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Reflexos Econômicos e Estruturais da Passagem do Capitalismo Industrial ao

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 66-73)

1. O CAPITALISMO E A ESTRUTURA DE SEUS DISCURSOS

1.9 Reflexos Econômicos e Estruturais da Passagem do Capitalismo Industrial ao

Hudson (2009) observa um detalhe moral a respeito da formação em economia. Na época do liberalismo clássico, o ensino era majoritariamente ministrado por responsáveis religiosos, pautados pela ética protestante, enquanto a ética requerida para a obtenção de êxito sob a égide do capitalismo financeiro é desde sempre predatória, tendo “objetivo final” o enriquecimento a qualquer preço. Hudson (2009) nos diz que, na década de 1830, o economista britânico William Nassau Senior iniciou as suas palestras em Cambridge anunciando: “Não estou aqui para falar sobre como fazê-los felizes, mas como torná-los ricos.” Ele dizia que a maneira de ficar rico é muito simples. “Tudo o que precisamos é ganância, que é algo que não pode ser ensinado.”

Os recém-licenciados para este tipo de economia eram muito “bem pagos”, mas, por outro lado, eram obrigados a trabalhar entre 80 e 120 horas por semana, tão logo fossem empregados pelas corporações que os selecionavam como seus “empregados de confiança.” O mesmo passava-se com banqueiros, contabilistas e advogados nos anos 60. O objetivo das empresas era o de excluir quaisquer novos recrutas que tivessem vida pessoal, família, hobbies, interesses intelectuais ou culturais, ou seja, algo que pudesse assumir precedência sobre a vida corporativa. Todo o seu horizonte pessoal devia consistir em dedicar a vida a trabalhar para o seu empregador e para si próprio.

Hudson (2009) observa que nem toda a gente queria passar por esse processo de exclusão. Os banqueiros costumavam brincar dizendo que os melhores corretores de divisas estrangeiras tinham de vir, por exemplo, dos bairros do Brooklyn ou de Hong Kong, alguém procedente de uma família pobre, sem cultura cavalheiresca, frequentemente imigrante, cujo único horizonte pessoal era fazer tanto dinheiro quanto possível.

Nesse sentido, Hudson (2009) observa que a cultura dos rentistas40 é desumanizante. Quando a liderança das corporações passou das mãos dos “engenheiros” para os gestores financeiros, o objetivo deixou de ser produzir mais ou expandir fatias de mercado, e sim aumentar o preço das ações, outros títulos e imobiliários. Se os executivos descobriram que o seu próprio interesse é “trabalhar para os acionistas”, é especialmente porque recebem mais da sua remuneração sob a forma de opções sobre ações do que em salários. Usam ganhos corporativos não para financiar novo investimento direto, mas para comprar as suas próprias ações, apoiando os seus preços. Também cortam as atividades pouco produtivas para aumentar os ganhos e, consequentemente, aumentar o preço por ação.

Hudson (2009) apresenta a “moral da cobiça”, resultante da procura por ganhos de curto prazo, como uma tendência infantil de ver a vida como um jogo de vídeo game, em que se ganha se houver um acúmulo de mais brinquedos/dinheiro do que os rivais. Os gestores corporativos rodavam de departamento em departamento, gerindo-os como centros de lucro autônomos, desprezando uma posição de longo prazo ou da empresa de modo geral.

Hudson (2009) diz que as dívidas nacionais sob o velho capitalismo derivaram quase que exclusivamente de guerras, enquanto os déficits de hoje derivam principalmente do corte de impostos para os ricos, especialmente no setor imobiliário, financeiro e de seguradoras. Enquanto o velho capitalismo era militarizado, o novo capitalismo financeiro elevou as dívidas nacionais de tal maneira, que as economias não mais podem se dar ao luxo de suportar guerras convencionais, sem apoio de outras nações.

Enquanto os economistas clássicos centravam-se na teoria da renda como um paradigmático “ganho não-merecido” quando comparado com a indústria, a economia de hoje ignora a terra como um fator de produção, e a ideia de renda foi basicamente apagada da área de estudos. O antigo capitalismo usava a retórica de inspiração popular quando confiava no governo como suporte (incluindo a polícia), enquanto o novo capitalismo financeiro compra o controle dos governos, pois depende destes para o empréstimo de devedores para os seus créditos e para garantir a segurança dos seus ativos financeiros (HUDSON, 2009).

