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REFORMAS ADMINISTRATIVAS CONCLUSÕES

4. A REFORMA ADMINISTRATIVA

4.9. REFORMAS ADMINISTRATIVAS CONCLUSÕES

Segundo Beatriz Warlich208, o programa de reforma implementado a partir de 1930 teria sido inspirado em modelos da Inglaterra e dos Estados Unidos e orientado por uma teoria administrativa com aspirações universalizantes, desvinculando política de administração.

Para Cristina M. Oliveira Fonseca209, da estrutura centralizadora e hierarquizada das reformas administrativas, justamente conformou-se um modelo de gestão resultante da ausência de um pacto federativo:

Este é um aspecto importante para o qual vale chamar a atenção: no âmbito da saúde pública, nosso sistema de proteção social consolidou-se mediante a impossibilidade de um acordo federativo, fora de parâmetros democráticos; resultou da ausência de acordos entre as três esferas do Executivo acerca de seus papéis na execução de políticas públicas de saúde. Seu modelo atendia às necessidades de impor o controle federal sobre os estados e de assegurar que o processo de construção nacional seria efetivado. As regras de relacionamento entre os entes federativos foram impostas pelo governo central (FONSECA, 2007, p. 262).

A partir da leitura dos capítulos precedentes, é possível visualizar a paulatina formação de uma filosofia púbica que, opondo-se ao sistema político da Primeira República - e, conseqüentemente, ao liberalismo - redundou num sistema centralizado para a construção do Estado Nacional, por meio do investimento em políticas públicas.

Estas idéias programáticas esboçaram-se no campo da administração através de propostas que foram justamente veiculadas pelos profissionais do setor no

208 WARLICH, Beatriz, op. cit., p. 281, 835. 209 FONSECA, Cristina M. Oliveira, op. cit., p. 262.

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decorrer do primeiro governo de Getúlio Vargas, em condições “ideais”210·: a racionalização e contenção de gastos públicos, a formulação de uma nova política de recursos humanos (com a previsão para o estabelecimento do estatuto dos funcionários públicos), a racionalização da estrutura da administração federal, a intervenção estatal na economia e na vida social.

Isto teria lugar pelo processo de burocratização do Estado, com a incorporação de funcionários públicos “profissionais”.

As proposições elaboradas pelos técnicos e especialistas da área defendiam a instituição de um sistema burocrático e centralizado, e muitas vezes as argumentações sustentavam-se em interpretações dos autoritários, ou seja, em uma filosofia pública que ganhou força nos discursos interpretativos da época (FONSECA, 2007, p. 15).

Neste cenário de mudanças constantes, as normas institucionais foram feitas e refeitas, incluindo-se a criação de novos organismos (o Ministério da Educação e Saúde Pública e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio) e a profissionalização desse campo, o que gerou, por sua vez, novas forças políticas e novos grupos de interesses que repercutiram sobre os desdobramentos políticos das respectivas áreas nos anos seguintes211.

Particularmente com a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1931 e a organização dos seus departamentos técnicos (como o Departamento Nacional do Trabalho no ano de 1932), foram estabelecidas as bases institucionais para a regulação das relações de trabalho. Tais medidas significaram “a ‘estatização’ da luta econômica de classes, desde aí inevitavelmente mediada pela ação regulatória do Estado”212.

210 O período aqui analisado apresenta peculiaridades por ter sido um momento de instabilidade

política em que as regras institucionais passavam por mudanças significativas decorrentes de um quadro de disputa de poder que teve início com a Revolução de 1930. A reformulação institucional dava-se concomitantemente à reelaboração do jogo político. Trata-se de um período de ajustes e negociações políticas, em que as próprias regras constitucionais de 34 e o quadro político eleitoral refletiram a diversidade dos interesses em jogo.

211 Cf. FONSECA, Cristina M. Oliveira. Saúde no Governo Vargas: 1930-1945; dualidade institucional

de um bem público. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2007.

212 DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses: um estudo sobre a constituição do estado e as

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Como soe observar das medidas adotadas pelo Governo Provisório por meio

dos decretos expedidos e enumerados nos tópicos precedentes, foram elas sistematizadas na Constituição Federal de 1934, senão vejamos:

1. Competência privativa da União para:

1.1. nomeação do corpo diplomático e consular (art. 5º, inciso I); 1.2. manutenção do serviço de correios (art. 5º, inciso VII);

1.3. explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos, rádio-comunicação e navegação aérea, inclusive as instalações de pouso, bem como as vias-férreas que ligassem diretamente portos marítimos a fronteiras nacionais, ou transpusessem os limites de um Estado (art. 5º, inciso VIII);

1.4. estabelecer o plano nacional de viação férrea e o de estradas de rodagem, e regulamentar o tráfego rodoviário interestadual (art. 5º, inciso IX);

1.5. fixar o sistema monetário, cunhar e emitir moeda, instituir banco de emissão (art. 5º, inciso XII);

1.6. fiscalizar as operações de bancos, seguros e caixas econômicas particulares (art. 5º, inciso XIII);

1.7. traçar diretrizes da educação nacional (art. 5º, inciso XIV);

