entrevista em loja ou restaurante em seu interior), os três mais centrais e nos quais se hospedam muitos brasileiros; nos restaurantes Petisco e Recanto Nordestino, que, em razão do cardápio (churrasco e culinária brasileira, respectivamente), são conhecidos como restaurantes de brasileiros, e bastante

39 MARCUS, George. Ethnography in/of the world system: the emergence of multi-sited ethnography. Annual Review of Anthropology, v.24, p.95-117, 1995.

40 Nos dois clubes estive uma única vez, em 2011, quando já havia terminado parte das entrevistas para a pesquisa.

Surpreendi-me com a narrativa das mulheres entrevistadas, que diziam ser locais que qualquer mulher, mesmo que não atuasse na prostituição, poderia frequentar, desde que acompanhada por um homem. Minha intenção, naquele momento, era simplesmente observar se era possível detectar com facilidade se as mulheres se encontravam ali em cárcere privado, e se de fato era possível ter fácil acesso a elas (como informaram as interlocutoras). Pude verificar que eram clubes de fácil acesso para homens e mulheres, e incomodou-me saber que apareciam no imaginário das pessoas e na imprensa, em Belém, como inacessíveis, de condições precárias, que mantinham brasileiras contra sua vontade. Se eram de fácil acesso, por que as denúncias de cárcere privado, tráfico de pessoas e violência física não chegavam aos órgãos representativos do governo brasileiro no Suriname, possibilitando a investigação pela polícia surinamesa? O que impedia a intervenção policial e jurídica nos locais, caso essas situações ocorressem? Se qualquer pessoa podia ter acesso aos clubes, por que não havia pedido de socorro de casos envolvendo ameaça ou crime?

41 Nessa região a observação direta foi realizada de maneira sistemática, principalmente na Tourtonnelaan

(avenida), na Anamoestraat (rua que é continuação daquela avenida) e na Princessestraat (rua próxima às duas primeiras), referências principais para a localização da presença brasileira em Paramaribo, e foi possível ver de perto o cotidiano dos brasileiros que por elas circulam, bem como estabelecer conversas com parte dos interlocutores. As designações “laan” e “straat” significam avenida e rua, respectivamente.

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frequentados por estes; nos supermercados Combe Slijtej, Gopie e Transamérica; no açougue Asruf (com muitos clientes brasileiros); e em aglomerados de pequenos quitinetes construídos com o propósito de alugá-los a brasileiros (e que estes alugam). Além disso, foi realizada pesquisa de campo em dois garimpos localizados no interior da floresta surinamesa: em 2011, no Beoyo, explorado por Noirs Marrons; em 2012, no Macu, explorado por brasileiros.

Os dados foram coletados através de entrevistas gravadas com brasileiros (mulheres, travestis/transexuais42 e homens43) que vivenciaram a migração para o Suriname, em momentos

em particular (com muitas das mulheres) e em momentos nos quais outras pessoas estavam presentes (alguns de descontração), em locais públicos e privados; e através de observações e conversas realizadas em locais públicos frequentados por brasileiros (igrejas e restaurantes), em encontros festivos privados (aniversário e refeições realizadas na casa de algum brasileiro44), e em eventos e festas na Praça da Independência, no centro de Paramaribo, concernentes a datas do calendário nacional surinamês: a abolição da escravidão (Keti Koti), em 1º de julho; o fim do Ramadã (Id Ul Fitr), em 2012 comemorado em 19 de agosto45; o Dia dos Povos Indígenas, em 9 de agosto; e, nessa mesma data, festas referentes à migração javanesa46.

As observações e conversas foram anotadas no caderno de campo, e também foram feitas fotografias — além disso, muitas lembranças, ao aflorar, permitiram reconstruir momentos e a releitura de outros. Na análise dos dados foram utilizadas técnicas qualitativas e quantitativas.

42 A opção por evidenciar as entrevistadas travestis/transexuais deve-se ao fato de que elas também aparecem como

trabalhadoras do sexo no Brasil e no exterior. Além disso, e principalmente, porque as três que foram entrevistadas têm histórias ligadas ao mercado do sexo ou a salões de beleza: uma delas trabalhou em um clube no qual havia só mulheres, na Guiana; uma foi trabalhadora do sexo no Brasil, em Belém, e posteriormente foi trabalhar em São Paulo tendo como contrapartida apenas o recebimento de produtos e medicamentos para a mudança do corpo (para dar-lhe aparência feminina); a terceira sempre trabalhou em salão de beleza. Com percursos diferentes, ao migrar suas trajetórias passam a ser semelhantes, no sentido de que viveram experiências discriminatórias e circulavam (na época da entrevista) com medo na Guiana e no Suriname, onde imperam as mulheres no mercado do sexo e há muito preconceito contra travestis/transexuais que se aventuram nessa área.