Marx sustentava que os lucros sob o velho capitalismo industrial derivavam da utilização do trabalho assalariado, que definia como exploração, ou seja, a origem da mais- valia era o trabalho assalariado. O capitalismo financeiro moderno encontrou uma nova maneira de explorar o trabalho: mobilizar fundos de pensões, a Segurança Social e outras poupanças de forma a aumentar os valores das ações no mercado (HUDSON, 2009).

40 De acordo com Hudson (2009), rentista advêm da expressão rent-seeking, que significa obter lucros nas falhas do sistema ou na ignorância dos demais agentes, ou seja, especulação.

Enquanto o velho capitalismo industrial procurava lucros, o novo capitalismo financeiro procura ganhos de capital, principalmente na forma de preços de terras mais elevados e preços de outros ativos que originem renda. Essa tendência deve-se, em parte, a uma tentativa de escapar da tributação de rendimentos. Desde que o imposto sobre o rendimento foi introduzido, uma fatia crescente das receitas de negócios foi reclassificada como “fluxo de caixa” não tributável. No setor imobiliário, que é o setor dominante na economia em termos de volume de ativos, a re-depreciação e mesmo a sobre-depreciação de edifícios e os pagamentos de juros de hipotecas deixam os rendimentos tributáveis praticamente em zero. O mesmo se passa nos negócios do petróleo e do gás, da atividade mineira, florestal, dos seguros e da banca (HUDSON, 2009).

Mészáros (2009) nos lembra de que Marx anteviu que o capitalismo industrial caracterizar-se-ia por uma guerra de classe entre os trabalhadores e os seus patrões. Mas o capital industrial, assim como o trabalho, se tornou vítima do capitalismo financeiro de hoje, porque as corporações industriais são alvos de piratas que as dilaceram, fazendo com que a força de trabalho seja reduzida, flexibilizada e terceirizada.

Os antigos capitalistas industriais pelo menos obtinham os seus lucros construindo fábricas, investindo em equipamento e capital para empregar trabalhadores remunerados e produzindo bens e serviços. Enquanto esses velhos capitalistas encontravam o seu fundamento na manufatura, o novo capitalismo rentista está centrado no setor dos FIRE.41 O novo objetivo é reciclar as poupanças da economia no setor imobiliário e no mercado de valores para aumentar os preços de terras e da situação líquida, sem criar novos ativos. No mercado de valores, os ganhos de capital são conseguidos com a redução da força de trabalho produtivo e cortes na produção, de modo a espremer mais receita, em vez de procurar expandir para novas fatias de mercado através de novos investimentos diretos.

Sob o capitalismo industrial e seus antecessores, os impostos eram cobrados principalmente sobre a terra e a propriedade de imóveis. Hudson (2009) nos lembra de que inicialmente os ganhos de capital eram tributados como rendimento normal nos EUA dos anos 20, mas o capitalismo financeiro deslocou os impostos dos ganhos dos rentistas do setor FIRE para os ombros do trabalho e da indústria. Os impostos são cada vez mais extorquidos dos consumidores através das vendas, impostos sobre os produtos e sobre o consumo, ao invés de tributar o rendimento e a riqueza.

41 Hudson (2009) nos esclarece que FIRE é uma sigla para Finance, Insurance, Real Estate, que se traduz por: Finanças, Seguradoras e Imobiliárias.

O papel dos bens imobiliários mudou fortemente devido aos modos de financiar os créditos de hipotecas em longo prazo que apareceram nos anos 30. As Caixas Econômicas e bancos de poupanças mútuas transfiguraram-se de algo destinado aos pequenos compradores de casas, para os grandes construtores imobiliários. Foram engolidos pelo gigantesco complexo FIRE e tornados parte do processo da globalização. Se Marx previu que o capitalismo iria se industrializar menos no mundo desenvolvido, ele não previu que o capitalismo industrial se tornaria subordinado do capitalismo financeiro. Os velhos capitães da indústria foram substituídos pelos imperadores da finança e reis do setor FIRE.