1.8. organizar defesa permanente contra os efeitos da seca nos Estados do norte (art. 5º, inciso XV);

1.9. legislar sobre:

1.9.1. direito penal, comercial, civil, aéreo e processual; registros públicos e juntas comerciais (art. 5º, inciso XIX, alínea a);

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1.9.2. normas fundamentais do direito rural, do regime penitenciário, da arbitragem comercial, da assistência social, da assistência judiciária e das estatísticas de interesse coletivo (art. 5º, inciso XIX, aliena c);

1.9.3. matéria eleitoral da União, dos Estados e dos Municípios, inclusive alistamento, processo das eleições, apuração, recursos, proclamação dos eleitos e expedição de diplomas (art. 5º, inciso XIX, alínea f);

1.9.4. sistema de medidas (art. 5º, inciso XIX, alínea h);

1.9.5. comércio exterior e interestadual: instituições de crédito; câmbio e transferência de valores para fora do país; normas gerais sobre o trabalho, a produção e o consumo, podendo estabelecer limitações exigidas pelo bem público (art. 5º, inciso XIX, alínea i);

1.9.6. bens do domínio federal, riquezas do sub-solo, mineração, metalurgia, águas, energia hidro-elétrica, florestas, caça e pesca e a sua exploração (art. 5º, inciso XIX, alínea j);

1.9.7. condições de capacidade para o exercício de profissões liberais e técnico- científicas, assim como do jornalismo (art. 5º, inciso XIX, alínea k);

1.9.8. incorporação dos silvícolas à comunhão nacional (art. 5º, inciso XIX, alínea l). Tem-se, com isto, a unificação da legislação;

1.10. execução dos atos, decisões e serviços federais por funcionários da União ou pelos dos Estados, mediante acordo com os respectivos governos (art. 5º, inciso XIX, §1º);

1.11. estabelecimento de plano sistemático e permanente contra as secas nos Estados no norte, além das obras e serviços de assistência (art. 177), quantia nunca inferior a 4% da sua receita tributária sem aplicação especial;

2- Manutenção:

2.1. da Justiça Eleitoral (art. 82);

2.2. da estrutura dos Ministérios, com o acréscimo do Ministério da Educação e Saúde Pública e do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (art. 59);

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2.3. do sistema da representação proporcional, do voto secreto e da representação profissional (arts. 23 e 181);

2.4. dos conselhos técnicos (art. 103 e 17 das Disposições Transitórias); 2.5. dos direitos políticos (art. 106);

2.6. da intervenção estatal sobre a indústria e as atividades econômicas (arts. 118 e 119);

2.7. da Justiça do Trabalho (art. 122).

3. Ratificação da legislação do Governo Provisório no tocante: 3.1. aos sindicatos213 (art. 120);

3.2. à legislação trabalhista214 (art. 121, incisos e parágrafos);

3.3. às iniciativas tomadas nas áreas da educação e saúde (art. 148, 149, 150, 151, 152, 158; 138, alíneas b, c, f e g, 140, 141).

4. Celebração de acordo entre União e estados para a melhor coordenação e desenvolvimento dos respectivos serviços públicos, uniformização de leis, práticas ou regras, arrecadação de imposto, prevenção e repressão de criminalidade, inclusive para permuta de informações (art. 9º).

213 O Decreto do Governo Provisório 19.770 de 19 de março de 1931 regulou a sindicalização das

classes patronais e operárias e dava privilégio, em cada localidade, a uma só associação (tendência ao sindicato único). Pouco antes da promulgação da Constituição de 1934, o Decreto 24.694 de 12 de julho de 1934 regulou a constituição e o funcionamento dos sindicatos profissionais, pelo critério da pluralidade sindical: “Podem organizar-se em sindicatos, independentes entre si: a) os que, como empregadores, explorem o mesmo gênero ou espécie de atividade agrícola, industrial ou comercial; b) os que, como empregados, trabalhem em profissões idênticas, similares ou conexas; c) os que exerçam profissão liberal; d) os que trabalhem por conta própria”(art. 3º).

214 O Estado foi investido de um duplo poder: poder de política e poder de tutela. Poderia, assim,

regular o serviço dos estabelecimentos industriais do ponto de vista da higiene, da segurança e da moralidade dos operários, fixar as horas de trabalho para as crianças e mulheres e mesmo para os adultos, assegurar-lhes uma indenização quando eram vítimas de trabalho.

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A Constitucionalização pode, ainda, ser integralmente constatada pelos dispositivos constantes dos arts. 187 da CB/34 e 18 das Disposições Transitórias, in

verbis:

Art. 187. Continuam em vigor, enquanto não revogadas, as leis que, explícita ou implicitamente, não contrariem as disposições desta Constituição.

Art. 18. Ficam aprovados os atos do Governo Provisório, interventores federais nos Estados e mais delegados do mesmo Governo, e excluída qualquer apreciação judiciária dos mesmos atos e dos seus efeitos.

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5. NACIONALIZAÇÃO DO SUBSOLO, DAS ÁGUAS, DAS JAZIDAS MINERAIS E