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Processos históricos da luta pela terra: os limites do humano

2 CONFLITOS, VIOLÊNCIAS E TERRITORIALIDADE: A RESISTÊNCIA GUARANI E KAIOWÁ

2.3 Processos históricos da luta pela terra: os limites do humano

A violência ameaçada na carta da FAMASUL é uma constante na história agrária do Brasil. Ela esteve presente desde o início da colonização e compreende, segundo Iani (1984, p. 187), três fases da organização do capital, que passam pela acumulação original, a fazenda e a empresa agro-industrial.

Nestas formas de organização do capital, que não são lineares, mas coexistentes, as populações indígenas sofrem a usurpação de seus territórios e, no lugar da produção segundo seus usos e costumes, instaurou-se outra ordem econômica, portadora de uma racionalidade alheia, a ocidental, com a qual têm que lidar, resistindo, fugindo, se submetendo ou perecendo.

A partir do século XV, as colônias se caracterizaram em fonte de abastecimento de matérias primas e trabalho de baixo custo, que colaborou no processo de acumulação primitiva do capital na Europa. No período inicial da colonização, as reservas de riquezas naturais engrossaram os cofres europeus. Este movimento não parou em momento algum.

Tendo como referência o Brasil, as frentes de expansão do capital, a partir da Europa, se deslocam em direção ao litoral brasileiro, primeiro com o extrativismo, depois com as plantações de cana para a produção de açúcar, no nordeste brasileiro, daí para a produção de café no centro-oeste paulista, para a região amazônica, para o norte paranaense, para Mato Grosso e para a região do atual Mato Grosso do Sul, antigo sul do Mato Grosso.

Esse é um movimento que os economistas e historiadores chamam de frentes de expansão do capital, um processo relacionado à lógica do movimento contínuo do capitalismo, da forma como Marx o explicita em seus escritos. Na lógica expansionista, o capital está sempre se lançando sobre novas fronteiras. Nesse sentido, as fronteiras geográficas são o espaço onde temporalidades diferentes se entrecruzam.

Martins (1997), ao analisar processos históricos de luta pela terra no Brasil, diferencia a frente de expansão da frente pioneira, sendo a primeira um movimento espontâneo de busca de novas terras e a segunda um plano organizado de ampliação de territórios. Em algumas situações, segundo o autor, a frente pioneira se coloca adiante da frente de expansão, diretamente em contato com as populações indígenas. A coexistência de ambas na “situação de fronteira” dá a “dimensão de conflitos por distintas concepções de destino” ou “distintos projetos históricos”.

No caso de Mato Grosso do Sul, a noção de frentes de expansão é utilizada para pensar processos econômicos e sociais relativos às sucessivas levas de migrantes que chegam ao estado, avançando sobre as terras indígenas (BRAND, 1998). A esse respeito, no relatório de perícia para o reconhecimento da terra indígena de Nhanderu Marangatu, os peritos analisam narrativas que atestam que:

...a disputa pela terra envolveu três segmentos: índios Kaiowa, posseiros pobres e pretendentes à posse de grandes extensões de terra. Este último segmento, por sua vez, subdividia-se entre aqueles pretendiam realizar a ocupação efetiva com atividades agropecuárias, como Pio Silva, e os que pretendiam requerer grandes áreas para a especulação imobiliária, como Milton Corrêa, conforme sugere os dados levantados. Neste cenário regional, os Kaiowa de Marangatu teriam sofrido a primeira tentativa de expropriação da terra por parte dos posseiros pobres, os quais chegaram antes dos grandes requerentes.

Os posseiros pobres, ao que tudo indica, dispunham de poucos recursos e ocuparam apenas algumas pequenas áreas. Isto permitiu que os Kaiowa permanecessem no local, mesmo desenvolvendo uma convivência tensa e tendo de se acomodarem a essa nova situação sócio-histórica. Entretanto, a chegada de Milton Corrêa teria modificado rapidamente o cenário local. Munido de papéis legais e da influência sobre políticos da região e mesmo sobre eventuais forças policiais, ele teria desalojado os outros dois segmentos, posseiros e índios, expulsando-os da terra. (OLIVEIRA; PEREIRA, 2009, p. 77).