A terra que é o maior ativo da economia, dificilmente pode ser aumentada, mas seu preço pode ser aumentado. De modo similar, os preços dos mercados de ações aumentam não só devido aos fundos de pensões e outras poupanças encaminhadas para o mercado, mas também devido ao volume de ações, que vem se reduzindo, pela ação de piratas corporativos que as retiram em troca de títulos de juros mais elevados, e por corporações usando os rendimentos para comprar as suas próprias ações, em vez de fazerem novos investimentos diretos.42

De acordo com Hudson (2009), sob o capitalismo industrial e seus antecessores as poupanças eram acumuladas principalmente por capitalistas ricos que herdavam as suas terras e imobiliário (os trust funds) entre outros ativos. Sob o capitalismo financeiro de hoje, as poupanças da força de trabalho através de fundos de pensões e Segurança Social viram crescer o seu papel dominante nos mercados de ações e de títulos. Tal situação põe em questão se as poupanças dos trabalhadores serão utilizadas em seu benefício como classe, ou em benefício dos investidores.

Uma proporção crescente do orçamento público é agora dedicada a pagar os juros da dívida pública. Para tornar isso ainda pior, a taxa fiscal é cortada para os rentistas que recebem os juros, de forma a acrescer mais um benefício ao seu vasto leque de isenções e reduções de impostos. Simultaneamente ganham cada vez maior controle sobre o processo político através de contribuições para campanhas e aumento de propriedade sobre a mídia. Ao ganhar o controle sobre as principais escolas de negócios através de patrocínios, os rentistas moldam o processo educativo para fazer com que tudo isto pareça natural.

Fazendo distinção entre trabalho produtivo e improdutivo e crédito, os economistas clássicos classificavam esse último como “improdutivo” e, portanto, com o caráter de

42 Hudson (2009) dá como exemplo da IBM que gasta frequentemente 10 mil milhões de dólares por ano investindo nas suas próprias ações em vez de fazê-lo em pesquisa e desenvolvimento ou outro investimento de construção de mercados.

encargos gerais. Mas hoje isso é saudado como o grande anúncio da sociedade pós-industrial. O capitalismo financeiro de hoje considera todo o trabalho, investimento e dívida como produtivos, independentemente de como são utilizados. Parece então não haver razões para classificar a proliferação de direitos sobre a riqueza como uma atividade economicamente improdutiva ou parasitária.

Hudson (2009) nos diz que a teoria econômica primitiva lidava com taxas de crescimento exponenciais. Durante a Guerra Colonial da Grã-Bretanha com a América, Richard Price contrastava as taxas de crescimento das poupanças a juros compostos e simples. Em 1798, Thomas Malthus aplicou essa comparação para contrastar taxas “geométricas” de crescimento populacional a um “suposto” crescimento aritmético na oferta de alimentos.

O modelo básico para crises financeiras era a tendência para o crescimento exponencial das dívidas até que atingissem o limite a partir do qual as obrigações não mais pudessem ser cumpridas. A essa altura, o crédito era destruído e o sistema econômico caía com um “crash.” Por contraste, a teoria moderna assume que estabilizadores automáticos trarão de volta as economias a um estado de equilíbrio se, e quando, elas forem perturbadas. Tais teorias assumem feedbacks negativos (tendências que contrariam a perturbação inicial), desprezando os feedbacks positivos, como o crescimento exponencial de dívidas ou retornos em crescendo (HUDSON, 2009).

Sob o capitalismo industrial que se desenvolveu na França e na Alemanha, os bancos desempenharam um papel proeminente ao fornecer financiamento em longo prazo para a indústria, simultaneamente como credores diretos e como acionistas. Mas os bancos de hoje desempenham apenas um pequeno papel industrial (mesmo como intermediários), e o mercado de ações não é a fonte principal de fundos para o novo investimento direto. Os bancos limitam-se a oferecer crédito colateralizado contra recibos de bens já despachados para clientes (aceites de banqueiros e conjuntos de pendentes). Até nessa área, as grandes empresas estão agora a ultrapassar os bancos através da emissão do seu próprio papel comercial (HUDSON, 2009).

