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PSICODIAGNÓSTICO: PENSANDO NA DEMANDA

No documento PSICODIAGNÓSTICO - CLAUDIO HUTZ.pdf (páginas 40-43)

Um psicodiagnóstico tem mais chances de ser bem-sucedido quando há uma boa pergunta a ser respondida. Essa pergunta nem sempre é formulada com clareza pelo paciente que busca avaliação, uma vez que, em muitas ocasiões, ele próprio não tem condições de perceber as razões do seu sofrimento. Em outras oportunidades, deparamo-nos com demandas genéricas relacionadas ao interesse pelo seu próprio funcionamento, como, por exemplo, o interesse em responder à pergunta “como eu sou?” ou a ideia de “eu vim aqui para me conhecer melhor”. De modo geral, essas demandas não caracterizam uma boa pergunta a ser respondida, por tratar-se de questões muito amplas. Nessas ocasiões, recomendamos uma primeira reflexão clínica, a partir das entrevistas iniciais e/ou do contato com a fonte encaminhadora, visando especificar o motivo por trás do “interesse em se conhecer”, por exemplo. A partir dessa redefinição da demanda, pode-se pensar no planeja​mento de uma atividade avaliativa. Na realidade, essa reflexão inicial já é o primeiro momento da avaliação, e deve ser feita com muito cuidado, uma vez que auxiliará a definir o que realmente precisará ser avaliado.

Como se trata de um processo de ​caráter científico, o psicodiagnóstico não prescinde da construção de hipóteses. Nesse sentido, boas perguntas são aquelas que auxiliam o profissional a confirmar ou a refutar determinadas hi​póteses – por exemplo, em um caso de uma criança encaminhada para avaliação por estar com dificuldades de leitura e escrita, não conseguindo acompanhar o desempenho da turma. Aqui temos boas perguntas a responder: teria ela um transtorno específico de aprendizagem? Questões emocionais e/ou familiares estariam in​terferindo nos processos de aprendizagem de leitura e escrita? Haveria alguma questão neu​rológica envolvida? Poderíamos pensar em trans​torno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)? Quais demandas psíquicas não estariam sendo atendidas, gerando, consequentemente, o sintoma?

Contratempos no encaminhamento do pa​ciente também acontecem. Por vezes, a ​- fonte en​caminhadora não tem clareza do que ​envolve um psicodiagnóstico (ver Wainstein & Ban​deira, 2013), ou um paciente é encaminhado para um profissional que realiza apenas avaliações psicológicas quando, devido à agudização do quadro, necessitaria de um atendimento psicoterápico de urgência. Como exemplo, temos o caso de uma pessoa com perda recente na família, por acidente de trânsito, que apresentava reações emocionais muito intensas e desorganizadas. O certo seria encaminhá-la a um profissional que já pudesse realizar uma intervenção com foco terapêutico. Sabe-se que toda a intervenção é precedida de uma avaliação, mas, como nessa situação se está diante de uma condição clínica aguda, o processo avaliativo deve ser abreviado ou realizado concomitantemente ao processo psicoterápico, exigindo que o profissional também tenha conhecimentos e habilidades voltados à intervenção no sentido

terapêutico.

Ainda, são encaminhados casos de crianças com dificuldades em acompanhar o que está sendo dado em sala de aula, e, ao recebê-las no consultório, o psicólogo percebe que têm dificuldades de visão. Nesse sentido, é função do profissional exercer um papel educativo, orientando toda a rede que faz uso de avaliações psicológicas.

Uma das fontes encaminhadoras mais comuns nos casos de crianças é a escola. É nela que os adultos (pais ou professores), ao ​comparar uma criança com as demais, percebem suas dificuldades e a encaminham para avaliação. Nesses casos, o psicólogo acaba sendo um dos primeiros profissionais a olhá-la de forma global. Como o processo de psicodiagnóstico envolve certo número de encontros, o psicólogo passa a ter uma visão mais aprofundada do caso, que vai além de aspectos emocionais e cognitivos. Por isso, é importante que tenha conhecimento de aspectos físicos, motores e neurológicos, a fim de poder encaminhar o paciente de forma correta a outros profissionais.