As frentes de expansão se concretizam em várias ondas e assumem formas econômicas variadas, seguindo uma nova lógica de exploração de recursos, com temporalidades diferenciadas. O tempo histórico do Guarani e do Kaiowá, que planta para alimentar a família, é diferente de um camponês que desenvolve uma agricultura de excedentes e este, por sua vez, é diferente do capitalista que implanta uma empresa agropecuária, mas recorre a pistoleiros para matar os índios que o impedem de realizar o seu tempo.

Para aqueles que fazem parte do que Martins (1997, p. 162) chama de sociedade de fronteira, ela aparece como limite do humano. “A fronteira é a fronteira da humanidade”. Nesse sentido, para este autor, os aspectos econômicos ganham uma dimensão secundária.

Essa noção é bastante apropriada para pensar os processos de expansão econômica em Mato Grosso do Sul. É possível pensar as diversas frentes como ondas civilizatórias. Num processo temporal mais longo, pode-se incluir a chegada dos europeus, que promoviam a frente de expansão sobre o território indígena. Nessas terras, na percepção deles, estava o não- humano. Documentos históricos da época dos viajantes e dos jesuítas mostram o contato das temporalidades diversas, com cores fortes destacando a trama, fabricada no imaginário europeu, a respeito da parca humanidade dos nativos. No sul, o estabelecimento das missões jesuíticas se caracterizaria, nessa perspectiva, em uma frente de expansão, iniciada através do projeto de humanizar o que era visto como não humano. A esse respeito, Rengger (2010) menciona:

En el Brasil los guaranies fueron, por decirlo asi, destruídos por los portugueses. Éstos los cazaban como a bestias salvajes para venderlos como esclavos y para hacerlos trabajar en las minas. Quando no pudieron encontrar más em sus propias posesiones incursionaram en território español y se llevaron a millares de guaranies que vivian bajo dominación española o jesuítica en los pueblos de las províncias del Guairá y del Paraguay.12

No final do século XIX iniciou-se uma frente de expansão baseada na exploração dos ervais e laranjais nativos, para a exportação da erva mate e de essências. Os Guarani e Kaiowá foram os trabalhadores utilizados nessa frente. Seus netos trazem, hoje, as narrativas acerca das longas jornadas de trabalho, do peso dos fardos de erva transportados nas costas e do quase nada que recebiam por este trabalho: algumas roupas, alguns alimentos, algumas ferramentas. Esses relatos foram registrados em pesquisa realizada por estudantes do Teko Arandu.

12 Rengger, J R. Viaje al Paraguay em los años 1818 a 1826. No prelo. Acesso ao documento no Curso de

Etnohistória promovido pela FCH/UFGD. Etno-história dos Guarani-falantes. Curso de extensão. UFGD, Dourados, abril de 2010.

Brand (1998) lembra que essa atividade não exigia a posse da terra. Essa situação mudou no início do século XX com o estabelecimento das fazendas de gado. O adensamento da frente de expansão aconteceu a partir da década de 40, com os programas governamentais para a povoação das fronteiras. Naquele momento, o conflito passa a se dar pela posse da terra.

Até o início do século XX essa ocupação era incipiente e os ocupantes se dedicavam às funções extrativistas, como a promovida pela Cia Matte Laranjeira, que explorava os ervais nativos. O número dos ocupantes foi aumentando a partir da metade do século XX e a devastação promovida por estes também. A política governamental de ocupação e colonização das terras das fronteiras incentivou fortemente a presença dos colonos, através das Colônias Agrícolas e concessão de terras para a exploração de madeira nativa. A temporalidade de cunho racional legal se manifesta a partir do confinamento dos índios em reservas, liberando o restante das terras para a posse por parte dos fazendeiros. A intenção de ocupação do território com acomodação de conflitos, através de medidas de cunho administrativo, fica clara nessa ação.

Essa estratégia foi utilizada pelo Estado em relação aos conflitos agrários em diversos pontos do país, como no sul, com incentivo para que os pequenos proprietários se deslocassem para a Amazônia e para Mato Grosso e, no Nordeste, a partir da SUDENE (Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste), com a intenção de deslocar as populações rurais para o território amazônico.