43 Decidi considerar as entrevistas e conversas com os homens porque a migração feminina para as Guianas foi

marcada pela presença ou pelo aumento do fluxo circulatório deles ali, seja pela oferta de trabalho nos serviços domésticos nos locais em que eles eram maioria absoluta, seja pela migração de mulheres para acompanhar o marido; pelo fato de eles serem os que mais procuram os serviços sexuais ofertados pelas brasileiras nos cabarés; e pela necessidade de compreender a mobilidade em geral dos brasileiros nas Guianas.

44 Uma dessas vezes foi um churrasco, a maneira mais alegre de um brasileiro receber as pessoas no Suriname. 45 A cerimônia do fim do mês do Ramadã segue o calendário mulçumano, e, como este é um calendário lunar, com

meses de 29 a trinta dias, não há uma data fixa para a sua comemoração.

46 Apesar de não constar no calendário nacional, é um dia festivo para os descendentes de javaneses, e no centro

de Paramaribo são realizadas atividades culturais concernentes a esse grupo étnico (apresentação de danças regionais de origem javanesa, por exemplo).

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Com as entrevistas, o objetivo era conhecer a história de vida dos interlocutores, considerando-se que a história de vida é uma “narrativa linear e individual dos acontecimentos que ele [o interlocutor] considera significativos”, e que nela “se delineiam as relações com os membros de seu grupo, de sua profissão, de sua camada social, de sua sociedade global, que cabe ao pesquisador desvendar”47 — e tal abordagem permitiu reconstruir as trajetórias

migratória e ocupacional das pessoas, e, sobretudo, usar como fio condutor das análises as suas próprias interpretações a respeito de suas vivências num universo repleto de contradições e incertezas. A utilização de diversas testemunhas permite que a análise ultrapasse sua singularidade, transformando-se em uma reflexão com componentes sociais coletivos, como pontua Daniel Bertaux:

En multipliant les récits de vie de personnes se trouvant ou s’étant trouvées dans une situation sociale similaire, ou participant au même monde social, et en centrant leurs témoignages sur ces segments-là, on cherche à bénéficier des connaissances qu’elles ont acquises de par leur expérience directe sur ce monde ou cette situation, sans pour autant s’empêtrer dans leur singularité intrinsèque48.

O roteiro de questões utilizado nas entrevistas foi o mesmo para todos os entrevistados, e, à medida que eles contavam sua história migratória, questões mais difíceis de abordar surgiam, como a passagem pelo clube, no caso de algumas mulheres. Estas, em sua maioria, falavam abertamente que haviam trabalhado num clube ou cabaré; as que não passaram por um deles, faziam questão de deixar isso claro e diziam que eram casadas — aliás, “casada” foi a palavra mais usada tanto pelas mulheres que queriam afirmar que não atuavam mais na prostituição como pelas que queriam afirmar que nunca fizeram parte dela.

As pessoas entrevistadas são brasileiras e exerciam as seguintes atividades: de cabeleireiro/a, manicure, cozinheira, sacoleira, proprietária de cantina49, dono/a de máquina de extração de ouro, dona de casa, garimpeiro, mecânico, profissional do sexo, dona de lanchonete, proprietária de clube, proprietária de loja, proprietário/a de cabaré, gerente de cabaré, vendedora, promotora de eventos, garçonete, pastor e empresário, educador social e coordenador de associação, pedreiro, motoqueiro e motorista. As atividades citadas foram informadas pelos interlocutores, que no momento da entrevista a apontaram como a sua

47 QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravador no registro da informação viva. São

Paulo: Ceru/FFLCH, 1991, p.6.

48 BERTAUX, Daniel. L’enquête et ses méthodes : le récit de vie. 3.éd. Paris: Armand Colin, 2013, p.36. 49 Pequeno comércio que vende de tudo um pouco (alimentos, roupas, sapatos, peças de moto e de máquinas

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ocupação — e veremos que, em geral, não é a mesma que exerciam desde que chegaram ao país, sobretudo as mulheres, uma vez que circulam entre uma atividade e outra conforme as circunstâncias e o local.

