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Mapa 06 Rota das embarcações apreendidas em 1835

2. O CEARÁ NA REPRESSÃO AO TRÁFICO DO ATLÂNTICO

4.3. O processo de arrematação de 1839

As informações a respeito da segunda distribuição dos africanos livres no Ceará foram baseadas no que se convencionou chamar, nesta tese, de Mapa de 1839; ou seja, no “Mappa dos Africanos livres arrematados no Ceará em 1839”. Publicado no jornal O Cearense, como suplemento ao número 1690, de 29 de julho de 1864.384 Assim como o Mapa de 1835 buscou fornecer informações dos africanos livres da província em virtude do Decreto nº 1303, de 28 de dezembro de 1853, que emancipou os africanos livres que serviram a particulares por 14 anos.385

Alguns detalhes específicos da distribuição de 1839 não foram possíveis recuperar. Não se sabe se todos os africanos, aqueles que ainda estavam vivos foram reunidos novamente. É pouco provável, já que as datas da arrematação de seus serviços presentes no Mapa de 1839 indicam dias e meses diferentes, dos anos de 1839-1840. Também não se sabe o local onde os africanos ficaram e por quanto tempo tiveram que esperar. Mas se sabe que, para empreender o novo processo, muitos conflitos foram gerados, principalmente, porque alguns locatários não quiseram entregar os trabalhadores que estavam sob sua responsabilidade. Estes foram obrigados a fazê-lo.

Um dia antes de passar a administração provincial, em 14 de fevereiro de 1839, o presidente Souza e Mello expediu uma ordem para que Francisco Gagnier entregasse na secretaria do governo o africano Thomas, que estava em seu poder.386 O motivo não foi

384 FBN. O Cearense, Fortaleza (CE), nº 1690, em 29 de julho de 1864. (Suplemento). Vixe Anexo K.

385 Decreto 1303, de 28 de dezembro de 1853. Declara que os Africanos livres, cujos serviços forão arrematados por particulares, ficão emancipados depois de quatorze annos, quando o requeirão, e providencia sobre o destino dos mesmos Africanos. In: Collecção das Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1853, p. 420.

386 BR.APEC.GP.CO.EX.ENC 37 (1837-1840). Ofício do secretário de governo do Ceará, Miguel Fernandes Vieira, a Francisco Gagnier, 14 de fevereiro de 1839, fl. 80.v-81.

declarado. Tampouco foi possível encontrar o nome de Thomas ou de Gagnier nos mapas de 1835 e 1839. Alguns meses antes, num ofício de 30 de outubro de 1838, o presidente indagava de quem ele teria recebido dois africanos que estavam com ele.387 Seu ofício indica

que estaria ocorrendo a transferência de africanos livres sem o conhecimento das autoridades e sem nenhum registro.

É provável que a postura de Souza e Mello em relação aos africanos livres tenha influenciado seu sucessor, João Antonio de Miranda, que, após alguns meses no governo, expediu diversas ordens para que os africanos fossem recolhidos.

Sua Exa. o Snr. Presidente da Provincia manda ordenar ao Snr. Antonio Jose de Medeiros que haja quanto antes de apresentar nesta Secretaria o Africano q’ individamente tem em seu poder.388

O argumento para se retirar o africano de Antonio José de Medeiros foi posse indevida. O que isto queria dizer? Que os serviços do africano livre que estava sob o poder de Medeiros não estavam regulamentados em contrato. A consulta dos termos de concessão destes trabalhadores a particulares devem ter indicado a ausência de registro. Também não há no Mapa de 1835 nenhuma referência a Antonio José de Medeiros. Já no Mapa de 1839 sob o número 134, aparece Francisco, de 20 anos, arrematado em 14 de outubro de 1840, pelo Dr. Antonio José M. O resto do sobrenome está ilegível. É provável que seja o mesmo. Mas no campo que indica o último arrematante está João Estevão Seraine.389 Este locatário também

não aparece no Mapa de 1835. Quanto ao nome Francisco, encontraram-se 04 africanos assim denominados em 1835 e 09 em 1839.

Alguns ilustres cidadãos do Ceará também teriam que entregar os africanos que estavam em seu poder, como José Martiniano de Alencar e João Facundo de Castro Menezes. Ambos, políticos de grande prestígio e que chegaram a ocupar o executivo provincial.

No Mapa de 1839 é possível encontrar os seguintes dados a respeito do processo de arrematação: o nome dos africanos; a idade; a data da arrematação; quem os arrematou, no caso, na primeira distribuição, em 1835; depois, quem foi o último possuidor constante no

387 BR.APEC.GP.CO.EX.ENC 40 (1838-1839). Ofício do presidente da província do Ceará, Manuel Felizardo de Souza e Mello, a Francisco Gagnier, 30 de outubro de 1838, fl. 206.

