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1.2 A Gramática da Palavra e da Frase no mundo greco-latino

1.2.4 Os pronomes pelos Gramáticos latinos

Os estudos sobre a linguagem e as descrições gramaticais da língua latina são heranças dos gregos recebidos pelo povo romano por meio do contato com habitantes helênicos das colônias gregas do sul da Itália. Desse contato, cada vez mais extensivo - implicando o domínio e o controle do Estado Grego pelo Romano, em razão da invasão da Grécia no século III a.C - os romanos aprenderam a ler e a escrever. Nesse tempo de aprendizagem, de reconhecimento e conhecimento do outro, os romanos foram conquistados pelos modelos de reflexão e crítica que levara

os gregos a dominar o mundo da ciência da razão, da poética e o da retórica. Descobriram, assim, um vocabulário sistematizado por glossários em que se registravam uma vasta terminologia referente a saberes sobre a matemática, a astronomia, a crítica literária e que lhes facultavam compreender textos. Esta compreensão era garantida pelo domínio da estrutura e funcionamento dessa mesma língua, aprendida na escola, por meio de estudos da sua gramática, que lhes assegurava a compreensão do vocabulário e, assim, puderam ascender a esses conhecimentos, registrados na língua grega, cujo fundamento fora a filosofia. (NEVES, 1987).

Entre o dado e o recebido, afirma Burke (1997), há um processo de reinterpretação para que o recebido possa não só se adaptar a outros modelos de compreensão, mas também às necessidades de contextos diferenciados. É dessa adaptação que vai emergir a gramática e o estudo do vocabulário da língua latina pelos mesmos parâmetros descobertos pelos gregos. Com eles Roma também irá elaborar uma política de ensino do latim, como língua de prestígio que assegurará ao seu império unidade e a capacidade e força para sobreviver em terras européias.

Para Robins (1983), os romanos não só se apoderam do mundo grego, mas também submeteram o povo judeu ao controle do seu Estado político, cuja unidade estava ancorada na língua latina. Assim, a estabilidade desse modelo estatal se faz extensiva até o século IX d. C. e, no fluxo desse tempo, tem-se o nascimento, a expansão e a sistematização do Cristianismo que também se tornara religião oficial daquele Império. Tem-se, desta feita, os pilares que irão assegurar o modelo de edificação do Estado moderno na baixa Idade Média: uma matriz cultural, inscrita nos registros de uma língua escrita, oficialmente ensinada e, por isso prescrita por uma política lingüística de caráter estatal, valorizada por escritores de prestígio no corpo de uma literatura. A essa matriz cultural associa-se aquela que também assegura certo grau de unidade religiosa, pois é a fé em Deus, Jesus, Jeová, Alá... e nos homens, propagada pela língua que também assegurará o poder viver em comunidade, configurada, organizada por modelos de formação social de que o Estado moderno é um dos exemplos dessa formação.

Ressalta Robins (1983), é preciso considerar que o Estado Romano tornara o latim “língua da administração, dos negócios, do direito, da erudição e da promoção social” (p. 35). Contudo, nas suas colônias do leste, onde predominava um modelo de colonização em que a língua grega também mantinha posição de prestígio, os funcionários romanos aprenderam-na para o exercício de suas funções administrativas. Desta dimensão, moldada pela formação da filosofia e literatura gregas, o Estado romano irá se fragmentar em dois impérios: o Ocidental e o Oriental, esse último tinha como capital Constantinopla. Assim, Roma assegurou um maior grau de hegemonia no Império do Ocidente, ainda que atribuísse grande valor àqueles funcionários do Estado que eram plurilíngües e, por isso, capazes de compreender súditos de diferentes regiões e língua sobre o seu domínio.

Tem-se, assim, Varrão como o primeiro lingüista latino a produzir estudos gramaticais, definindo essa sua obra como conhecimento sistemático do uso lingüístico da maioria dos poetas, historiadores e oradores. Por conseguinte, Varrão tem consciência de que a sua gramática é produto da observação, análise e descrição de uma norma de uso empregada, não só por aqueles que atuam no campo da literatura, mas também nos da história e da oratória. Ela é, portanto, um instrumento que faculta o domínio da estrutura e funcionamento da língua latina, focada como padrão oficial.

Esses estudos de Varrão adaptados do grego foram registrados, incluindo concepções como as de linguagem e sua origem, os de anomalia e analogia, dentre outros, em vinte e cinco tomos. Tais estudos foram organizados em Etimologia, Morfologia e Sintaxe.

Mas de forma geral, a obra desse gramático latino, bem como a de Prisciano, aproxima-se do modelo descritivo proposto por Dionísio, o Trácio. Ambos mantêm as mesmas classes gramaticais do grego, ainda que em substituição à classe dos artigos, inexistente no latim clássico, proponha a classe das interjeições. Assim, as interjeições - propostas como subclasse do advérbio na gramática de Dionísio e de Apolônio - são definidas como palavras de significado estável, indicativas de emoções, e, agora, independentes e desprovidas de significados estáveis.