Para o índio, que presencia a chegada do estranho em sua terra e sofre a violência decorrente dessa entrada, não se trata apenas de se deparar com outra humanidade, mas também em rearranjos de sua espacialidade, repercutindo em suas formas de relação, com aqueles que chamam de branco, mas também com outros povos indígenas, amigos ou inimigos. Muito antes dos colonizadores se apropriarem das terras nas fronteiras, os povos indígenas, conhecedores de suas presenças em locais próximos ou mais distantes, empreenderam seus deslocamentos, ampliando suas áreas territoriais, empurrados em direção a novas fronteiras, que eram estabelecidas pelo movimento contrário, do lado de lá dos limites. O mesmo acontece com a população rural, quando se dá o deslocamento espontâneo decorrentes da saturação da terra. Entretanto, quando não há mais alternativa, diante da pressão, acontecem os conflitos. Neste sentido, segundo Martins (1997, p. 178), a frente de expansão é constituída por populações ricas e pobres.

Por se dar em uma seqüência temporal de longa duração, em que esse processo acontece como ondas, populações pobres são as que primeiro se deslocam em busca de

lugares que ainda permitem o acesso à terra não transformada em mercadoria. Neste sentido, são as que primeiro se defrontam com as populações nativas, mas em um momento em que o conflito não adquire grandes proporções. Quase sempre acontece um processo de “acomodação” entre estas populações, no qual as temporalidades se adaptam.

Ao se concretizar condições mínimas de infra-estrutura, que no Brasil foram e continuam sendo asseguradas pelo Estado, o capital passa a se interessar por estas novas áreas abertas. Do ponto de vista financeiro, é necessário que os custos sejam viáveis para a produção e isso representa presença de mão de obra, estradas para escoamento da produção, incentivos fiscais para a produção, instalação de políticas públicas para a reprodução da força de trabalho. Neste sentido, é indispensável um projeto político governamental para o desenvolvimento de uma determinada área, em consonância com a presença de fortes investimentos estatais e privados.

Trata-se de um projeto de colonização, em que a permanência das populações indígenas na luta pela terra são bons indicadores sociais dos níveis de avanços do capital sobre novas áreas. Até o presente, estas populações foram sendo transferidas dos locais que habitavam, colocadas em reservas, ou se deslocaram para locais mais distantes. De norte a sul do Brasil, de leste a oeste, a presença massiva do não-índio esteve ligada à conquista do território, através de percursos que não aconteceram sem lutas. Enquanto tinha terra e matas era possível ir mais além, buscar novas fronteiras. Essas lutas não ficaram registradas e as presenças dos povos indígenas nos locais que passaram a ser ocupados pelos não-índios não entrou na história oficial, exceto pelos nomes de cidades, pela culinária. Só atualmente começam a ser desvendadas pela História e pela Antropologia, ainda de maneira fragmentada. Otavio Ianni (1984), em “Origens Agrárias do Estado Brasileiro”, descreve o processo de passagem da economia rural no Brasil para uma economia agro-industrial. Tomando como espaço de pesquisa a região de Sertãozinho, estado de São Paulo, ele estudou os efeitos sociais provocados pela implantação das usinas de açúcar e álcool naquela região, na qual os pequenos produtores foram transformados em trabalhadores assalariados e, em uma fase posterior, em trabalhadores temporários. Não são somente as relações trabalhistas que mudam nesta circunstância; elas vêm acompanhadas de toda a racionalidade da produção capitalista, instaurando relações sociais e necessidades que se pautam por novos códigos.

Entretanto, no momento histórico estudado por esse autor, as populações nativas não estão mais presentes nesse território que, em algumas décadas, passou a ser ocupado por pequenos agricultores e, seqüencialmente, a ser incorporado pelo grande capital. Com isso a população que se dedica à economia de produção de valor de uso fica à mercê de novas

formas de relações trabalhistas, baseadas na mercadoria. É necessário entender esse processo para refletir o cenário de luta pela terra em Mato Grosso do Sul nas últimas décadas e dar ênfase aos acontecimentos a partir de 2007. Há que se considerar que os processos de transformação econômica, nesse estado, vêm de longa dada, no bojo de um projeto colonialista, cujas manifestações neocoloniais continuam até o presente.