Depois das entrevistas realizadas, ficou difícil determinar um número de pessoas ou um grupo em particular a ser considerado, pois isso resultaria na perda de informações que complementavam as coletadas junto aos indivíduos considerados chave para a pesquisa (mulheres que migraram para o Suriname para se prostituir e com uma dívida com um clube). Assim, a opção foi trabalhar com todas, porque, de alguma maneira, tinham relação com a migração em função do garimpo ou da prostituição; e, dada a circulação constante dos interlocutores (e da própria relação do tema) com outros territórios, foi considerada também a coleta de dados (que incluiu entrevistas) realizada na Guiana Francesa (2011), na Guiana (2012) e na Holanda (2013).

As conversas aconteceram com inúmeras pessoas, a ponto de ser difícil dar um número exato sem cometer erros. Elas foram informais, formais, descontraídas, tensas, e constituem parte fundamental do mosaico desta pesquisa. Nas entrevistas semiestruturadas gravadas50, primeiramente, na gravação, foi registrada a autorização oral para a sua realização e para a utilização das informações na tese — apenas duas brasileiras se negaram a registrar a entrevista (uma na Guiana, uma no Suriname), mas contaram suas experiências migratórias.

No total foram entrevistadas 74 pessoas que não faziam parte de instituições: 44 mulheres, 27 homens e três travestis/transexuais. A tabela 1, além do número de entrevistados, apresenta o local em que as entrevistas foram realizadas — a maioria delas em solo surinamês, contudo parte das pessoas entrevistadas no Suriname também circulava pela Guiana Francesa, e vice-versa. Quanto ao percentual, 60% das entrevistas foram realizadas com mulheres; 36%, com homens; e 4%, com travestis/transexuais51.

50 As entrevistas registradas no gravador tiveram duração entre vinte minutos e duas horas.

51 Embora destacada a orientação sexual de três interlocutoras não será identificada a situação das demais pessoas

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Tabela 1: Total de mulheres, homens e travestis/transexuais brasileiros

entrevistados, e países/territórios onde foram feitas as entrevistas.

Locais pesquisados Entrevistas gravadas Total

Mulheres Homens Travestis

Suriname 31 24 1 56

Guiana 9 1 2 12

Guiana Francesa 3 1 - 4

Holanda 1 1 - 2

TOTAL 44 27 3 74

O grau de escolaridade das/os entrevistadas/os, é baixo. Entre os homens, dezessete frequentaram a escola, o menor período de frequência foi um ano e o maior, oito; dos dezessete, alguns afirmavam que não conseguiam ler muito bem, e normalmente apenas assinavam o nome; três não foram alfabetizados (Tabela 2). As mulheres apresentam grau de escolaridade ligeiramente superior, e três delas chegaram a entrar na universidade, mas apenas uma concluiu o curso; a maioria frequentou a escola entre 1 e 10 anos (37) (Tabela 3). Das três travestis/transexuais entrevistadas (que não constam em tabela), duas, ambas com 25 anos na época da pesquisa de campo, concluíram o ensino médio; uma (23 anos) estudou apenas até a 3ª série.

Tabela 2: Distribuição dos homens entrevistados segundo faixa etária e nível de escolaridade.

Faixa etária Escolaridade Total

Não alfabetizado

1ª à 4ª série 5ª à 8ª série Ensino Médio incompleto Ensino Médio completo 18 a 23 anos - - 1 2 - 3 24 a 29 anos - 1 1 - 2 4 30 a 35 anos - - 2 - 1 3 36 a 41 anos 1 2 2 - - 5 42 a 47 anos - 1 2 1 1 5 48 a 53 anos - 3 1 - - 4 54 a 58 anos 2 - - - - 2 Acima de 59 anos - 1 - - - 1 Total 3 8 9 3 4 27

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Tabela 3: Distribuição das mulheres entrevistadas segundo faixa etária e nível de escolaridade.

Faixa etária Escolaridade Total

1ª à 4ª série 5ª à 8ª série Ensino Médio incompleto Ensino Médio completo Ensino Superior incompleto Ensino Superior completo > de 18 anos - - 1 - - - 1 18 a 23 anos - - - - - - - 24 a 29 anos - 4 3 2 1 - 10 30 a 35 anos 1 8 2 - 1 - 12 36 a 41 anos - 7 1 - - - 8 42 a 47 anos 1 1 1 1 - - 4 48 a 53 anos 3 4 - 1 - 1 9 Total 5 24 8 4 2 1 44

A Tabela 4 mostra a atividade das/dos entrevistadas/os. Dezessete dos homens eram garimpeiros; os demais (10) exerciam outra atividade, e, destes, sete, em caso de necessidade, voltavam a trabalhar diretamente na lavra do ouro, ou seja, as atividades como ourives, motoqueiro, marreteiro, dono de máquina, taxista, proprietário de cabaré eram as principais apenas no momento da pesquisa — em relação aos três restantes, um trabalhava como educador social (entrevistado na Guiana Francesa), um era pastor e empresário (entrevistado na Holanda), e o outro, cabeleireiro (entrevistado no Suriname). Das mulheres, dezoito exerciam atividades domésticas; as demais exerciam atividades ligadas a empreendedorismo, ao comércio e ao trabalho do sexo. Algumas pessoas exerciam mais de uma atividade quando foram entrevistadas.

