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Capítulo IV – Análise das Entrevistas e Interpretação dos Dados

4.5. DIMENSÃO SOCIAL

4.5.3. Relacionamento Intra Muros

O trabalho dos guardas prisionais não é solitário. E por isso, torna-se perentório aferir-se a qualidade do relacionamento que desfrutam com os pares, com os reclusos e mesmo com os membros da direção.

Relativamente à relação estabelecida entre os pares, as reações são adversas. Há os que consideram que existe um bom relacionamento e uma boa camaradagem, ao contrário de outros, que relatam que existe rivalidade; conflito de papéis; agem conforme o interesse que têm; falta de camaradagem.

No que concerne ao relacionamento que estabelecem com os reclusos, os guardas mencionaram muitos aspetos positivos. Falam mesmo na transmissão de energia que os reclusos lhes transmitem; descrevem a relação como boa; harmoniosa; no exercício das suas funções conseguem impor uma atitude assertiva e de respeito perante os reclusos. Contudo, há os que não conseguem separar o recluso do crime que cometeu.

Quanto ao relacionamento com os membros da direção, os guardas ficaram um pouco apreensivos em exprimirem o que realmente sentem. Todavia, relataram ter um relacionamento bom; sem queixa; enquanto que os guardas mais ousados, expuseram a sua opinião relativa à postura inadequada de liderança por parte dos que detêm cargos de chefia e consideram mesmo partilharem um mau relacionamento.

Dos guardas que se expressaram relativamente ao relacionamento que ostentam entre os pares, as formas como descreveram a relação foi realizada de várias formas.

Ivo, evidencia o espírito de camaradagem existente e a vontade que muitos demonstram em ajudar o próximo, indo ao encontro do que Pinto da Costa (2008:18) evidencia ao referir que os recursos da rede social são constituídos pelas relações

64 sociais disponíveis que podem ser objetivamente chamadas a prestar ajuda em caso de necessidade e que oferecem uma ligação estável num grupo social.

Deste modo, Ivo atesta que “O relacionamento com os colegas é ótima, boa

camaradagem, procuramos sempre ajudar uns aos outros e darmos o nosso melhor. Procuro quem me saiba ajudar e informar. O ambiente é ótimo e saudável.” (E.6, Ivo)

Para Gonçalo, o relacionamento entre colegas é aceitável “ O relacionamento

com os colegas é bom. Há bom ambiente, dou-me bem com todos.”. Contudo,

contradiz-se quando refere que sente alguma rivalidade entre colegas “A camaradagem

é boa, embora entre alguns haja rivalidade.” (E.1, Gonçalo)

Porém, nem tudo é perfeito e, os entrevistados chegam mesmo a referir aspetos menos bons nestes relacionamentos, tal como já evidenciamos pelo testemunho de Gonçalo.

Os conflitos de papéis foram também mencionados, a constatar pelos relatos de Guilherme e Afonso, pelo facto de muitos colegas não se esforçarem em entender as várias posturas adotadas pelos diferentes colegas.

“O relacionamento com os colegas tem dias, há situações de extremo em que é complicado gerir.” (E.4, Guilherme), bem como de Afonso “Alguns colegas que criam barreiras porque não compreendem a nossa postura face à nossa posição.” (E.5,

Afonso)

Gil refere, com maior gravidade, casos de colegas que agem e se relacionam conforme o interesse pretendido “O comportamento de muitos colegas é que não estão

muito abertos a e que só aderem às coisas por interesse pessoal ou então fazem as coisas porque sabem que vão ser recompensados, caso contrário não o fariam.”.

As pessoas que se relacionam somente por interesse próprio, levam-nas, naturalmente, a assumir uma postura de falta de camaradagem e consequente criação e instigação ao conflito “ (…) poderia ser melhor, poderíamos ser uma família e não o

somos. Por vezes existem aí conflitos que mais parecem brigas de miúdos por rebuçados, o que não faz sentido ainda mais em pessoas com a idade que têm, com a função que desempenham, que deveríamos ser o mais unidos possível, o que é bom para nós, para nos defendermos uns aos outros. Mas há sempre alguém a furar o sistema e a

65 querer que as coisas não corram bem. Mesmo os convívios que se faziam, davam muito trabalho, mas fazia-o com gosto, mas deixou de acontecer porque via que não havia camaradagem nem união.” (E.10, Gil)