Outra contribuição desses gramáticos latinos, mais especificamente de Varrão, foi estabelecer diferenças mais precisas entre a forma derivacional e flexional, bastante obliterada nas Gramáticas gregas. Propõe serem os paradigmas flexionais mais homogêneos, visto não apresentarem omissões e, por isso, são naturais; já os derivacionais são heterogêneos, variáveis; por isso, anômalos. Entende-se que a derivação, apesar de irregular, por estar sujeita a uma “variação voluntária” – variar de uma pessoa para outra, em relação à forma primitiva das palavras possibilita à linguagem certo grau de flexibilidade. (ROBINS, 1983).

Assim, Varrão apresenta muito mais do que Prisciano, reflexões e reformulações dos estudos desenvolvidos pelos gregos, razão pela qual não se ocupa apenas de copiar e adaptar as classes de palavras do grego para o latim, mas também, reconhece as categorias de “caso” e de “tempo” como primárias para diferenciar as palavras do latim que sofrem flexão. Estabelece um sistema de quatro contrastes flexionais para classificá-las em palavras que apresentam:

• Flexão de caso - nome (substantivo e adjetivo, este último reconhecido como a classe do nome, mas como atributo do substantivo);

• Flexão de tempo – verbo;

• Flexão de caso e tempo – particípio

• Sem flexão de caso e tempo – advérbio.

Os pronomes pessoais e os demonstrativos são focalizados como palavras de flexão dupla; pois, em relação ao nome, eles sofrem variações de casos e, em relação ao verbo, de pessoa. O fato de as formas dos pronomes demonstrativos “elle”, “ella”, “ellud” se perderem no uso da língua latina, posteriormente, levará ao surgimento do artigo, razão porque os pronomes latinos não são classificados como artigo, como fizera Dionísio. Já os pronomes relativos – “quĩ”, “quae”, “quod”, por serem morfologicamente semelhantes aos interrogativos – “quis” “quid” – ora são classificados como nome, ora como pronomes.

Observa-se que a Gramática de Prisciano (500 d. C) e a de Donato (séc.VI), embora pouco se diferenciem entre si, a não ser em pormenores, servirão como

instrumentos de planificação da política lingüística instituída pelo Império Romano. E, assim sendo, funcionarão para o ensino formal da língua latina durante a Idade Média. São, dessa forma, gramáticas bastantes semelhantes às do grego que, agora ensinadas, asseguram o estudo do latim a sua semelhança com a língua daquela da Civilização Antiga.

Nessa acepção, Prisciano descreveu o latim da literatura clássica e, embora não se ocupe em definir o que entende ser uma gramática, faz uma descrição sistemática da estrutura e pronúncia das silabas, definidas como menores partes do discurso articulado, dotado de três propriedades: nome, forma escrita e valor fonético. No que se refere à morfologia, diferencia a palavra da oração, definindo a primeira como unidade mínima da estrutura da frase e a segunda, como expressão de um pensamento completo. Adota a classificação das palavras e outras classes gramaticais e concebe a interjeição como uma classe independente.

No caso dos pronomes, estes são definidos como palavras que substituem os nomes próprios e especifica as pessoas do discurso. Reitera a posição de Apolônio ser propriedade específica dos pronomes indicarem substância desprovida de qualidade, de forma a diferenciá-los dos nomes próprios e, por isso, os pronomes podem fazer referência anafórica com todos os nomes. Observa-se a seguinte classificação para os verbos: ativos – aqueles a que hoje designamos por transitivos; passivos – aqueles cujo significado não se remte à ação de um agente, mas de um paciente, como é o caso de “apanhar”, “sofrer”, por exemplo; neutros – aqueles aos quais se designam, hoje, por intransitivos. O verbo transitivo (ativo) foi definido por se relacionar com os pronomes do caso oblíquo. Entretanto, não haveria concordância entre as formas obliquas e aquelas das formas fontes de tais verbos: elogio – te (laudō te), prejudicado a ti (noceō libi), tenha piedade de mim (egeō miserantis). (ROBINS, 1983 p. 47).

As estruturas sintáticas da língua latina são pouco trabalhadas por esses gramáticos, embora se registrasse que a função primária dos pronomes relativos fosse a de estabelecer relação de subordinação entre orações constitutivas de um período. A esta função primária, acrescente-se a de esses pronomes relacionarem um verbo ou oração a outro verbo ou outra oração principal. Postula-se, ainda, o fato

de serem o nome e o verbo capazes de formarem por si sós, frases com sentidos completos.

Para Robins (1983):

“A obra de Prisciano representa algo mais que o final de uma era: constitui a ponte entre a erudição lingüística da antiguidade e da Idade média (...) A sua descrição serviu durante oito séculos como base das teorias gramaticais em nossos dias como fundamento do ensino da língua latina. (p. 48)