388 BR.APEC.GP.CO.EX.ENC 37 (1837-1840). Ofício do secretário de governo do Ceará, Miguel Fernandes Vieira, a Antonio José de Medeiros, 16 de agosto de 1839, fl. 95.v.

389 Como o documento se encontra com uma grande lacuna, devido ao seu péssimo estado de conservação, apresentando uma grande falha em seu centro, algumas partes se tornaram de difícil leitura. Inicialmente, transcreveu-se como Estevão Guiniere, mas, como não se encontrou nenhuma menção a este nome durante a pesquisa, é provável que o nome correto seja João Estevão Seraine, que exerceu a função de administrador das obras públicas entre os anos de 1837-39. Foi nomeado pela portaria de 21 de novembro de 1837.

livro de termo; quais estavam mortos, e, por fim, observações gerais, como por exemplo: mudança de nome; se tinha filhos e transferência de domícilio. É necessário dizer que parte do Mapa de 1839 está em péssimo estado de conservação. O que comprometeu principalmente a identificação de vários arrematantes.

A distribuição realizada abrangeu 142 africanos livres. 31 africanos a mais do que a de 1835. Um número bem próximo dos 160 que foram capturados. O que indica que parte daqueles que foram destinados as obras públicas também entraram no processo. Do processo, foi possível montar a seguinte tabela em relação ao gênero.

Tabela 09 - Número de africanos livres arrematados por gênero – Mapa de 1839

Gênero Total Percentual %

Masculino 89 62,68

Feminino 51 35,92

Ilegível 02 1,40

Total 142 100

Fonte: FBN. O Cearense, Fortaleza (CE), n° 1690, 29 de julho de 1864. Vide anexo 11.

Os números da tabela mostram que o carregamento apreendido em 1835 no Ceará tinha uma predominância masculina. Fato que não é novo, na verdade, é algo bastante conhecido pela historiografia do tráfico atlântico. Mas se ressalta que a quantidade de mulheres foi bem significativa, correspondendo a 35,92%. Quanto à idade, percebeu-se que os africanos eram em sua maioria jovens. Constatou-se que, os indivíduos que estavam na arrematação de 1835 possuíam a mesma idade em 1839.

Tabela 10 - Africanos livres por faixa etária e gênero – Mapa de 1839

Faixa Etária Gênero

Masculino Feminino Até 10 anos 01 11 – 20 anos 65 32 21 – 30 anos 20 17 Acima de 30 anos 01 01 Subtotal 86 51 Ilegível 05 Total 142

Fonte: FBN. O Cearense, Fortaleza (CE), n° 1690, 29 de julho de 1864. Vide Anexo K.

A mais jovem da lista era Rosa, de 06 anos de idade, que em 1835 estava aos cuidados de Anna America Senhorinha e passou a Manoel Francisco de Paula, em 27 de

setembro de 1839. Já entre os mais velhos estavam: Joanna, de 38 anos, cujos serviços foram arrematados em 18 de setembro de 1839. Seu primeiro locatário foi João Baptista da Silva Junior, enquanto o último não foi possível descobrir por estar ilegível. Joaquim, de 40 anos, dado a João Facundo de Castro Menezes em 02 de outubro de 1840. O espaço destinado à informação sobre o seu primeiro locatário estava em branco. Isso ocorria porque o africano não tinha passado pelo processo de arrematação legal em 1835. Assim, ele tinha sido apropriado indevidamente sem nenhum registro ou destinado às obras públicas.

Os dados acima mostram que, de forma geral, a maior parte dos africanos possuía entre 11 e 30 anos. Um carregamento jovem, que estava dentro da expectativa dos traficantes, já que 87 indivíduos estavam na faixa etária de 11 a 20 anos, a preferida pelos negociantes. Entre os homens, as idades com o maior número de representantes eram: 14 anos com 18; 13 anos com 09 e 15 e 20 anos, ambas com 08. Havia ainda, com 18 anos, 06 pessoas. A menor idade registrada para o sexo masculino foi 11 anos, com 04 registros, e a maior com 40 anos, como já mencionado. Para as mulheres, os dados são: 20 anos com 06; 13, 14 e 22 anos com 05 pessoas e 15, 17, 18 e 24 anos, todas elas com 04. A menor idade registrada foi de 06 anos, e a maior, 38, como já exposto.

