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4. A ESCOLA COMO CONTEXTO ONDE CIRCULAM CONCEPÇÕES E

4.2 Experiências profissionais e prática pedagógica das professoras

4.2.1 A professora Girassol

A professora Girassol é casada, tem 67 anos e 4 filhos. Segundo sua informação o magistério foi seguido por influência da mãe que era professora. Quando foi cursar o magistério não pensava que exerceria a docência por não se identificar, mas com o passar do tempo e após cursar Pedagogia no Instituto Keneddy32 se apaixonado pela profissão. Ela cursou especialização em Ciências da Educação e leciona no Ensino Fundamental há 35 anos. É professora da escola campo da investigação há 25 anos. Seu tempo de carreira docente é classificado por Huberman (2000) como período de desinvestimento por estar no final de carreira. Esta fase é marcada por certo recuo dos interesses profissionais em favor de uma dedicação aos interesses pessoais. Segundo Huberman (2000) o desinvestimento pode ser classificado como sereno, quando é vivenciado de forma positiva e amargo quando nessa transição sobressai experiências negativas de angustia e problemas vivenciados. O depoimento de Girassol nos revela um desinvestimento amargo:

Hoje está muito difícil trabalhar, os alunos não respeitam mais o professor. São muitos problemas. A educação esta cada dia pior. A minha experiência desses muitos anos me diz que pra quem está entrando vai pegar mais problemas ainda. (Transcrição – 2º Encontro Reflexivo)

A professora nesse dia demonstrou estar desencantada com o ensino público devido ao comportamento dos alunos, não percebendo mudanças positivas enxergando para o futuro mais problemas.

A professora Girassol em vários momentos se orgulhava de seu tempo de experiência como importante para sua prática. Pensando no fazer docente valendo- se da experiência como aspecto importante é preciso inicialmente significar a palavra experiência.

Dal-Forno; Oliveira (2005, p.6) ao discutirem sobre a construção dos saberes docentes para trabalhar com aluno incluído salienta que,

[...] o tempo aqui está relacionado com o amadurecimento profissional, e não com a quantidade de anos de trabalho. Essa é considerada por alguns professores como sinônimo de experiência, mas compreendemos a experiência como prática vivenciada,

32 Instituição de Ensino Superior reconhecida como referência na área de formação de profissionais

refletida e não como prática caracterizada apenas pela temporalidade, sem ser por ela atravessada.

Em sua investigação, Glat (2011) revela que os professores fazem cursos sobre inclusão, participam de palestras, sabem que o processo ensino aprendizagem deve partir das necessidades e experiências de cada criança e que é preciso considerar as especificidades de cada um, mas o que se percebe na prática é a exclusão desses alunos de forma muito sutil quando não são consideradas suas potencialidades e somente suas dificuldades. Os professores têm informação sobre a diversidade dos alunos, porém, ainda, não foram “tocados” de como proceder para considerá-los como sujeitos que aprendem, pois para Larrosa (2002, p.21) “[...] a experiência é o que nos passa, o que nos acontece e o que nos toca”.

Larrosa (2002. P23) assevera, também que a experiência está cada vez mais rara decorrente da falta de tempo e do excesso de trabalho. Os processos de socialização e produção atuais são rápidos e fluidos, daí o cotidiano dos sujeitos modernos refletir a sempre urgência de tantas tarefas exigidas pela escola. Assim, seguimos em passos velozes tentando acompanhar as novas demandas que a sociedade e o ambiente de trabalho demandam na busca por informações, estudando sábado, domingos e feriados, deixando a “vida de lado”, sem tempo para pensar e vivenciar saberes e práticas nesses espaços formativos.

Larrosa (2002, p.21) ainda nos fala que

Cada vez estamos mais tempo na escola (e a Universidade e os cursos de formação do professorado são parte da escola), mas cada vez temos menos tempo. Esse sujeito da formação permanente e acelerada, da constante atualização, da reciclagem sem fim, é um sujeito que usa o tempo como um valor ou como uma mercadoria, um sujeito que não pode perder tempo, que tem sempre que aproveitar o tempo, que não pode protelar qualquer coisa, que tem que seguir o passo veloz do que se passa, que não pode ficar para trás, por isso mesmo, por essa obsessão por seguir o curso acelerado do tempo, este sujeito já não tem tempo.