O processo de colonização não se apresentou para os Guarani e Kaiowá, de início, como um perigo, pois a terra era muita e os brancos eram poucos. Até o início do século XX essa ocupação era incipiente e os ocupantes se dedicavam às funções extrativistas, como a promovida pela Cia Matte Laranjeira que explorava os ervais nativos. O número dos ocupantes foi aumentando a partir da metade do século XX e a devastação promovida por estes também. A política governamental de ocupação e colonização das terras das fronteiras incentivou fortemente a presença dos colonos, através das colônias agrícolas e concessão de terras para a exploração de madeira nativa.

O Serviço de Proteção ao Índio (SPI), criado em 1910, no período de 1915 a 1928 estabeleceu oito reservas indígenas em Mato Grosso do Sul, distribuídas pelos municípios de Dourados, Caarapó, Amambai, Tacuru, Coronel Sapucaia, Japorã e Paranhos. São porções territoriais insuficientes para a reprodução das condições de existência próprias dos Guarani e Kaiowá. (PEREIRA, 2003; SILVA, 2005).

A Reserva Indígena de Dourados é exemplo do impacto que a presença do branco colonizador provocou. A reserva, criada pelo SPI em 1928, tem a extensão de 3.600 hectares e nela vivem, atualmente, cerca de 13.000 indígenas, das etnias Guarani, Kaiowá e Terena.

Nesse contexto, com uma densidade demográfica altíssima para os padrões de ocupação dessas etnias, as condições de reprodução material e cultural estão fortemente comprometidas. O cotidiano é vivenciado a partir da violência, da desnutrição, dos suicídios e outras experiências inaceitáveis.

Os Guarani e Kaiowá estão restritos aos pequenos territórios que têm para viver, o que foge completamente à dinâmica de ocupação territorial tradicional. Isso tem provocado transformações culturais em ritmo acelerado e novas configurações das relações sociais, tanto no âmbito interno quanto externo. Nesse contexto, emergem sujeitos sociais que até então não existiam na configuração tradicional e surgem novas relações de poder. Isso apresenta um campo fértil para entender qual é a dinâmica das relações sociais que envolvem os jovens Guarani e Kaiowá e como suas comunidades e eles próprios lidam com os desafios colocados na contemporaneidade, que dizem respeito às fronteiras com o capital cultural e material da sociedade branca.

Um exemplo forte desse contexto é o vivido pelos Kaiowá da Aldeia do Panambizinho, que tinham em Pa’i Chiquito Pedro seu Nhanderu.. Pa’i é o nome dado pelos Kaiowá aos seus líderes espirituais. Uma mulher Kaiowá, professora, explicando a classificação dos nhanderu (nhande ru – nosso pai), disse que a posição hierárquica ocupada por um Pa’i seria equivalente à do papa.

Esse grupo ocupou, no passado, uma vasta extensão de terra na região onde hoje fica o distrito do Panambizinho, município de Dourados, MS.

Entretanto, foram fortemente atingidos pela política de territorialização desenvolvida pelo governo de Getúlio Vargas, de colonização das fronteiras nacionais. Neste período, as fronteiras com o Paraguai, Argentina e Bolívia foram consideradas áreas de prioridade para povoamento. A política governamental desconsiderava a ocupação efetiva dos povos indígenas no território e entendia que a integração dessa área ao território nacional somente seria efetivada a partir do estabelecimento de colonos. As colônias agrícolas representaram uma política de estabelecimento de pequenas propriedades para a ampla ocupação territorial.

Com a implantação da Colônia Agrícola de Dourados (CAND), a área que os Guarani e Kaiowá ocupavam na região acima mencionada foi loteada em porções de 30 hectares e vendida para colonos.