A análise da faixa etária em relação ao gênero levou a concluir que, a maior parte dos homens se concentrou entre as idades de 11 a 20 anos. Em uma análise mais detalhada, entre as variáveis 13, 14, 15, 18 e 20. Aqueles que estavam acima de 20 anos corresponderam somente a 23,25% do total de homens arrematados. Em relação às mulheres, houve uma dispersão maior. Apesar de a maioria estar entre 11 e 20 anos também, nas variáveis 13, 14, 15, 17, 18, 20; aquelas que estavam na faixa acima de 20 foram bem significativas, com 35,29%. No total geral, os homens ficaram divididos entre 13 variáveis e as mulheres 17. Registrou-se separado os nomes que não foram possíveis identificar, por estarem ilegíveis ou por não constar, nem mesmo a tentativa de se comparar com o Mapa de 1835 produziu resultado.

Outra análise que foi realizada diz respeito aos nomes dos africanos. Os nomes mais recorrentes entre os 86 homens foram: João, 11 vezes; Francisco, 09; Joaquim, 05; Antonio, José, Manoel e Pedro, todos com 04. Destes 86, somente 20 não foram repetidos. Somente dois possuíam sobrenome ou um nome composto: Francisco Xiquinho, não consta sua idade e foi arrematado em 02 de outubro de 1840, por Jorge Acurcio e Silveira. Não consta o arrematante de 1835. O segundo é João Cangulo, de 20 anos, arrematado por João Facundo de Castro e Menezes, em 02 de outubro de 1840.

Segundo o dicionário Houaiss, Cangulo significa uma espécie de peixe encontrado no Oceano Atlântico e no Mar Mediterrâneo, “de até 50 cm de comprimento, corpo rombóide, comprimido lateralmente e revestido por escamas grandes e ásperas, boca pequena, dentes fortes, e coloração cinza-esverdeada com manchas de outras cores”. Mas também quer dizer o indivíduo que tem os dentes superiores muito projetados, o famoso “dentuço”. A origem da palavra parece vir do quimbundu Kangulu “leitão, porquinho”.390

João Cangulo teria associado o nome cristão que recebeu após ser escravizado com o utilizado na África por seus parentes e amigos? Seria uma demonstração de resistência cultural ou teria recebido este nome simplesmente por ser “dentuço”?

Os nomes mais utilizados para as 51 mulheres foram: Catharina, 06 vezes; Joanna, 08; Maria, 06; Marianna, 05, e Rosa, 05. Do total considerado, 13 nomes não se repetiram. Nenhuma foi registrada com nome composto ou sobrenome. Mas foi entre as mulheres que se encontrou uma valiosa informação. Catharina, de 20 anos, cedida ao padre José Ferreira Lima Sucupira, em 09 de setembro de 1839. Aos serviços do padre Sucupira, deixou de ser Catharina e passou a ser Faustina. Para ela, é possível que a mudança tenha sido bem-vinda, já que o seu antigo nome, dado por seus captores, estava permeado por memórias de violências, dor e separação. Forçada a viver distante de sua terra natal, de parentes e amigos, e obrigada a construir uma nova vida, de se reinventar, a construção de uma nova identidade passava sem dúvida pelo nome. Enquanto era Catharina, dividiu o mesmo nome com outras 05 africanas, mas, ao se chamar Faustina, ela foi única.

Quanto ao período da arrematação, houve registros entre os anos de 1839 e 1841. Mas isso não quer dizer que durou todo esse tempo. O primeiro registro ocorreu em 09 de setembro de 1839, com a locação dos serviços de Catharina (ou Faustina), ao padre José Ferreira Lima Sucupira e o último em 03 de setembro de 1841, de José, de 13 anos, que retornou para as mãos do cirurgião Francisco José de Mattos, seu antigo “protetor”, que tinha sido obrigado pelo governo a entregá-lo, por estar de saída da capital.

390 HOUAISS, Antonio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 1. Ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, p. 386.

Tabela 11 - Registros da distribuição dos africanos livres – Mapa de 1839

Mês / Ano Gênero

Masculino Feminino Ilegível

Setembro – 1839 62 45 02 Outubro – 1839 02 Novembro – 1839 02 01 Dezembro – 1839 03 Outubro – 1840 23 Novembro – 1840 01 Setembro – 1841 01 Subtotal 89 51 02 Total 142

Fonte: FBN. O Cearense, Fortaleza (CE), n° 1690, 29 de julho de 1864. Vide Anexo K.

