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Produtores de marketing são agentes importantes na criação, na disseminação e no reforço de significados culturais (MCCRACKEN, 1986; PEÑALOZA e GILLY, 1999). Portanto, o estudo do lado dos produtores pode ser importante na compreensão da adaptação dos significados culturais das marcas aos diferentes consumidores e grupos de consumidores, assim como na compreensão do consumo entendido de forma mais ampla.

Em um dos estudos que busca esse entendimento, Kover (1995) procura desvendar as “teorias implícitas” que os profissionais de criação de agências de publicidade usam para desenvolver seu trabalho. Sua análise mostrou que essas “teorias” em muito se diferem das teorias desenvolvidas pela academia, o que indica diversos novos caminhos e abordagens de investigação para as próprias teorias acadêmicas sobre os consumidores. Entre essas “teorias”, verificou-se que os profissionais de criação operam por um processo em que buscam o “rompimento de barreira” e a “conexão” com o consumidor, em uma simulação mental, para só então definir a forma das peças publicitárias. Nenhuma relação com teorias sobre atitude ou processamento de informações estava presente no processo criativo.

Kates e Goh (2003) mostram que os significados de marca podem mudar por meio das diferentes fronteiras entre grupos sociais, comunidades e nações, isso ocorrendo com alguma influência dos produtores de marketing, que algumas vezes compreendem a pluralidade da diversidade cultural. Procuram, portanto, entender os significados e as práticas dos produtores de

marketing que encorajam a acomodação, o reforço e a criação de significados

culturais distintos entre os diferentes grupos de consumidores de uma marca. Um dos problemas dessa questão é que os consumidores, muitas vezes, derivam significados diferentes daqueles que os produtores de marketing intencionam produzir. Diferentes tipos sociais de consumidores constroem significados variados conforme sua história pessoal, variáveis sociais,

contextos de consumo e estruturas de referência, habilitando-os a cocriarem os significados das marcas com os produtores de marketing (MUÑIS e O’GUINN, 2001). Em função disso, os métodos tradicionais de segmentação e posicionamento, que pressupõem uma relativa estabilidade das percepções e dos significados dos consumidores sobre uma marca em relação a alternativas concorrentes, podem não dar conta de forma efetiva da polissemia e da instabilidade das categorias sociais contemporâneas. Como afirmam Kates e Goh (2003, p.59), essa questão “é crítica para a realização de consistência estratégica no coração da mensagem publicitária”.

Em sua pesquisa, os autores identificaram três tipos de adaptação da marca a diferentes culturas nacionais. Um é a customização uniformizada, que representa um nível mais raso de adaptação. Outro é a mudança do

posicionamento da marca. E o nível mais radical é a criação de “novo” significado em um mercado estrangeiro. No âmbito deste projeto, cabe verificar

que tipos de adaptações das marcas os produtores de marketing fazem para os diferentes grupos de consumidores, dentro de uma mesma cultura nacional, mas para diferentes grupos sociais, pois esse aspecto não foi estudado por Kates e Goh (2003).

Brown, Kozinets e Sherry (2003) afirmam que as marcas são os ativos mais valiosos de muitas empresas, nas quais estas investem volumes gigantescos de tempo, dinheiro e esforço. Muito se gasta, também, com esforços de segmentação e posicionamento de suas ofertas. Em seu estudo sobre marcas retro, buscam identificar aspectos que são relevantes para a gestão dessas marcas e que, para o objetivo desta dissertação, servem como referência para a análise de como os produtores de marketing dos clubes de futebol concebem a gestão de suas marcas e produtos. Os autores ressaltam que, mesmo para consumidores que estejam altamente motivados para acreditar nas mensagens do produtor de marketing, o texto tem de estar conforme as convenções aceitas por esses consumidores. Para os autores, a “gestão dos significados da marca pode ser um conto contado junto ou um duelo verbal vicioso” (BROWN, KOZINETS e SHERRY, 2003, p. 29), pois os consumidores tendem a se apropriar dos significados culturais da marca de forma idiossincrática, de acordo com sua situação contextual, seus paradoxos

de identidade, como também de acordo com a comunidade interpretativa à qual pertencem (Kates 2007). Isso também está ligado diretamente à questão de sua identidade na relação com os grupos que para ele são importantes, no sentido de identificação tanto por semelhança como por oposição.

