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Produtos de degradação em medicamentos

1 INTRODUÇÃO

1.1 Produtos de degradação em medicamentos

Os produtos de degradação são um importante tipo de impureza encontrada em medicamentos e podem ter origem na degradação do fármaco durante a estocagem, transporte ou mesmo no decorrer da formulação. Alterações químicas e modificações nas características organolépticas de um medicamento são causadas por agentes ambientais como exposição à luz e ao ar, calor e umidade, culminando em possíveis produtos de reação tóxicos ou na perda da eficácia do medicamento.1,2 Por isso, o método indicativo da estabilidade de medicamentos deve ser específico e seletivo para quantificar o princípio ativo na presença de produtos de degradação e excipientes e também deve ser capaz de analisar os produtos de degradação sem que haja interferência no método pelos princípios ativos e excipientes.3

A degradação forçada ou teste de estresse é uma boa estratégia para demonstrar as rotas de degradação e os produtos formados durante a produção e estocagem do fármaco ou do produto formulado. O principal objetivo desse teste é demonstrar a especificidade dos métodos indicativos de estabilidade.4 Tratam-se de ensaios que visam desafiar e confirmar a especificidade e seletividade da metodologia analítica empregada na quantificação do princípio ativo presente no medicamento e na manutenção dessas características ao longo do estudo de estabilidade. Nos últimos anos, a pesquisa de produtos de degradação em fármacos tem sido um tema bastante explorado, após o surgimento de guias e resoluções publicadas por órgãos regulatórios.5,6,7,8

No exterior, há algum tempo, estes testes já são exigidos através de diretrizes que obrigam os laboratórios fabricantes de matéria-prima ou produto acabado farmacêutico a apresentarem as documentações necessárias para assegurar a identidade, potência, qualidade e pureza do princípio ativo no momento de submissão do registro de um produto, sendo que as submissões

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devem listar as impurezas e atender aos critérios de aceitação estabelecidos nas especificações para substâncias medicamentosas.6,7,9

No Brasil o tema produtos de degradação em medicamentos é bem mais recente que no exterior e as indústrias farmacêuticas, que se adéquam às necessidades estabelecidas pelas diretrizes, ainda não são devidamente cobradas pelos órgãos fiscalizadores. A Resolução RE 899 de 2003 “Guia para validação de métodos analíticos e bioanalíticos”, no item que trata da comprovação de especificidade das análises de teor dos produtos de degradação, já exige a comparação dos resultados obtidos de amostras (fármaco ou medicamento) contaminadas com quantidades apropriadas de impureza e amostras não contaminadas, para demonstrar que o teste não é afetado por esses materiais. Quando os padrões dos produtos de degradação não estiverem disponíveis, essa RE determina que os resultados podem ser comparados com os resultados dos testes de amostras contendo os produtos de degradação com um segundo procedimento validado que inclua amostras degradadas forçadamente.10

Em 2005, a ANVISA publicou a RE n°1, “Guia para a realização dos estudos de estabilidade”, determinando que estes estudos devam contemplar a quantificação dos produtos de degradação assim como o método analítico correspondente.8 A complexidade da exigência gerou em 2008 o Informe Técnico n°1, que indicava como e em quais condições os estudos de estresses em medicamentos deveriam ser conduzidos para obtenção dos produtos de degradação. Entretanto nesta norma a ANVISA não considerou as diferenças estruturais químicas que os princípios ativos dos medicamentos possuem e que as condições definidas poderiam levar à completa degradação do ativo. O Informe Técnico n°1 também determinava limites para que as impurezas formadas fossem notificadas, identificadas e qualificadas.11 Ao estabelecer prazos para que esses

procedimentos fossem colocados em prática pelas indústrias, a ANVISA gerou uma série de questionamentos que culminaram na revogação do informe no mesmo ano de 2008.

Visando a elaboração de uma Resolução que normatizasse os estudos de estabilidade em medicamentos no Brasil, a ANVISA publicou a Consulta Pública

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n°11 de 2012 estabelecendo os parâmetros para verificação de produtos de degradação em medicamentos.12 A Consulta Pública deu origem à Resolução RDC n°58 de 2013 que “Estabelece parâmetros para a notificação, identificação e qualificação de produtos de degradação em medicamentos com substâncias ativas sintéticas e semissintéticas, classificados como novos, genéricos e similares”. Esta resolução define degradação forçada como o estudo que permite a geração de produtos de degradação através da exposição dos fármacos e medicamentos às condições de estresse como luz, temperatura, calor, umidade, hidrólise ácida/básica e oxidação. As empresas ficam obrigadas a apresentar estes estudos nos moldes da legislação, ou justificar a ausência deles se houver alguma característica inerente à amostra que os impossibilite. Os testes devem degradar o fármaco em concentração suficiente (mínimo 10%) para promover o suporte para o desenvolvimento e validação da metodologia de análise dos produtos de degradação formados e para análise crítica do perfil de degradação do medicamento, que por sua vez deve promover a verificação da pureza cromatográfica do pico do insumo farmacêutico e a avaliação dos fatores que comprometem a estabilidade do medicamento. Considerando o limite de identificação o valor acima do qual um produto de degradação deverá ter sua estrutura química identificada, limite de notificação o valor acima do qual um produto de degradação deverá ser reportado no estudo de estabilidade e limite de qualificação o valor acima do qual um produto de degradação deverá ser avaliado biologicamente; o estudo de degradação forçada possibilitará que os métodos indicativos de estabilidade possam enquadrar os produtos de degradação nas necessidades de notificação, identificação e qualificação da Tabela 1.13