Pa’i Chiquito Pedro e seu filho ficaram em dois lotes, onde abrigaram os Kaiowá que habitavam as proximidades. Imagens em vídeo, de documentário feito pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), mostram a situação de precariedade que enfrentaram no espaço diminuto de 60 hectares que ocupavam (Vietta, 2007). Vários documentários, teses e outros escritos registram a luta dos Kaiowá do Panambizinho para recuperar suas terras (VIETA, 2007; MACIEL, 2005). Na década de 1940, os índios entraram com uma ação na justiça para retomada de suas terras e, nas décadas seguintes, seguiram lutando para o reconhecimento, demarcação e homologação de suas terras. A retomada somente aconteceu em 2004, quando o Governo Federal decretou a homologação de 1.200 hectares do que eram suas terras originais.

Nesse ínterim, havia se estabelecido naquelas terras uma forma de agricultura bastante distinta daquela praticada pelos Kaiowá e o território no Panambizinho apresentava-se totalmente prejudicado do ponto de vista da organização social tradicional. A terra nua que os Kaiowá recebem não lhes parece melhor por vir com as casas construídas pelos colonos; o capim colonião e braquiaria que ocupam o solo sem árvores logo se tornam motivo para os brancos alardearem que os índios não merecem a terra que retomaram porque não a cultivam. (MACIEL, 2005).

A falta de madeira, de animais para caça e o solo modificado pela prática da agricultura intensiva são problemas com os quais os índios seguem lidando, de várias formas. Além de serem atingidos em aspectos básicos de sobrevivência, a modificação no ambiente e a extinção de determinadas espécies vegetais e animais no local inviabiliza a reprodução de práticas culturais. Um exemplo é o kunumi-pepy, ritual de furação do lábio inferior que acontece quando o menino (kunumi) Kaiowá adquire a maturidade (isso por volta dos doze anos de idade). No ritual são utilizados o tembetá (vareta de resina de madeira específica que se insere no furo labial), o apyka (banco no qual o menino se senta no período que fica recluso) e alimentos específicos, como o milho branco considerado sagrado (avati morotı̃).

No caso da reserva de Dourados, várias etnias foram alocadas no mesmo espaço: Kaiowá, Guarani e Terena. Estes últimos, com um histórico de proximidade maior com os colonizadores, eram vistos como facilitadores do processo de civilização dos Guarani e Kaiowá.

Brand (1998) lembra que, ao confinar essa população nesses espaços, fortemente fiscalizados pelo SPI, liberou-se a ampla extensão de terra para a exploração e apropriação por parte dos brancos. A partir de 1980, a economia agrária direciona-se para o plantio de soja. Em 2005, a partir da retração no mercado de soja e de exportação de carne in natura, os fazendeiros sulmatogrossenses aderem à proposta nacional de expansão do setor de biocombustíveis e a economia agroaçucareira começa a se expandir em Mato Grosso do Sul.

A economia agroindustrial açucareira se constituiu, a partir desse momento, em frente de trabalho que utiliza mão de obra indígena de forma cada vez mais ampla. O trabalho na usina tem ocupado grande número de integrantes dos Guarani e Kaiowá, principalmente os jovens, mais resistentes ao trabalho e com maior força física. Neste aspecto temos relatos que apontam para o abalo na organização familiar que esse tipo de trabalho provoca, na medida em que os membros da família ficam muito tempo longe da aldeia e de suas casas.

Cada vez mais utilizados para o trabalho nas usinas, os Guarani e Kaiowá são envolvidos, de forma cada vez mais sistemática, nas relações próprias do capital. Mudados os modos próprios de produção, os postos de trabalho nas instituições instaladas nas aldeias, como escola e FUNASA (Fundação Nacional de Saúde), são poucos. Ser professor ou agente de saúde é o horizonte possível e cargos de trabalho mais constantes, melhor remunerados e que conferem maior prestígio. Entretanto, são ofertados em número reduzido e sua ocupação se dá em uma determinada lógica. Tonico Benites (2009) aponta para a ocupação desses cargos por parte dos membros das famílias com maior prestígio, político/econômico ou religioso, e afirma que é motivo de disputas internas intensas. Por outro lado, são muitos os

professores que, embora estejam atualmente em sala de aula, relatam ter passado pelo trabalho na cana de açúcar.

Edimar Araújo, jovem kaiowá, professor da aldeia Te’ýikue, Caarapó, estudante do