Para McAlexander, Schouten e Koening (2002), a lealdade à marca constitui-se em cima de relações diferentes das teorizadas em marketing de relacionamento, pois encontraram consumidores e profissionais de marketing construindo comunidade em conjunto, e dessa forma descobriram novas formas de entender lealdade. Uma das suas principais contribuições foi avançar na análise dos fatores que influenciam a construção de comunidades de marca. Entre os achados, está que a relação pós-compra com representantes da empresa aumenta a relação do consumidor com a marca. Para usuários que tinham atitude mais positiva em relação aos produtos de uma marca antes da exposição em uma festa desta, houve uma redução no entusiasmo com o produto, isso devido à exposição a modelos melhores de produtos 1 . Apesar da redução momentânea de entusiasmo, isso serve de estímulo para a compra de modelos melhores de produtos. Identificaram também os autores que é importante estabelecer relações reais, com pessoas reais da empresa, para aumentar a força da relação entre consumidor e empresa. Apenas ações de construção de imagem não têm a mesma força. A questão da barreira à saída da comunidade e da marca em função dos relacionamentos pessoais estabelecidos também é trazida pelos autores como um fator que explica a lealdade à marca em comunidades de marca. Ressaltam também ‒ aspecto que pode ser muito relevante para a questão da relação de lealdade entre o torcedor de futebol e a marca do clube ‒ a questão do “fator de linhagem” (MCALEXANDER, SCHOUTEN e KOENING, 2002, p.42). Para os autores, o “fator linhagem” diz respeito à influência importante das famílias na consolidação da lealdade à marca e, portanto, na estruturação de algumas

1  As festas da marca propiciavam, em muitos casos, uma exposição a produtos melhores do que aqueles que os usuários possuíam, uma vez que toda a gama de produtos da marca estava presente, do modelo mais simples ao mais elaborado, moderno e caro. Em função dessa experiência com produtos melhores que os seus, os usuários que tinham uma atitude mais positiva em relação ao produto que possuíam experienciavam uma redução no entusiasmo com esse produto.

comunidades de marca. Relatam que produtores algumas vezes se aproveitam desse fator, criando oportunidades para familiares compartilharem experiências e entusiasmo com a marca. Este, aparentemente, pelo que afirma Damo (1998) sobre o papel das relações familiares no pertencimento clubístico, pode ser um ponto interessante de investigação neste projeto, uma vez que a questão de “linhagem” parece ser de grande influência na escolha da marca/clube (DAMO, 1998).

Para Peñaloza e Gilly (1999, p. 84), os produtores de marketing servem como “mediadores biculturais” entre a cultura dos consumidores, do mercado e dos próprios produtores de marketing, em contextos de diferentes culturas nacionais. Identificam diversos fatores que influenciam o processo de aculturação dos produtores de marketing. Entre eles, estão as características desses produtores como indivíduos e as características da empresa. Outros agentes influentes são os próprios consumidores, a família, empregados, membros do canal, competidores, mercado e associações de negócio. Ainda, outra influência está na aprendizagem cultural do mercado e no “processo de tradução”, que se caracteriza pela distinção entre comportamentos de consumo cultural, formação de heurísticas culturais de mercado, autoconhecimento cultural e conhecimento do outro, empatia e conhecimento de relações culturais. Por fim, há as estratégias de adaptação (acomodação, assimilação e negociação da resistência) e de resultados (aculturação de mercado, reprodução multicultural, desenvolvimento cívico, legitimação social e dialética produtor/consumidor). Nesse sentido, em termos do contexto dos clubes de futebol, os produtores de marketing tendem a servir de mediadores entre as forças globais de comoditização e comercialização do futebol, expressadas pelo modelo FIFA de futebol (ANDREWS e RITZER, 2007), e os consumidores/torcedores dos clubes. Compreender a forma como essas mudanças são trabalhadas pode gerar diversos insights teóricos sobre o tema, especialmente pela mudança de enfoque de diferenças entre culturas nacionais para diferenças entre microculturas ou subculturas dentro de uma mesma nação. A consideração desses aspectos é importante, afirmam as autoras, pois a adição da cultura ao conceito de marketing requer muito mais do que apenas

acomodar consumidores culturalmente distintos, sendo muito importante para a compreensão da evolução da cultura de consumo em mercados globais.

A partir de seu estudo sobre como comunidades de marca criam valor, Schau, Muñiz e Arnould (2009) identificaram três perspectivas emergentes em

marketing: o valor é manifestado na realização coletiva das práticas que

favorecem investimentos nas redes, em vez de nas díades firma-consumidor; a cessão de controle para o consumidor aumenta o engajamento e cria valor patrimonial da marca (brand equity); as firmas derivam valor adicional de marca por criativamente usarem recursos de consumidores dispostos. Comunidades de marca saudáveis têm atividades em todas as categorias de práticas identificadas pelos autores, bem como profundidade em práticas que fomentam engajamento prolongado, além de encorajar a participação colaborativa. Verificar juntos aos produtores de marketing como concebem a geração de valor na sua relação com consumidores tão diversos quanto os dos clubes de futebol também pode gerar conhecimento relevante sobre como o consumo é influenciado por produtores de marketing.

Sendo assim, acredita-se que a literatura revisada aqui possa servir de subsídio tanto para o avanço de teoria de perspectiva cultural sobre qual o papel dos produtores de marketing no consumo, como para oferecer referências sobre que pontos e práticas dos produtores de marketing podem servir como base de análise na busca dessa compreensão.