Outro aspecto interessante a ser ​observado tem relação com a demanda para o psicodiagnóstico. Há algumas décadas, a procura por psicodiagnóstico estava relacionada somente com a definição de um diagnóstico para o paciente. Atualmente, em grande parte das vezes (dado mais relacionado à demanda infantil, conforme Wainstein & Bandeira, 2013), o paciente já chega com um diagnóstico, dado por algum médico ou outro profissional da saúde ou, até mesmo, por um professor da escola. Nessas situações, deve-se refletir sobre o que está sendo solicitado, podendo caber ao psicólogo, entre outros: a) realizar a avaliação da pertinência do diagnóstico; b) realizar o diagnóstico diferencial; c) identificar forças e fraquezas do paciente e de sua rede de atenção visando subsidiar um projeto terapêutico; d) ampliar a compreensão do caso por meio da elaboração de um entendimento dinâmico, alicerçada em teoria psicológica; e e) refletir sobre encaminhamentos necessários ao caso.

Ainda em relação ao público ​encaminhado para psicodiagnóstico/atendimento ​- psicológico, dados de pesquisas em clínicas-escola no ​Brasil (locais que geralmente publicam estudos sobre o perfil atendido) mostram que a maioria dos indivíduos encaminhados são crianças (Borsa, Segabinazi, Stenert, Yates, & Bandeira, 2013), meninos em maior frequência (Cunha & Benetti, 2009; Rocha & Ferreira, 2006; Santos, 2006; Scortegagna & Levandowski, 2004; Silvares, Meyer, Santos, & Gerencer, 2006). Outras pesquisas indicam que há certa igualdade entre percentuais de crianças e adolescentes ao serem comparados a adultos (Campezatto & Nunes, 2007; Louzada, 2003; Romaro & Capitão, 2003). Já quando as pesquisas envolvem a clientela adulta, o sexo feminino predomina (Campezatto & Nunes, 2007; Maravieski & Serralta, 2011).

Os quadros clínicos mais comumente encaminhados para psicodiagnóstico diferem-se por faixa etária. No que se refere a crianças e adolescentes, dados de uma

pesquisa conduzida no Centro de Avaliação Psicológica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Borsa et al., 2013) apontam que prevalecem problemas de atenção, seguidos por problemas de ​interação social e de ansiedade e depressão, segundo dados coletados com o Child Behavior Check​list, ​Achenbach – CBCL (Achenbach, 2001). Outras ​pesquisas apontam problemas de aprendizagem como motivos comuns de encaminhamento (Graminha & Martins, 1994; Santos, 2006; Schoen-Ferreira, Silva, Farias, & ​Silvares, 2002; Scortegagna & Levandoswski, 2004). Problemas afetivos, de agressividade e de compor​tamento também são frequentes (Cunha & Benetti, 2009; Santos, 2006). No caso de adultos, costumam aparecer problemas emocionais e de relacionamento familiar (Louzada, 2003; Maravieski & Serralta, 2011).

Concomitantemente à definição do que se está recebendo como demanda, das hipóteses e das estratégias de avaliação, é possível que haja necessidade de avaliações de outros profissionais. Por vezes, só se consegue completar o processo psicodiagnóstico com avaliações de outros profissionais, como fonoaudiólogos, neurologistas e psiquiatras. Esse é o momento de aproveitar para discutir o caso. Em nossa experiência, a troca com outros profissionais tem sido muito rica, gerando aprofundamento do caso em questão.

Portanto, levando em consideração os aspectos já expostos, o psicólogo realizará a avaliação da demanda para, caso se mostre válido, estabele​cer os objetivos do psicodiagnóstico. São esses objetivos que nortearão a eleição das técnicas e/ou instrumentos a serem utilizados posteriormente.

No documento PSICODIAGNÓSTICO - CLAUDIO HUTZ.pdf (páginas 40-43)