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CAPÍTULO 3 Estruturas e funcionamento da rede de atenção à saúde no atendimento

3.1. Rede de Atenção à Saúde

3.1.1. Rede de Atenção à Saúde Mental

No assunto referente a demanda de queixa escolar, os alunos seriam atendidos na Rede de Atenção à Saúde Mental, na esfera da criança e adolescente, centrada no Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) da infância e adolescência. As RAS são consolidadas pelo modelo do SUS de equidade, integralidade e universalidade, e são reguladas e organizadas pelo SUS as ações e serviços de saúde em todo o território nacional, de forma regionalizada e hierarquizada, segundo nível de complexidade, respeitando-se o nível hierárquico federal, mas com descentralização político-administrativa, direção única em todas as esferas do governo e controle social dos conselhos municipais, estaduais e federais.

A Rede de Atenção à Saúde Mental fortaleceu-se a partir da III Conferência Nacional de Saúde Mental, convocada após a promulgação da lei 10.216, e sua etapa nacional foi realizada no mesmo ano, em dezembro de 2001. A partir daí foi levantada a necessidade de uma desinstitucionalização psiquiátrica por meio dos CAPS, Residências Terapêuticas, Centros de Convivência, ambulatórios de saúde mental e hospitais gerais e a habilitação do município no programa “De Volta para Casa”. Esta se caracteriza por ser pública, de gestão municipal, de base comunitária, em busca da coparticipação da sociedade e familiares para a emancipação das pessoas com transtornos mentais.

Figura 3- Rede de Atenção à Saúde Mental

No que se refere a demanda de queixa escolar, a interação intersetorial saúde-educação no município de São Paulo é regimentada pelos seguintes componentes: Atendimento Primário a Saúde (APS) por meio de atendimento pediátrico e clínico da Unidade Básica de Saúde (UBS), e clínico da Estratégia Saúde da Família (ESF). Estes recebem, na grande maioria, relatórios institucionais pedagógicos das crianças com suspeita diagnóstica de dificuldade de aprendizagem e/ou comportamento, dislexia e/ou TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) por intermédio do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), o que será melhor conceituado adiante. Pelo conceito a Política Nacional de Humanização (PNH) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004) é uma equipe de referência que

procura, em conjunto com a Equipe de Saúde da Família, compartilhar responsabilidades de vínculo terapêutico e de integralidade na atenção à saúde, para proporcionar um tratamento digno, respeitoso, de qualidade, acolhimento e vínculo, tendo como apoio matricial o CAPS Infantil da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), de forma transversal, não hierárquica, transdisciplinar, de gestão concomitante em que não prevalece um único saber, mas sim a busca de soluções que favoreçam a construção de vínculos e responsabilização da equipe e viabilizem a melhoria integral do indivíduo e sua comunidade.

Na cidade de São Paulo essa demanda tem como rede matricial o CAPS Infantil, integrado por unidades destinadas ao acompanhamento de crianças com transtornos mentais severos e persistentes.

Os CAPS (adulto e infantil) seguem a Política Nacional de Saúde Mental e oferecem atenção multidisciplinar, que inclui tratamento psiquiátrico, psicológico, fonoaudiológico, terapia ocupacional e atividades comunitárias, com vistas a reintegrar o paciente ao convívio familiar e social. O município conta com 62 CAPS sendo 5 CAPS Infantil, que trabalham exclusivamente com crianças e adolescentes.

Os CAPS foram instituídos mediante a Portaria/SNAS Nº 224, de 29 de janeiro de 1992, do Ministério da Saúde. A forma de atuação para responder à demanda de crianças e adolescentes foi instituída por meio da Portaria/SNAS N°336, de 19 fevereiro de 2002 (Anexo 5). Essas organizações foram criadas para atender, de modo não institucional, indivíduos com transtornos mentais moderados a graves que, anteriormente atendidos em hospitais psquiátricos, passaram a ser atendidos nesses centros de referência por equipes multidisciplinares, em ação concomitante com assistência domiciliar, formas medicamentosas e terapias de grupo.

Os CAPS oferecem três tipos de atendimento - intensivo, semi-intensivo e não intensivo - variáveis de acordo com a gravidade do quadro clínico do paciente.