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Tabela 4: Distribuição das 74 pessoas entrevistadas, por ocupação.

Ocupação no momento da entrevista Total*

Garimpeiro 17 Cozinheira 12 Proprietária/o de cabaré (5 M / 1 H) 6 Manicure e pedicure 4 Sacoleira 3 Empregada doméstica 3 Dona de casa 3 Motoqueiro 3 Ourives 3 Marreteira/o (2 M / 1 H) 3 Cabeleireira/o 2 Vendedora de loja 2 Proprietária de restaurante/lanchonete 2 Trabalhadora do sexo 2 Proprietária/o de máquina 2 Proprietária de clube 1 Proprietária de cantina 1 Proprietária de loja 1 Gerente de cabaré 1 Promotora de eventos 1 Enfermeira 1 Garçonete 1 Educador social 1 Pastor 1 Empresário 1 Mecânico Taxista 1 1 Total 79

* O total das atividades exercidas é maior que o número de pessoas entrevistadas porque algumas, no momento da entrevista, exerciam mais de uma.

Das 44 mulheres entrevistadas, quinze migraram através de um clube de prostituição: quatorze para clubes no Suriname, uma para um clube da Guiana; 24 buscaram, inicialmente, trabalho em áreas relacionadas principalmente a serviços domésticos; e cinco migraram para trabalhar em cabaré no garimpo como trabalhadora do sexo ou gerente (Tabela 5).

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Tabela 5: Destino das mulheres ao sair do Brasil.

Locais pesquisados Destino das mulheres ao sair do Brasil Total

Prostituição em clube Prostituição fora do clube Outras atividades Suriname 14 4 13 31 Guiana 1 1 7 9 Guiana Francesa - - 3 3 Holanda - - 1 1 TOTAL 15 5 24 44

Todas/os as/os entrevistadas/os foram informadas/os que a pesquisa estava sendo realizada para uma tese do doutorado, mas, muitas vezes, pensaram que eu era geóloga52 ou

estudante de Direito (talvez pelo fato de que, no Brasil, é habitual chamar de doutor uma pessoa com formação em Direito, e ao ouvir a palavra doutorado faziam a associação). Quando ficava claro que ainda não haviam entendido o objetivo da entrevista, novamente era explicado que era um trabalho para a universidade, e muitas vezes isso serviu de incentivo para que a concedessem.

De modo geral, as entrevistas foram gravadas com fundo musical de forró, brega paraense, tecnobrega, sertanejo, brega romântico (estilo Reginaldo Rossi) ou de algum programa de TV da Rede Globo. Em relação à televisão, não havia um programa em especial sendo transmitido (algumas vezes, era um desenho animado), a questão era simplesmente deixá- la ligada53. No início da entrevista, perguntava às/aos entrevistadas/os se podiam desligar, e elas/eles apenas baixavam o volume, e percebi que era inútil tal solicitação: a televisão fazia parte da paisagem e da vida, algo impregnado ao cotidiano dessas pessoas, como se através dela estivessem no Brasil.

Algumas vezes, interlocutores disseram que se eu quisesse ganhar dinheiro, o Suriname era o lugar; teve um que insistiu para que lhe dissesse quanto a universidade pagava para realizar a pesquisa: queria fazer uma comparação com o quanto ganha uma mulher no Suriname, seja no mercado do sexo, seja como cozinheira de garimpo ou dona de restaurante. Segundo ele, não

52 Há relatos de que geólogos circulam nas áreas de garimpo para realizar análise de solo — segundo os

interlocutores, com o objetivo de descobrir áreas com potencial aurífero.

53 Quando eu chegava em um local no qual havia antena parabólica, a televisão estava ligada, muitas vezes sem

ninguém assistindo, fosse em Paramaribo, fosse no garimpo. A maior parte das entrevistas gravadas tem, ao fundo, o som da televisão, ou músicas, e isso, por vezes, dificultou o trabalho de transcrição, pois o volume estava muito alto e os interlocutores não se davam conta disso. Pedir para baixar o volume ou desligar (o que não faziam, apenas baixavam o som) era quase sempre necessário, mas em locais como restaurantes e bares, onde sempre tinha um cliente interessado na TV, isso não era possível (programas de televisão brasileiros são um atrativo a mais nos estabelecimentos comerciais frequentados por brasileiros).