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Tabela 1 - Necessidade de notificação, identificação e qualificação de produtos de

degradação segundo a dose diária.13

A RDC n°58 encontra grande relevância no panorama do mercado de medicamento no Brasil, que além de ter os genéricos respondendo por 25,6% das vendas, ainda prevê investimentos até 2014 de 1,5 bilhão de dólares, visando o vencimento das validades das patentes de vários medicamentos de marca de sucesso, deixando um total de US$ 30 bilhões em vendas anuais suscetíveis à concorrência dos genéricos.14

As exigências da RDC nº58 entram em vigor em dezembro de 2015, o que faz com que as indústrias tenham pressa no delineamento dos testes de degradação forçada que ainda é um tema muito controverso, pois nenhum órgão regulatório determina claramente quais melhores práticas para conduzi-los, visto a dependência das características do fármaco e do medicamento, cabendo à empresa fabricante garantir a detecção das impurezas nos produtos.4,13,15

A escolha das condições para degradação forçada determina os efeitos causados pela variação da temperatura, umidade, oxidação, fotólise e hidrólise em

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ampla faixa de pH. A hidrólise forçada é importante à medida que a água é considerada um dos principais catalisadores em reação de degradação e muitos fármacos são instáveis nesse meio. Devem-se utilizar no teste condições fortemente ácida e básica, pois em pH 7 demandar-se-ia muito tempo e altas temperaturas. Também a oxidação é uma das reações mais significativas em drogas na presença de oxigênio molecular; pode-se no experimento utilizar uma faixa de concentração de 1 a 30% de peróxido de hidrogênio, o mais popular agente oxidante para esse propósito. Quanto à fotólise, ocorre devido à absorção de energia pela molécula e é importante, pois a radiação ultravioleta é capaz de clivar alguns tipos de ligações e, portanto promover uma série de reações na molécula de fármaco.16

Na ausência de procedimentos padronizados para a realização dos estudos de degradação forçada dificuldades são enfrentadas pelos profissionais ao decidir sobre as condições de estresse a serem utilizadas para os fármacos. Alguns estudos propõem um sistema assumindo que o fármaco seja instável, portanto, deve estar sujeito a condições mais amenas. Dependendo dos resultados obtidos, aumenta-se ou diminui-se a concentração dos reagentes, temperatura ou o tempo de exposição às condições de reação utilizada, obtendo-se assim esquemas como os das Figuras 1, 2 e 3 que representam tipos de fluxogramas propostos para que se alcancem condições ideais de degradação em meio neutro, ácido ou básico e oxidante respectivamente.17

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Figura 1 - Fluxograma das condições neutras de degradação (Adaptado de Singh

& Bakshi, 2000).

Figura 2 - Fluxograma das condições ácidas ou básicas de degradação (Adaptado

de Singh & Bakshi, 2000). H2O; 12h; Refluxo Sem Degradação H2O; 1 dia; Refluxo H2O; 2 dias; Refluxo H2O; 5 dias; Refluxo Considerar o fármaco praticamente estável Aceito Degradação Suficiente Degradação Suficiente Degradação Suficiente Degradação Suficiente Degradação Suficiente H2O; 8h; 40 C Degradação Total H2O; 2h; 25 C Conduzir os testes em condições mais brandas Degradação Suficiente HCl/NaOH 0,1 M; 8h; Refluxo Sem Degradação HCl/NaOH 1 M; 12h; Refluxo HCl/NaOH 2 M; 24h; Refluxo HCl/NaOH 5 M; 24h; Refluxo Considerar o fármaco praticamente estável Aceito Degradação Suficiente Degradação Suficiente Degradação Suficiente Degradação Suficiente Degradação Suficiente HCl/NaOH 0,01 M; 8h; à 40 C Degradação Total HCl/NaOH 0,01 M; 2h; à 25 C Conduzir os testes em condições mais brandas Degradação Suficiente

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Figura 3 - Fluxograma das condições oxidantes de degradação (Adaptado de

Singh & Bakshi, 2000)

Devido às exigências de separação de múltiplos componentes na mesma amostra nos estudos de estabilidade, análises cromatográficas normalmente são inerentes a todos os métodos desse tipo de ensaio, por isso a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) tem sido amplamente empregada nos estudos de estabilidade devido à alta resolução, sensibilidade e especificidade.15 É um dos itens da RDC nº58 a necessidade da utilização de cromatografia nos estudos de estabilidade, a medida que a RDC exige a chamada ”pureza dos picos cromatográficos”.13

