3. Processo de edição, revisão e cancelamento da súmula vinculante
3.1 Requisitos: controvérsia atual, grave insegurança jurídica e relevante
idêntica
O dispositivo constitucional que estabelece os objetivos da súmula vinculante como sendo eliminar discussões sobre a validade, interpretação e eficácia de normas carrega em seu texto importantes direcionamentos, como a menção à “controvérsia atual”.
No contexto dos objetivos mencionados, a súmula será editada se o entendimento divergente entre os tribunais ou entre estes e a administração pública caracterizar uma “controvérsia atual”.
Esse termo parece sugerir que a divergência motivadora de edição de um enunciado sumular deva promovendo uma relevante multiplicação de
processos ocasionando grave insegurança jurídica, ou seja, as divergências estão ocorrendo.
A desarmonia atual entre os tribunais ou entre estes e a administração pública, para que torne justificável a edição de uma súmula com efeitos vinculantes, deve estar ocasionando uma grave insegurança jurídica.
Termos indeterminados como “grave insegurança jurídica” ocasionam sérios problemas interpretativos, pois não são unívocos e podem gerar muitas discussões, tendo em vista, como bem aponta STRECK (2005), que o sentido desses termos não poderá ser produto de discricionariedade27 do Poder
Judiciário ou do Pode Executivo.
No entanto, é possível identificar um estado de insegurança jurídica se focar a verificação nas inúmeras decisões divergentes dos tribunais e na dificuldade de previsibilidade de dizer o direito para o caso que gera posicionamentos antagônicos.
Se atentarmos com maior reflexão sobre intenção do constituinte derivado quando inseriu como requisito para edição da súmula vinculante o estado de insegurança jurídica, chegaremos à conclusão de que buscou-se preservar a coerência do sistema jurídico.
Preceitua o artigo 103-A da Constituição Federal de 1988:
27 “Não esqueçamos que, por vezes, a grave insegurança (sic) é provocada por falta de políticas públicas
ou decisões legislativas, como, por exemplo, no caso das ocupações coletivas de terras ou as invasões urbanas, que seguramente ocorrem em face do não-cumprimento da Constituição por parte das autoridades governamentais. Não será, portanto, qualquer crise – por exemplo, uma crise energética, que deu origem a uma ação declaratória de constitucionalidade sobre o “apagão” – que preencherá o conteúdo, a toda evidência, vago e ambíguo – do enunciado” (STRECK, Lenio Luiz. In Comentários à Reforma do Poder Judiciário. 2005, p. 182).
Art. 103-A “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação das partes, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.”
Nessa linha foi elaborada a Lei 11.417 de dezembro de 2006 que objetivou regulamentar o art. 103-A da Constituição Federal de 1988:
Art. 2º. “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, editar enunciado de súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei.”
Muito se indagou sobre o real objetivo da súmula vinculante, inúmeros argumentos a favor foram levantados, outros tantos se posicionaram com enfático descrédito, porém, inegável é reconhecer que um dos objetivos, se não o principal, foi atacar diretamente a multiplicação de processos que tem prejudicado desde há muito tempo uma prestação jurisdicional efetiva pelo judiciário brasileiro.
Temos nos posicionado a favor da tese que entende ser o objetivo da súmula vinculante a diminuição de processos que inflacionam os gabinetes dos aplicadores do direito ocasionando uma morosidade mórbida para que o Estado diga qual norma deverá ser aplicada ao caso concreto trazido aos órgãos do Poder Judiciário, bem como ao Supremo Tribunal Federal.
Da súmula vinculante, enquanto mecanismo disciplinador e limitador de demandas judiciais tem originado, ainda, uma dúvida crucial no que se refere à sua edição, se seria necessária reiteradas decisões idênticas no âmbito do STF para a elaboração do texto sumular ou se tal requisito deve repousar na verificação de relevante multiplicação de processos repetitivos nos demais órgãos do Judiciário.
TAVARES28 (2007) entende que tanto a relevante multiplicação de processos no âmbito do Judiciário quanto as reiteradas decisões idênticas sobre matéria constitucional emanadas do Supremo Tribunal Federal poderiam motivar a edição de uma súmula vinculante.
Outra questão nos parece importante colocar à discussão, se seria necessário aguardar uma multiplicação acentuada de processos idênticos ou no mínimo semelhantes.
Pela interpretação do art. 103-A da Constituição Federal, bem com do art. 2º da Lei 11.417 de dezembro de 2006 nos parece que não, visto que a multiplicação dos processos é esperada devido à previsibilidade de que inúmeras pessoas dentro de uma sociedade passarão enfrentarão situações idênticas ou semelhantes que demandarão a aplicação de uma mesma norma jurídica para a solução do conflito.
O entendimento mais correto deve ser aquele que compreende que a multiplicação de processos possui um objeto relevante29 juridicamente falando, sendo assim preenchido o requisito para edição de uma súmula vinculante.
28 Sobre esse assunto consultar TAVARES, 2007, PAG. 41 E 42.
29 “É necessário esperar a multiplicação desmedida de processos exatamente idênticos ou semelhantes?
Parece que não. A multiplicação, que é rotineira em causas comuns a centenas de pessoas, deve ser relevante (como v.g., ocorre atualmente na discussão sobre a correção monetária do valor da pensão por morte concedida pelo INSS). Não se exige aqui, relevante multiplicação de decisões semelhantes (no
No entanto, deve-se lembrar que o texto constitucional e a Lei 11.417/2006 fazem referência a edição, revisão e cancelamento de enunciado de súmula vinculante.