No capitalismo financeiro os bancos não trabalham para elevar o volume de crédito, porque isso implicaria em reduzir o spread, que é a diferença entre o custo do banco para captar dinheiro e a taxa cobrada dos clientes. O dinheiro que poderia servir para irrigar a economia nacional é entesourado nos cofres das instituições financeiras.43

43 Segundo cálculos da Federação do Comércio de São Paulo, somente no ano passado os brasileiros pagaram R$ 134,5 bilhões em spread bancário. Estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que irritou os banqueiros e ameaçou o posto de Marcio Pochmann, comprova que o empréstimo para pessoa física no

A dívida não paga e assumida como “riqueza virtual” assinala a dominância das finanças sobre a indústria, sobre aquilo que os economistas ainda chamam de riqueza “real” – como se as finanças fossem menos reais que as estruturas físicas tangíveis. É por isso que o capitalismo financeiro está sujeito à formação de bolhas econômicas, tal como aconteceu em agosto de 2008 com a falência do Bank of América, do City Bank e do Lehman Brothers. De acordo com Hudson (2009), o mercado de valores começa a se parecer um esquema de Ponzi44, requerendo um fluxo crescente de rendimentos todos os meses para premiar os investidores anteriores.

Os estrategistas financeiros de Wall Street pressionam para privatizar a Segurança Social. O objetivo real não é aliviar o sistema, mas sim aliviar o mercado de ações. Se as vastas somas investidas em títulos do governo pudessem começar a ser comutadas para o mercado de ações, o efeito seria elevar os preços das ações. Claro que, quando chegar a hora do sistema começar a pagar – quando o número de reformados exceder o número de novos empregados que contribuem para o sistema – o resultado será um fluxo de saída do mercado de ações.

Supõe-se que as poupanças (que encontram o seu reflexo nas dívidas dos outros) são inerentemente associadas à capacidade de atingir novos horizontes tecnológicos, médicos e culturais. Mas na medida em que dívidas/poupanças andam agora de mãos dadas com a polarização econômica, esses horizontes estão sendo limitados em vez de expandidos.

O capitalismo industrial tornou-se notório por produzir o aquecimento global e gases de efeito estufa, alterações climáticas e acidentes industriais. O capitalismo financeiro ameaça país custa dez vezes mais do que em qualquer agência bancária na Europa. O valor pago em spread em 2008 correspondeu ao dobro do orçamento do Ministério da Saúde (HUDSON, 2009).

44 O ítalo-americano Charles Ponzi divulgou a “descoberta” de que os selos de resposta de correio internacional podiam ser vendidos mais caros nos Estados Unidos do que no estrangeiro, e que esse tipo de negócio produziria lucros. Com o rumor de ganho certo e fácil, muitas pessoas entregaram capitais a Ponzi, que recolheu somas astronômicas de dinheiro, mas na realidade não comprou selos. Ele pagava rendimentos de até 100% em três meses, usando o capital dos sucessivos novos investidores. Algumas pessoas investiram e obtiveram o prometido no intervalo temporal combinado e o esquema alargou-se. Ponzi contratou agentes, pagando generosas comissões por cada dólar que pudessem trazer e, em Fevereiro de 1920, ele obteve cerca de 5000 dólares americanos, uma grande quantia nesse tempo. A histeria coletiva cresceu e Ponzi começou a expandir-se para a Nova Inglaterra e Nova Jersey. Já em Maio de 1920 tinha recolhido 420 000 dólares e começou a depositar o seu dinheiro no Hanover Trust Bank of Boston (um pequeno banco ítalo-americano na Hanover street, norte do bairro italiano) esperando se converter no presidente do banco ao comprar as suas ações. Em Julho de 1920 já tinha milhões de dólares. Muitas pessoas venderam ou hipotecaram as suas casas com a esperança de ganhar quantias muito grandes. No dia 26 de Julho grande parte do esquema começou a colapsar depois de o Boston Post questionar as práticas da empresa de Ponzi. Finalmente o Estado fez uma intervenção na empresa, congelando todas as novas captações de dinheiro. Ponzi devolveu o capital a quem o solicitou, o que causou um aumento considerável da sua popularidade. Em Agosto de 1920, os bancos e meios de comunicação declararam Ponzi em bancarrota. O governo federal dos Estados Unidos interveio finalmente, descobrindo a mega fraude, e Ponzi foi detido, mas teve que ser liberto, pois pagou a fiança. Decidiu continuar com o seu sistema, convencido de que poderia sustentá-lo, mas, rapidamente, o sistema caiu e os aforristas perderam o seu dinheiro. Muitos, no entanto, o aclamaram como um beneficente.

exacerbar esses problemas e não curá-los. A privatização do processo político provavelmente deterá a implementação de barreiras comportamentais, tais como obrigar as indústrias a serem responsáveis pela limpeza do que poluem ou pelos custos médicos associados a doenças relacionados com o fumo, por exemplo.