O atendimento intensivo é oferecido a indívíduos que apresentam dificuldade de convivência familiar e/ou social e demandam atendimento contínuo. O semi-intensivo, a indivíduos que já se encontram sob ação medicamentosa psicotrópica, são considerados sociáveis, acham-se parcialmente liberados para o convívio social, são atendidos em até 12 dias no mês e recebem visitas supervisionadas pela equipe. O não intensivo é oferecido a indivíduos que têm completa autonomia de convivência social e familiar, são atendidos em até três dias no mês e permanecem sob controle e ação medicamentosa.

As demandas de queixa escolar, na grande maioria, são encaminhadas por meio de referência do Atendimento Primário à Saúde ao NASF da RAPS (Rede de Atenção

Psicosocial), com apoio matricial do CAPS II Infantil, pela Equipe de Saúde da Família. Ocorre também a busca por parte dos próprios familiares da criança, responsáveis adultos (mãe, pai, avós ou agregados).

Uma vez integrada ao programa, a criança é atendida pelo médico psiquiatra, que realiza terapêutica medicamentosa ou não, e é inserida em grupos terapêuticos, grupos de alfabetização e/ou oficinas de expressão, culturais, esportivas e geradoras de renda. Essas oficinas são conduzidas por equipes multidisciplinares (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).

Segundo o fluxograma analisador empírico de Caçapava et al (2009), o fluxograma do paciente Bernardo, com distúrbio psiquiátrico e/ou dificuldade de aprendizagem no CAPS da infância e adolescência no município de SãoPaulo evidencia-se da seguinte forma:

Figura 4- Fluxograma analisador do CAPS infantil segundo Caçapava et al (2009)

Preocupa saber que o atendimento à demanda de queixa escolar possa ser realizado em unidades CAPS Infantil, dada a natureza da ação ali desenvolvida: tratamento de transtornos mentais que pré-diagnosticam crianças em idade escolar. Desvios da normalidade na aprendizagem da leitura e da escrita, na capacidade de concentração e atenção, nos comportamentos inaceitáveis em espaço escolar assumem mais uma vez o status de DSM-V, o que transforma desvios da normalidade em transtornos e potencializa ainda mais o poder da medicalização.

Os CAPS, quando necessitam descartar possíveis causas orgânicas neurológicas da dificuldade de aprendizagem, encaminham crianças com queixa escolar ao nível secundário, a neurologistas dos Centros de Especialidades Médicas (AMA-E), que compõem uma fragmentação da Rede de Atenção à Saúde, pois na maioria das vezes os médicos especialistas

não encaminham contra referência a médicos clínicos e pediatras do Atendimento Primário à Saúde (APS), nem à equipe de referência NASF e/ou apoio matricial CAPS Infantil. Sem vínculo prévio com a criança com queixa escolar ou familiar, o profissional atribui à demanda o status de DSM-V, e todo diagnóstico encaminhado perpetua-se em uma terapêutica medicamentosa e/ou um acompanhamento psicopedagógico.

O Atendimento Primário de Saúde é responsável por 85% da resolutividade dos problemas de saúde do SUS, embora ofereça parcialmente atendimento tecnológico de procedimentos terapêuticos e diagnósticos de média e alta complexidade. Em contrapartida, oferecem integralmente atendimento de qualidade, relativas às mudanças de comportamento e de estilos de vida quanto aos hábitos priorizando a promoção da saúde. Porém os gestores de saúde pública, em sua grande maioria de OSS, vêm privilegiando os níveis de saúde secundária e terciária, que geram maior renda aos municípios de médio e grande porte. Essa priorização reduz o montante de investimentos em medidas de prevenção de doenças e promoção da saúde, inclusive a saúde escolar.

À primeira vista pode parecer estranho um médico neurologista, integrante do nível secundário do SUS, criticar o sistema no qual atua. Mas, a partir da experiência acumulada ao longo de 20 anos de Sistema Único de Saúde, percebo que, embora a proposta da RAS seja muito promissora em médio e longo prazo, até o momento, principalmente em nível secundário e terciário, pouca coisa mudou: o sistema insiste em suas falhas na medida em que contribui para potencializar a medicalização, sem ampliar seu compromisso com o coletivo. Ainda, indiretamente, prevalece a visão hierárquica vertical e piramidal, que supervaloriza a densidade tecnológica e farmacológica em detrimento das exigências da complexidade humana e social.