Essa falta de tempo é também decorrente do excesso de trabalho. No caso dos professores é uma constante, pois para que esses profissionais supram suas necessidades financeiras precisam trabalhar até 60 horas por semana como comprovamos na escola campo de investigação. Muitas vezes sobrecarregados e

apesar de ter tempo para se aposentar não o faz porque ficam esperando o salário melhorar.

[...] Eu tenho tempo de me aposentar, mas gosto do que faço e estou esperando haver mudanças no nosso plano de carreira que melhore o salário [...] (Girassol – entrevista).

Eu tenho pouco tempo para me dedicar como gostaria. Eu trabalho de manhã, à tarde e, às vezes, tem semestre que também trabalho a noite lecionando uma disciplina na graduação. (Lírio – entrevista) Larrosa (2002, p.24) afirma que em meio a velocidade dos acontecimentos para que a experiência nos toque é preciso um momento no qual se possa “parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar, [...]”, interromper a automatização das ações e ter tempo e espaço para falar sobre o que nos acontece e ouvir o que acontece com os outros.

Acreditamos que um espaço que favorece a reflexão sobre o processo vivenciado na perspectiva da inclusão escolar permite que as docentes falem sobre o que as acontece, o que as toca, o que as angustia, para que elas, no encontro consigo, e com o outro, tenham o direito de falar e de serem ouvidas.

Os Encontros Reflexivos foram excelente possibilidade das docentes falarem sobre suas experiências, o que as toca e move. O relato, a seguir, exemplifica isto:

Gostei muito desse nosso momento de hoje, relembrar coisas de nossa formação, vivencias que estavam adormecidas. É bom relembrar e perceber como chegamos ate aqui, [...] (Jasmim – transcrição - 1º Encontro Reflexivo)

Falar de nossas experiências na vida e na profissão foi bom, principalmente, porque pude compartilhar situações parecidas e já vivenciadas que muitas vezes achamos está passando só. Aí não nos sentimos mais tão sozinhas [...] (Lírio – entrevista coletiva)

Infelizmente são poucos momentos como esses que podemos vivenciar na escola. O que às vezes acontece é estudo de texto que não tem haver com nosso dia a dia é não traz tanta contribuição. Acho que o professor precisa de tempo, nas própria escola, para pensar sobre seu fazer. Esse fazer precisa está associado claro a teoria, mas que possamos refletir sobre situações e experiências que vivemos com nossos alunos e nos constituiu como somos hoje enquanto profissional (Violeta – entrevista coletiva)

No ano de 2014, quando começamos a realizar a pesquisa, a professora Girassol trabalhava numa turma de 2º ano na qual tinha matriculado um aluno com deficiência intelectual. No ano de 2015 a professora tinha uma aluna com deficiência intelectual e outro com diagnóstico de hiperativo. Segundo sua informação já tinha lecionado para alunos com deficiência intelectual anteriormente, mas não havia realizado nenhum curso na área de Educação Especial, desenvolvendo sua prática com base na sua experiência. Quanto às dificuldades citadas para seu fazer docente ela apontou a falta de material, de auxiliar de professor, de formação e de apoio da escola.

A inclusão é um direito do aluno de estar na escola, mas eu vejo que a escola pública tem questões que acaba dificultando nosso trabalho, a falta né? De material, de um auxiliar para ajudar esse aluno porque eu não posso sozinha até porque não tenho formação e vejo que a equipe que é quem dá o suporte também não tem, ficamos todos meio que esperando que melhore as condições [...](entrevista individual)

Ao retratar no cotidiano como trabalha com seu aluno que tem deficiência intelectual, Girassol afirmou que faz tal como com os outros, usando a mesma atividade, mas que às vezes quando percebe que o aluno não consegue realizá-la propõe uma tarefa de acordo com sua aprendizagem como podemos verificar em sua fala:

Eu faço a mesma atividade para todos. Se eu perceber que o aluno não consegue fazer a atividade, não está entendendo, está com dificuldade para responder, aí faço uma atividade mais simples para ele fazer (Girassol – entrevista individual)

Verificamos durante a investigação que a docente utilizava em sua rotina de trabalho: aula expositiva, atividade de cópia do livro, atividade de cópia de um texto previamente escrito no quadro pela docente, ditado de palavras ou atividade dirigida do livro didático.

