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4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A MANIFESTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL

4.4 Reflexões finais a propósito da decisão

Percebe-se que em nenhum momento da decisão do HC nº 77.631 o ministro nega o caráter de dívida da conduta descrita no art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90. Seus argumentos para afastar a inconstitucionalidade do dispositivo são que a Carta Magna proíbe a prisão civil por dívida, não a penal, e que o Pacto de San José da Costa Rica não teria o condão de afastar as hipóteses de prisão civil por dívida presentes na Constituição, em razão do status de lei ordinária que teria a convenção.

O segundo ponto não mais subsiste após o julgamento dos recursos extraordinários nº 466.343 e nº 349.703 e dos habeas corpus nº 87.585 e nº 92.566, nos quais o Supremo pacificou o entendimento de que não seria mais cabível a prisão civil do depositário infiel no Brasil, uma vez que os tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil estariam acima da legislação infraconstitucional, impedindo, dessa forma, a edição de leis que cominem tal sanção pelo Congresso Nacional.

Enquanto à primeira alegação, essa é completamente ilógica e incoerente. Se a Constituição proíbe “o menos” (prisão civil), é óbvio que também veda “o mais” (prisão penal). Admitir o contrário subverteria todos os princípios hermenêuticos, prejudicando gravemente a harmonia e coerência do ordenamento jurídico.

Desta feita, acredita-se que o posicionamento quanto à constitucionalidade do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 deve ser revisto pelo Supremo Tribunal Federal, posto que esse foi firmado em juízo monocrático e precário, com argumentos que não condizem com atual jurisprudência da Suprema Corte, nem com os valores do Estado Constitucional brasileiro, o qual tem como finalidade última a proteção dos direitos e garantias fundamentais e o respeito à dignidade da pessoa humana.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os direitos e garantias fundamentais encontram-se no ápice do ordenamento jurídico brasileiro atual, tendo como função resguardar os homens dos abusos e arbitrariedades do Estado.

A liberdade de locomoção é um dos direitos fundamentais mais caros ao ser humano, só devendo, portanto, ser restringido em situações excepcionalíssimas, quando seja necessário a tutela de outros valores essenciais à harmonia do corpo social. Por essa razão, o Direito Penal funciona como ultima ratio, só devendo intervir quando os demais ramos do direito não forem aptos a salvaguardar o bem jurídico que se deseja proteger.

Dessa forma, não se justifica a criminalização do mero não pagamento de tributos no prazo legal, previsto no art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, ilícito tributário que pode ser tutelado por meio da aplicação de multa e manejo de uma ação de execução fiscal.

Se o indivíduo apenas não adimpliu sua obrigação tributária com a Fazenda, sem praticar nenhum tipo de Fraude contra o Fisco, ele possui nada mais que uma dívida com a Administração Pública, sendo, portanto, completamente desproporcional a cominação de pena prisional a tal conduta.

A Constituição Federal da República Federativa do Brasil, por entender ser direito à liberdade de locomoção superior ao direito ao crédito, proibiu a prisão civil por dívida, em seu art. 5º, inciso LXVII, excepcionando apenas os casos do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel, sendo que o último não mais subsiste no ordenamento jurídico pátrio.

Logo, tipificar como crime o simples fato de dever ao Estado, da maneira como foi feita no art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, fere frontalmente a vedação à prisão civil por dívida constante na Lei Maior, sendo tal dispositivo claramente inconstitucional.

O argumento esposado pelo Ministro Celso de Mello, na decisão do HC nº 77.631/SC, de que a Constituição proíbe a prisão civil por dívida e não a penal, não pode prosperar. É evidente que se a Carta Magna veda a prisão civil, que é mais leve, também resta interditada a prisão penal, instituto mais gravoso ao indivíduo.

Assunção lógica a que pode chegar qualquer leigo, sintetizada na máxima expressão latina “a minori, ad maius”, ou seja, “quem não pode o menos não pode o mais”.

Acredita-se assim que tal precedente do Supremo Tribunal Federal está equivocado, devendo a Corte Suprema rever tal decisão e declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90, o qual afronta o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal que veda a prisão civil por dívida, instituto arcaico e incompatível com a dignidade da pessoa humana e com os demais valores que regem o Estado Democrático de Direito Brasileiro.

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