Os números indicam que a parte principal da segunda distribuição dos africanos livres ocorreu em setembro de 1839. Foram 62 homens, 45 mulheres e 02 pessoas cujos nomes não foram identificados, no total de 109 indíviduos que tiveram seus serviços contratados por particulares. A primeira a ser arrematada foi Catharina (ou Faustina), em 09 de setembro de 1839, como já foi dito anteriormente. Foi a única neste dia. No dia 17, foram mais 16, 03 homens e 13 mulheres. No dia seguinte, outros 15, mas desta vez só mulheres. No dia 19, chegou a ocorrer a maior distribuição, 23, sendo 16 homens e 07 mulheres. Entre os arrematantes, estava João da Rocha Moreira, o responsável pela distribuição de 1835, que ficou com Emiliana, de 13 anos, que anteriormente serviu a Manoel Moreira da Rocha. O sobrenome semelhante parece indicar que seriam parentes. Teriam eles feito algum acordo para que a africana permanecesse servindo a família? No dia 20, foram mais 16, com o predomínio do número de homens em relação às mulheres, 14 a 02, respectivamente. E o processo continuou no dia 23, com 13 homens e os dois não identificados. Já no dia 24 foram 08, agora, só do sexo masculino. No dia 26 foram registrados 08, 05 africanos e 03 africanas. O dia 27 foi o último do mês de setembro a ter distribuição: 07 indíviduos, 03 homens e 04 mulheres.391

A opção por realizar o detalhamento das datas de concessão dos africanos livres não é à toa. Ao se utilizar a imaginação histórica para tentar visualizar a cena de como teria ocorrido a distribuição, vem à mente o trânsito destes sujeitos nas ruas da cidade e o vai-e- vem de pessoas, locatários, funcionários e curiosos, na secretaria do governo e em suas proximidades. O burburinho que deve ter sido produzido por cena tão incomum na cidade.

Locatários indignados com a perda dos africanos, enquanto outros iam aliviados fazer o registro de manutenção dos serviços. Ainda tinha aqueles que ficaram felizes, pela possibilidade de adquiri-los. Fortaleza viveu dias de cidade negreira. Muito aquém de Recife, Salvador e Rio de Janeiro, diga-se de passagem, mas sem dúvida, toda aquela movimentação e algazarra produzida foram estranhas à paisagem da cidade.

Apesar de a maioria ter sido distribuída em setembro, ainda houve arrematação nos três meses seguintes. Em outubro foram 02 africanas. Já em novembro, 02 homens e uma mulher. Dentre os africanos estava Miguel, de 20 anos, o único concedido a José Martiniano de Alencar em 1839. Na verdade, este foi o único entre os que estavam anteriormente em seu poder que lhe permitiram ficar. Isto porque ele resistiu em entregar os sete africanos que estavam em suas mãos. Estes tinham sido apropriados por ele quando resolveu distribuí-los a cidadãos de Fortaleza com elevado espírito de “filantropia e caridade” em 1835. O governo tomou conhecimento que vários africanos ficaram sem registros, dentre eles, os de Alencar. Por isso resolveu fazer um novo processo de concessão baseado no Decreto de 1835.

No mês de dezembro foram arrematadas mais 03 africanas. A concessão em 1839 foi até o último dia do ano, quando Joanna, de 25 anos, que, em 1835, ficou sob os cuidados do alferes João Domingos Torres, passou a Felippe Rodrigues dos Santos. Ela foi a última mulher a ter seus serviços adquiridos por um particular neste processo de concessão.

Em 1840, os registros da distribuição apontam os meses de outubro e novembro. Em outubro, foram 23 africanos no total. Só no dia 02 foram 10. Chama atenção o fato de que a metade desses indivíduos foi associada a um único locatário, João Facundo de Castro Menezes. Mas isso não foi por acaso. Major Facundo, como ficou conhecido, assumiu o governo logo após a saída de Francisco de Sousa Martins da administração provincial, em 09 de setembro de 1840 e ficou até o dia 20 de outubro. Como o processo de arrematação dependia do aval do presidente, não encontrou dificuldades para se autobeneficiar.

No executivo provincial, Major Facundo usou seu poder para favorecer também seus aliados, o mais importante deles, José Martiniano de Alencar. Dos 08 africanos registrados em 05 de outubro de 1840, 06 estavam em seu nome. Estes eram os mesmos africanos que ele tinha sido obrigado a devolver no governo de João Antonio de Miranda, em 12 de outubro de 1839, e que, por ordem do ministro da justiça, Francisco Ramiro d’Assis Coelho, de 14 de dezembro de 1839, foram restituídos em 1º de abril de 1840.

