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3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

3.7. RELAÇÕES DE TRABALHO NO PEIXE CRU NOVO

É como se diz: a aranha vive do que tece. Com a gente também é assim. (Depoimento Informal)15.

Em Peixe Cru come-se do que se planta e daquilo que já foi plantado. Esta estreita relação com a terra perpassa as relações estabelecidas e é definidora da identidade da comunidade. Nessa medida, a mudança do tipo de terras (antes de vales e, agora, de chapada), da quantidade de terras (cada família recebeu, em média, 60 hectares), do tipo de propriedade (Todos ganharam terra, em oposição ao fato de que nem todos eram proprietários e mantinham relações de trabalho como meeiros ou parceiros), implica numa profunda mudança nas relações de trabalho e sociais. O trabalho era definido, em primeiro lugar pela propriedade. Quem não era proprietário trabalhava em terras de outras pessoas num esquema de meia ou de parceria, entretanto, como, agora, todos são proprietários não há mais este esquema de auxílio mútuo, pois cada um cuida da sua própria terra. As famílias passaram a trabalhar sozinhas, numa propriedade que é muito maior do que as que possuíam na beira do rio. Além disso, o modo de produção é diferente e muito mais sujeito às mudanças climáticas e à necessidade de correção e preparação do solo. No início de 2006, com uma das secas mais severas dos últimos tempos, as plantações de milho e feijão praticamente não sobreviveram, tendo sido pouca coisa aproveitada. Até a data da realização da minha primeira ida a campo, o que ainda resistia ao tempo era a mandioca, que é naturalmente mais resistente à seca. Essas incertezas em relação ao retorno do plantio era causa de apreensão por parte dos membros da comunidade que foram entrevistados. Entretanto, em uma segunda viagem à comunidade observou-se que, com as chuvas que se iniciaram em fevereiro, a comunidade voltou a plantar e conseguiu obter uma boa colheita.

Essa relação com aquilo que é possível produzir na chapada, tem sido um aprendizado constante para os moradores de Peixe Cru. Durante as entrevistas realizadas em dezembro de 2006, a maioria das pessoas fez menção ao fato de não ser possível produzir milho nas novas áreas, embora, se consiga uma boa produção de feijão, mandioca e arroz.

Em janeiro de 2006, o término do sistema de parceria foi apontado, pelos antigos donos de terra, como causa da desunião da comunidade, enquanto os antigos não proprietários

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Dados da entrevista concedida pelo Sr. José Maria Pereira dos Santos, morador de Peixe Cru. Pesquisa de campo realizada em 15/01/2006.

apontavam como um aspecto positivo. De qualquer forma, sem considerar os ganhos financeiros para aqueles que receberam terras, essa mudança em relação ao sistema de parceria mantinha relação direta, pelo menos no discurso dos meus entrevistados, com um certo enfraquecimento das relações sociais. Em dezembro de 2006, a situação já parecia mais normalizada, uma vez que muitas pessoas já haviam vendido suas áreas e estabelecido relações de trabalho nas terras dos outros, ou seja, reproduzindo formas de parceria e de trabalho conjunto mais próximas daquelas vividas no Peixe Cru Velho.

Em relação à questão produtiva e às dificuldades de estabelecimento da produção agrícola, é interessante pensar que este processo depende de variáveis como: tipo de solo, clima, equipamentos de suporte, como trator. Mas, também como colocou Mauss (1974): “a situação propriamente geográfica constitui apenas uma das condições das quais depende a forma material dos agrupamentos humanos; é na verdade mais freqüente que seus efeitos só se produzam por intermédio de múltiplas condições sociais que ela começa por afetar e que são o que pode explicar o resultado final. Em poucas palavras, o fator telúrico deve ser colocado em relação ao meio social na sua totalidade e complexidade”.