Tendo em conta a relação que os guardas têm com os reclusos, é referido que: Existe uma boa relação, segundo opinião de Hugo, uma vez que encaram bem as ordens por este instituídas “A relação com os reclusos é boa. Eu tento fazer aquilo que

é mais correto, sigo as regras, eles têm de saber ouvir o sim ou o não.” (E.2, Hugo)

Gonçalo relata mesmo a transmissão de energia que os reclusos lhe conferem

“Relativamente aos reclusos, há bom relacionamento, dão-me energia para continuar com as minhas funções.” (E.1, Gonçalo)

Guilherme designa as suas relações com os reclusos de harmoniosas, já que existe um respeito mútuo “Dentro dos possíveis tentamos que haja uma relação

harmoniosa com os reclusos, mas é como tudo, tem dias. O nosso instrumento de trabalho são eles, por isso tentamos não passar dos extremos.” (E.4, Guilherme)

Também Tomé se refere à importância da existência do sentimento de respeito para com os reclusos, até porque considera ter, fruto da sua profissão, uma grande proximidade com eles “Com os reclusos há uma relação muito próxima, já que estes

vêem-nos como um amigo a quem podem contar tudo. Sente-se um respeito mútuo.”

(E.8, Tomé)

Da mesma forma, Ivo fala também da importância de haver o tal respeito mútuo, de forma a que as coisas dentro da prisão corram bem, mas também o facto de ser pertinente que o guarda se coloque no lugar do recluso e adquira a sua linguagem, de forma a que sejam de fácil lida “Com os reclusos, fazemos de pai, de mãe, de

conselheiro…enfim, de tudo para eles. No fundo, quem lida com eles somos nós. Temos de tentar às vezes resolver as situações da melhor forma para que não dê para o torto, como se costuma dizer. Eu sinto que eles me respeitam, tal como eu os respeito. Não pactuo muito com a agressividade, apesar de que às vezes tem de ser. Uma pessoa, às vezes, é obrigada também a deixar-se entrar no vocabulário deles, obrigado a ser

66 agressivo também, porque por vezes eles não cedem, não respeitam. Houve situações em que já parti para o confronto físico. Lido com ele como se fossem cidadãos comuns.” (E.6, Ivo)

Ainda sobre a importância do respeito mútuo, Gil, refere que “Tenho também as

minhas técnicas, que fazem com que consiga levar os reclusos a bom porto, ou seja, ou consigo que eles me respeitem e que façam aquilo que lhes peço.” (E.10, Gil)

Já João, foca-se na necessidade dos guardas tentarem ter uma atitude assertiva e neutra no que toca ao relacionamento com os reclusos, uma vez que “ (…) tento não

lidar com eles tendo em conta o crime, não tenho de ter isso em linha de conta, tenho é de fazer o meu trabalho da melhor forma.” (E.9, João)

Apesar dos esforços e de saberem que não estão a ser corretos, há guardas, como o exemplo relatado por Gil, que não conseguem fazer a separação entre o recluso e o crime que cometeu “Inicialmente não conseguia tratar os reclusos de forma igual

porque não conseguia separa-los do crime que cometiam, principalmente quando os crimes diziam respeito a mulheres e crianças, cheguei a ter alguns conflitos. No entanto, o tempo e as formações foram-me dizendo que eu não tinha nada a ver com isso e simplesmente tinha de cumprir a minha missão. Então aí, comecei a separar as coisas.” (E.10, Gil)

No que respeita à relação que os guardas prisionais têm com os membros da direção, estes foram menos expressivos relativamente às suas opiniões.

Deste modo, se alguns não evidenciam qualquer tipo de queixa por parte dos membros que os dirigem…

Tal como Afonso “Com os membros da direção também é tudo pacífico, o que

prevalece é sempre o seu poder.” (E.5, Afonso) e, para João que até relata a época de

festas em que o diretor também alinha “ (…) os guardas lidam pouco com o diretor,

mas na minha opinião o diretor é uma pessoa acessível e alinha connosco ir a jantares de convívio.” (E.9, João)

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… para outros, a relação é:

“Apenas” boa, como refere Leonardo “(…) excetuando uma ou outra pessoa, o

relacionamento também é bom.” (E.3, Leonardo)

Outros entrevistados referiram problemas na relação com a direção, mencionando, sobretudo, falta de atenção às opiniões manifestadas pelos guardas prisionais.