No verso do Aviso do ministro da justiça ao presidente da província do Ceará, de 14 de dezembro de 1839, mas recebido só em 26 de março de 1840, há uma indicação a lápis

feita pelo governo de que os contratos dos serviços dos africanos livres destinados ao senador Alencar foram realizados em 1º de abril de 1840. Então, por que foram registrados somente em 05 de outubro de 1840? A tentativa de se buscar compreender o lapso temporal entre os períodos de arrematação, de quase um ano, entre 1839 e 1840, levou a alguns questionamentos: os africanos distribuídos em 1840 já estariam nas mãos do governo desde 1839? Se sim, qual o destino dado a esses sujeitos? O entendimento inicial era de que alguns concessionários ainda não tinham realizado a entrega. Mas o caso daqueles ligados a Alencar aponta para outra possibilidade também: de que eles estavam sob os cuidados do governo (ou utilizados por ele) enquanto esperavam por um locatário; ou que já tinham sido distribuídos, mas que ainda não estavam registrados. Fica claro que tanto o Mapa de 1835 como o Mapa de 1839 não trazem a verdade absoluta sobre o real processo de concessão dos serviços dos africanos livres. Os números ali contidos possibilitam o acesso a uma realidade plural, que estava longe de ser estática, parada, uma cópia fiel dos acontecimentos, como os números poderiam levar a crer. O processo real só pode e deve ser compreendido em sua plenitude se confrontado com a dinâmica social que envolvia os sujeitos ali retratados.

Não foi possível realizar uma análise detalhada da quantidade de africanos livres por concessionário no Mapa de 1839. O seu péssimo estado, que possui uma enorme falha em sua parte central, afeta a identificação dos nomes de muitos locatários, o que inviabilizou qualquer tentativa de mapeamento mais sistematizado. De forma geral, percebeu-se que enquanto o processo de locação dos serviços dos africanos livres esteve nas mãos do presidente João Antonio de Miranda (assumiu o governo em 15 de fevereiro de 1839 e saiu em 03 de fevereiro de 1840), houve uma preocupação em não permitir a concentração destes nas mãos de poucos locatários. A grande parte dos concessionários recebeu um único africano. Em 1839 foi possível contabilizar 46 arrematantes, 44 homens e 02 mulheres, nesta condição.

Os números apresentados acima não são precisos. Levou-se em consideração apenas os nomes que estavam completos, portanto, identificáveis, e aqueles em que, mesmo parcialmente ilegíveis, foi confirmado por outras fontes. Não se descarta a hipótese de que alguns desses locatários possam ter adquirido mais de um africano. Alguns registros, mesmo cheio de lacunas (em alguns casos apresentando apenas algumas letras dos nomes ou sobrenomes), devido à deteriorização da fonte, indicam esta possibilidade. Apesar disso, e da amostra não representar 50% do total distribuído em 1839, os números indicam a tendência em dispersar os africanos entre vários concessionários. Neste sentido, o único caso,

perfeitamente identificável na fonte em que um locatário durante a administração de João Antonio de Miranda recebeu mais de um africano foi o do padre José Ferreira Lima Sucupira, que ficou responsável por Catharina (ou Faustina), de 20 anos, e Pedro, de 13. Lima Sucupira chegou a ocupar o cargo de curador dos africanos livres na década de 1840.

Os locatários que mais receberam africanos livres foram major Facundo, com 06, e o senador Alencar, com 07. Como revelado anteriormente, a concessão ao primeiro, foi realizada no curto período de dois meses em que assumiu a administração provincial. Mas foi tempo suficiente para beneficiar a si próprio e a seus amigos com a mão de obra destes indíviduos. Por exemplo, foram destinados a João José Saldanha Marinho, em 02 de outubro de 1840, dois africanos, Francisco, de 24 anos, e Manoel, cuja idade não consta no mapa. Já Manoel Franklin do Amaral, em 1839, havia recebido Luisa, de 25 anos, e, em 10 de novembro de 1840, na segunda administração de Alencar (de 20 de outubro de 1840 a 06 de abril de 1841) foi agraciado com mais um, Angelo, de 16 anos.

A regulamentação de todo esse processo de concessão que foi descrito estava no Decreto de 1835, que deveria ocorrer da seguinte forma:

4ª. A distribuição dos Africanos far-se-ha, annunciando-a o Juiz oito dias antes pelo menos, pelas folhas publicas, ou, onde as não houver, por editaes, a fim de poderem concorrer as pessoas que os pretenderem; as quaes, em requerimentos que devem apresentar, declararáõ: 1º, o seu estado, e residencia; 2º, o emprego, ou occupação de