Outras práticas de trabalho como o garimpo e o corte de cana em São Paulo, também sofreram alterações em função do reassentamento. O garimpo, dada a distância do rio e a mudança de suas características (passou a ser um reservatório), ficou inviabilizado. Essa foi uma profunda alteração no esquema de trabalho da comunidade, uma vez que a maioria dos homens realizava alguma forma de garimpo, ou como atividade principal ou como atividade complementar de renda. Segundo as falas dos entrevistados, se havia qualquer problema com a lavoura, as pessoas iam ao rio para garimpar e acabavam retirando alguma coisa que os permitia bancar sua sobrevivência por um determinado tempo.

Em relação à migração temporária para trabalhar no corte da cana em São Paulo, nota-se uma alteração no fluxo migratório, uma vez que tem havido retorno de alguns membros das famílias da comunidade para iniciar um trabalho na terra e, ainda, comprar algum lote na área destinada à expansão do povoado (cerca de 40 hectares que foram destinados à associação comunitária visando garantir futuras expansões do povoado). Esse aspecto pareceu positivo conforme conversas com as pessoas que já retornaram de São Paulo. Um caso é o Nelson, filho da Sra. Jacinta, que morava em Botucatu: “às vezes é melhor ganhar R$200,00 aqui do que R$500,00 lá, porque Botucatu é no interior, mas é uma cidade muito cara, porque é

universitária. É difícil encontrar bom emprego para quem tem pouco estudo”. (Depoimento Informal)16.

Uma outra modalidade de trabalho que tem sido desenvolvida por algumas famílias é a produção de carvão, a partir da queima do eucalipto. A área em que foi instalado o povoado era uma grande plantação de eucalipto, o qual foi desmatado para que a comunidade fosse instalada. Assim, havia na área em que estão localizados os 5 hectares das famílias, um conjunto de fornos para a queima do carvão. Algumas famílias estão retirando restos de raízes do eucalipto já retirado para transformar em carvão. Como não dominam esta técnica, aqueles que estão se dispondo a este trabalho estão pedindo ajuda daqueles que detém a técnica da queima do carvão.

Entretanto, se por um lado há outras modalidades de trabalho se mostrando, o que se percebe, por outro, é que grande parte dos homens ainda se ressente da falta do garimpo. “Nesse período sem roça, as pessoas iam para o rio, para o garimpo. Aqui não tem roça, as pessoas ficam esperando paradas para ver o que vai acontecer. Quando acabar a ajuda do dinheiro da CEMIG, esse pessoal vai passar necessidade” (Depoimento Informal)17.

Segundo Engels (1980, p. 7), “o trabalho é a fonte de toda a riqueza, dizem os economistas. E o é de fato... juntamente com a Natureza que lhe forneceu a matéria-prima por ele transformada em riqueza. Mas é infinitamente mais que isso. É a condição fundamental de toda a vida humana, e em tão elevado grau que, certo sentido, se pode dizer: foi o trabalho que criou o próprio homem”. Essa condição foi profundamente alterada com a realocação do povoado, na medida em que inseriu novos parâmetros: a alteração do tipo de produção, em função da diferente condição das terras na nova área, e o término da atividade do garimpo.

Ao trabalho está atrelada a questão da sobrevivência e na Nova Peixe Cru esta se tornou fortemente condicionada ao dinheiro. Isto porque a, ainda, inexistência de pomares formados (que compunham a base da alimentação da comunidade), o fato de que precisam pagar pelo bombeamento da água e a maior proximidade com a sede do município (a maior vantagem da mudança, segundo grande parte dos entrevistados, foi a melhoria dos acessos viários e a proximidade com Turmalina) implicam em que os moradores tenham recursos financeiros para garantir a satisfação de suas necessidades básicas. Esse foi apontado, tanto nas entrevistas realizadas em janeiro quanto nas de dezembro de 2006, como o principal aspecto negativo da mudança: “agora para comer uma fruta, banana ou laranja, é preciso

16 Dados da entrevista concedida pela Sra. Jacinta. Pesquisa de campo realizada em15/01/2006.

pagar”.(Depoimento Informal)18. Essa monetarização da comunidade (e das relações) significou para os moradores uma alteração que ainda apresenta dificuldades.