A rotina desenvolvida pela professora na turma no 3º ano se estruturava nas atividades descrita abaixo:

 Saudação aos alunos  Chamada

 Aula expositiva  Intervalo

 Aula expositiva

 Encaminhamentos da atividade de casa

É preciso destacar que nessa rotina ocorriam outras atividades, sob orientação da professora Girassol ou dos professores especialistas, como: aula de vídeo, biblioteca, aula de informática e aula de educação física.

A organização física da sala de aula era sempre fixa. As cadeiras ficavam enfileiradas e a professora após expor o conteúdo sentava na sua mesa para observar os alunos fazer a atividade e atender as solicitações das crianças. Cada aluno tinha seu lugar determinado pela professora. De um lado da sala ficavam as crianças que estavam alfabetizadas e, do outro, as que ainda não estavam, pois, segundo a professora ficava melhor de acompanhar o desempenho deles. Na frente ficavam sentados as crianças consideradas mal comportadas e as que tinham deficiência.

Eu gosto de organizar a sala colocando na frente os alunos que têm NEE e os que têm problemas de comportamento pra eu ficar “de olho” e, de um lado os fortes e do outro os fracos na aprendizagem. (diário de campo – observação da sala 22/03/ 2014)

Inferimos que a organização do espaço da sala de aula é baseada no nível de aprendizagem dos alunos, haja vista que, os que apresentam o mesmo ritmo e estão no mesmo nível sentam próximos com a intenção de manter a homogeneidade do grupo.

A professora cria rótulos e classifica os alunos quanto ao seu desempenho acadêmico dispondo-os de forma a ressaltar o fracasso de alguns ao expor para eles que estão daquele lado da sala porque não sabem ler. Há uma separação na própria sala de aula que na visão da docente é uma saída para gerir as grandes diferenças de aprendizagem.

Essa dinâmica promove uma discriminação e a segregação do aluno com deficiência, visto que, por apresentar alguma limitação, este não pode compartilhar de aprendizagens com os mais “eficientes”, por exemplo, prejudicando seu processo de aprendizagem e desenvolvimento.

Victor (2015, p. 69) a refletir sobre a socialização das crianças com deficiência no contexto escolar indaga,

Se a criança aprende e se desenvolve em contato com um adulto ou um companheiro mais experiente, como nos revela a abordagem histórico cultural, então, porque a escola apresenta formas de agrupamentos que dificultam, muitas vezes, impedem essas aproximações para que se criem zonas de desenvolvimento proximal?

Quanto a metodologia de trabalho percebemos que a professora realiza atividades mecânicas, de forma expositiva, através de cópia e memorização. Na maioria das vezes, são centradas na figura da professora e não é dada oportunidade das crianças refletirem. São atividades desestimulantes para os alunos, que não consideram os interesses das crianças, nem tampouco suas vivências. Segundo Girassol seu planejamento didático segue o programa do currículo que está no PPP (2013), mas não constamos a veracidade dessa informação, pois a mesma não nós mostrou seu esquema de planejamento. O que verificamos, nas poucas observações, era uma preocupação em cumprir o programa prescrito pelo livro didático e a o registro de algumas atividades isoladas e descontextualizadas.

No período de observação da prática pedagógica, a professora, estava trabalhando o Projeto sobre alimentação, porém não vivenciamos nenhuma atividade a esse respeito, apenas tarefas de operações matemáticas, regras de ortografia e de normas gramaticais.

Girassol pouco realizava atividades coletivas porque acreditava que facilitavam a dispersão dos alunos. Revelou, ainda que quando fazia atividade coletiva, os alunos do grupo dos já alfabetizados realizavam a tarefa dos demais. Isso mostra que a professora parece não ter conhecimentos sobre por que e como trabalhar em grupos. Assim, não possibilitava momentos de interação e trocas entre os alunos para que não ficassem dispersos. Na concepção de Girassol o aluno, na maioria das vezes, não aprende porque é preguiçoso ou não faz as atividades transcritas na lousa.

Seus depoimentos constantemente reforçam o estereótipo do bom aluno, aquele que fica sentado na cadeira, comportado e calado copiando as atividades do quadro. Quanto aos alunos com deficiência a professora apresentava uma baixa expectativa no que refere a sua aprendizagem. Acreditava que esses alunos, devido as suas limitações, não conseguiam avançar na aprendizagem sendo merecedoras de piedade. Com os encontros reflexivos a professora revelou em seus momentos de reflexão algumas pequenas evidencias de mudanças em suas concepções.