Os métodos cromatográficos tradicionalmente empregados na indústria farmacêutica para análise de impurezas, seja cromatografia líquida ou gasosa, trabalham através da co injeção de padrões de referência. Quando a CLAE é empregada com o detector UV-Vis, este é ajustado no comprimento de onda máximo das substâncias conhecidas ou no comprimento de onda onde todos os componentes apresentem boa absorbância, então é imprescindível conhecer o comprimento de onda do fármaco e dos produtos de degradação em diferentes solventes e em diferentes faixas de pH. Esta é uma tarefa simples quando se tratam de produtos de degradação conhecidos e disponíveis em suas formas puras. Entretanto, quando se trata de um medicamento novo ou um medicamento

H2O2 3%; 6h; Temp. Ambiente Sem Degradação H2O2 3%; 24h; Temp. Ambiente H2O2 10%; 24h; Temp. Ambiente H2O2 30%; 24h; Temp. Ambiente Considerar o fármaco praticamente estável Aceito Degradação Suficiente Degradação Suficiente Degradação Suficiente Degradação Suficiente Degradação Suficiente H2O2 1%; 3h; Temp. Ambiente Degradação Total H2O2 1%; 30 min; Temp. Ambiente Conduzir os testes em condições mais brandas Degradação Suficiente

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cuja patente esta vencida, com perfil de degradação ainda não estabelecido, basear-se no comprimento de onda máximo do fármaco, pode representar um problema. Neste último caso, pode-se recorrer aos estudos de degradação forçada e conduzir a análise utilizando o detector photodiode array (PDA), para obtenção do espectro UV-Vis dos componentes, conforme eles são separados através da fase estacionária no sistema cromatográfico. Nos casos em que são formados produtos de degradação sem grupos cromóforos, ou com peso molecular muito baixo, pode-se fazer uso de um sistema LC-MS. Quanto aos cromatogramas obtidos, os tempos de retenção, ou os tempos de retenção relativos devem sofrer uma análise mais rigorosa quando forem muito próximos e quando o PDA ou o LC-MS demonstrar haver co-eluição de substâncias. Neste caso um método cromatográfico novo deverá ser estabelecido a fim de separa-las. Além disso, a análise do fármaco ou dos produtos de degradação requer que eles sejam solúveis nos solventes compatíveis à CLAE para estabelecimento da fase móvel adequada e as amostras devem ser tratadas para preservação da coluna cromatográfica, principalmente quando essas amostras estão em meios ácidos ou básicos fortes, necessitando de neutralização antes da análise. A técnica de ressonância magnética nuclear (RMN) é versátil em relação aos solventes utilizados nas análises porque não é uma técnica dependente de uma matriz sólida. Por isso, a RMN tem se tornado uma aliada dos métodos convencionais para os estudos de produtos de degradação.18,19,20

Atualmente a quantificação de produtos de degradação de estrutura química desconhecida é realizada através da curva de calibração do próprio ingrediente ativo do medicamento, ou de substâncias relacionadas. Isto é realizado considerando que o composto desconhecido tem a estrutura química muito semelhante ao ingrediente ativo, devido à análise dos dados de UV/Vis. O analito, neste caso é diluído em concentrações bem inferiores às concentrações utilizadas na quantificação do ingrediente ativo, pois não se pode assegurar a ampla faixa linear entre a concentração do fármaco e dos produtos de degradação. Entretanto, sabe-se que o melhor mesmo seria construir uma curva de calibração com o analito correto, tarefa esta que demanda muito mais trabalho

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e gastos às indústrias que necessitam estar equipadas e preparadas com uma tecnologia de identificação de moléculas.

A dificuldade das indústrias de medicamentos em desenvolver metodologias utilizadas para estabelecimento dos perfis de degradação faz parte da cultura das organizações. As metodologias não são adaptadas tão rapidamente quanto os produtos são desenvolvidos, registrados e colocados à venda. A alta competitividade da área faz com que o tempo seja um dos mais críticos fatores de um projeto. Por isso, a espectroscopia de RMN tem demonstrado um papel importante relativo aos perfis de impurezas em fármacos em vários aspectos. O desenvolvimento e avanços promissores no campo da metabolômica em que é possível detectar as variações entre amostras e dessa forma caracterizar biomarcadores em biofluidos sem a necessidade de uma separação prévia, é um exemplo, cujo o mesmo conceito pode ser aplicado aos perfis de impurezas em fármacos ou formulações vindos de diferentes fontes. Além disso, com relação à quantificação, grandes avanços têm sido realizados na sensibilidade e precisão do processamento de sinais, bem como nos protocolos de validação dos processos, tornando a RMN uma ferramenta quantitativa importante, baseado no fato de ser esta uma técnica de análise primária.21

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