Tendo-se tornado autônomo, o mal da dívida tomou controle sobre as políticas nacionais e globais. De fato, vemos hoje a dolarização da dívida em certos países, forçando uma depreciação monetária crônica pelo pagamento da mesma. O processo de privatização exacerba esse fenômeno por todo o mundo. As receitas da eletricidade e outros monopólios que eram até hoje públicos estão em divisa local, mas as suas dívidas são renomeadas em dólares. Esse problema de transferências cria pressão sobre as divisas – e quanto mais a divisa cai, mais dolarizado se torna o fardo da dívida.

A reciclagem das poupanças no financiamento de bolhas imobiliárias e de mercados de valores é algo que nunca aconteceu desse modo antes. Em tempos passados, as pessoas contraíam empréstimos imobiliários apenas por necessidade (hipotecar a casa). Enquanto os impostos são utilizados crescentemente para satisfazer a dívida pública, em vez de servir para realizar serviços públicos e empregar, a deflação da dívida no setor não- financeiro deprime os preços dos bens e dos serviços, assim como o nível dos salários. As poupanças consistem basicamente de juros e dividendos de investimentos financeiros, e são recicladas no pagamento de dívida e mais especulação financeira, em vez de se converterem em novos investimentos diretos e emprego.

Os preços imobiliários, os preços das ações e o emprego estão em queda sem precedentes na história, mesmo se comparados à Grande Depressão dos anos 30. Isso transformou em pesadelo o sonho financeiro neoliberal de “criar riqueza” pela inflação de preços de ativos, através da criação de crédito, sem realmente aumentar a formação de capital tangível (salários e padrões de vida). Assim como indivíduos não podem viver de cartões de crédito para sempre, tão pouco os países o podem. Como sabe qualquer economista clássico, sociedades que apenas manufaturam dívida são insustentáveis. Os cassinos podem ser lugares divertidos para se visitar, e lá os clientes pagam ao perderem o seu dinheiro, mas não são lugares para viver. Isso também é verdade para o capitalismo financeiro.

Se para a psicanálise não há diferença entre realidade virtual e real, para o mercado financeiro essa diferença deveria ser fundamental, ou seja, a economia virtual experimentada no mercado de valores da Bolsa deveria corresponder a de uma economia real. De acordo com Lordon (2010, p. 28), quanto mais a economia virtual se descolou do trabalho produtivo através da capacidade científica de resolver os problemas no infinito dos cálculos

matemáticos, mais ela é obrigada a desconsiderar as pessoas e suas necessidades reais de sobrevivência. A própria denominação “finanças de mercado” já dá a impressão ilusória de que estas se desenvolvem em um universo fechado, longe de todo o resto da economia, ou seja, das finanças acionárias, aquelas dos proprietários dos meios de produção e, em última instância, dos assalariados.

A lógica do capitalismo acionário atinge seu clímax ao impor normas de rentabilidade financeira exorbitantes que forçam o abandono de um bom número de projetos industriais. As empresas preferem investir seu capital em especulações financeiras, pois os lucros, em curto prazo, podem ser superiores aos investimentos na economia real. O jogo da especulação, fechado em si mesmo, é suficiente para fazer a felicidade da Bolsa de Valores, que vive da mais-valia dos investidores, mas impõem condições desumanas às pessoas.45

Os aplicadores da Bolsa de Valores não se preocupam com o trabalho produtivo, e apostam que o trabalho do dinheiro em seus vários deslocamentos seja capaz de produzir um excedente que promoverá “fortuna relâmpago.” O capitalismo acionário instalou no corpo social “a mentalidade da fortuna relâmpago, legítima recompensa das elites econômicas” (LORDON, 2010, p. 29).

No documento Paula Angela de Figueiredo e Paula (páginas 66-73)