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importava quanto a universidade pagava (não chegou a saber que não havia financiamento para a pesquisa), no Suriname era possível ganhar muito mais, uma vez que ali tinha todo tipo de meio de ganhar dinheiro, idealizando-o como o país das oportunidades; independentemente da formação ou do grau de escolaridade, mulher tinha oportunidade de trabalho — o mais importante era querer trabalhar e ter “cabeça” (ser esperta e responsável para guardar dinheiro, para retornar ao Brasil). Nesse contexto, as narrativas reforçavam a ideia, que muitos repetiam, de que no Suriname, diferente do Brasil, as mulheres têm chances de conseguir um trabalho remunerado e ascender socialmente, mesmo com baixa escolarização:

O campo [de trabalho], pra mulher, aqui é mais estreito, tem mais é pra homem. Mulher, aqui, uma grande parte delas vem pra cá pra se prostituir, né. Mas não é todas, porque aqui não tem só isso, aqui não tem só prostituição. […] Tem muito emprego na cidade, mas ninguém quer trabalhar aqui na cidade; elas preferem se prostituir porque acham que ganha mais. […] Eu não conheço nenhuma mulher que veio pra cá, pra trabalhar, que não conseguiu emprego. […] mas tem gente que não quer trabalhar, não fazem questão. Vai passando, elas vão vivendo do que elas acham bom, né, aí arruma um marido... Às vezes dá certo de arrumar um marido. [...] Brasil não é bom, né, para brasileiro. Aí, a gente não tem emprego, o grau de escolaridade baixo, e eu com o filho pequeno. E eu não tinha oportunidade... sem casa pra morar, sem nada. O que eu construí no Brasil foi com dinheiro daqui do Suriname, porque se eu não tivesse vindo pra cá, não tinha nada também [...]. Brasil é o lugar que a gente é brasileiro, mas é um lugar que, pra apoio pro cidadão, emprego, uma vida decente... o brasileiro de baixa renda não tem. Não tem. Todos os que vieram pro Suriname, que mora aqui, que gosta aqui do Suriname, todos pensam do mesmo jeito, porque muitos conseguiram a vida foi aqui. Vieram do Brasil, sofrido — como eu e como várias que eu conheço —, aí chegaram pra cá e a vida melhorou. Aí, não quer... vai fazer o que pra lá? Eu vou lá porque minha mãe e meus filhos moram lá, mas eu preferia morar aqui. (Giovana54, 38 anos, dona de loja de roupas, quatro filhos, entrevistada em

2011 no Suriname)

Os entrevistados não serão identificados, e isso sempre foi deixado claro na hora em que foram abordados, antes mesmo de dizerem o nome; aqui, terão sigilo sobre o nome, o apelido e outras informações pessoais55, e para facilitar o acompanhamento das histórias contadas e das

narrativas de cada um/uma serão utilizados nomes fictícios — embora muitos já usem nomes fictícios no Suriname: alguns homens têm um apelido, pelo qual são chamados por todos (alguns eram conhecidos apenas pelos apelidos); e as mulheres que atuam no mercado do sexo

54 Giovana será apesentada posteriormente.

55 Muitos interlocutores encontravam-se em situação administrativa irregular. Além disso, as profissionais do sexo

afirmaram, de modo geral, que suas famílias no Brasil não tinham conhecimento da real atividade que elas exerciam.

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costumam adotar outro nome, como explicou Marcelo56 (37 anos, garimpeiro, um filho, entrevistado em 2012 no Suriname): “No garimpo você não vê nome de Maria, você não vê nome de Joana; você só vê Cherry, só nome de artista. Não é o nome real, não fala o nome real. Nunca diz”. Alguns nomes de “guerra” foram assumidos pelas mulheres quando ainda estavam no clube, e, ao saírem dele, tenham ou não continuado na prostituição, o mantiveram, uma vez que era o nome pelo qual as pessoas de suas relações pessoais as conheciam.

No entanto, as instituições contatadas durante a pesquisa, ou com as quais houve conversa ou entrevista, serão nominadas: Embaixada do Brasil em Paramaribo, Georgetown e Haia (Holanda), a Adidância da Polícia Federal brasileira no Suriname e o Oficialato de Ligação da Polícia Federal Brasileira na Guiana. Em relação às instituições não governamentais, suas