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Requisitos necessários ao deferimento do pedido de recuperação judicial e a

3. LIMITES ENTRE A ANÁLISE DA VIABILIDADE ECONÔMICA E FINANCEIRA DO

3.2. Requisitos necessários ao deferimento do pedido de recuperação judicial e a

Outro ponto importante que na prática tem gerado nítido ativismo judicial nos processos de recuperação judicial é a determinação, por alguns juízes, da realização de perícia prévia antes do processamento e deferimento do pedido.

A lei de recuperação judicial é clara ao expor, em seu artigo 5286, que estando em

termos a documentação prevista no artigo 5187, o juiz deferirá o processamento do

pedido, tomando as demais medidas de praxe que se seguem.

85Em sentido complementar GODINHO, Robson: “A tensão entre a autonomia privada e as regras institucionais de

resolução de controvérsias não é um dado inscrito na natureza das coisas, mais sim um fenômeno historicamente condicionado por dois fatores: primeiro, a concepção do Estado moderno de apropriar-se dos meios e regras de resolução de controvérsias; em segundo lugar, a publicização do processo civil”.

86Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da

recuperação judicial e, no mesmo ato:

I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;

II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;

III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6o desta Lei,

permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1o, 2o e 7o do

art. 6o desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§ 3o e 4o do art. 49 desta Lei;

IV – determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores;

V – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.

§ 1o O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá:

I – o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial; II – a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a classificação de cada crédito; III – a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7o, § 1o, desta Lei, e para que

os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta Lei.

§ 2o Deferido o processamento da recuperação judicial, os credores poderão, a qualquer tempo, requerer a

convocação de assembleia-geral para a constituição do Comitê de Credores ou substituição de seus membros, observado o disposto no § 2o do art. 36 desta Lei.

§ 3o No caso do inciso III do caput deste artigo, caberá ao devedor comunicar a suspensão aos juízos

competentes.

§ 4o O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o deferimento de seu processamento,

salvo se obtiver aprovação da desistência na assembleia-geral de credores.

87Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:

I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico- financeira;

II – as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:

a) balanço patrimonial;

b) demonstração de resultados acumulados;

c) demonstração do resultado desde o último exercício social; d) relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção;

III – a relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente;

Temos então que da análise da lei podemos tirar duas evidentes e imediatas conclusões: 1- basta que a empresa que pleiteia a recuperação judicial faça a juntada de toda a documentação que o juiz deverá deferir seu processamento; 2- não cabe aqui qualquer outra análise por parte do juízo, mas apenas e tão somente a verificação de que se os documentos juntados estão corretos e respeitam o disposto no artigo 51; estando, deverá ele deferir o processamento, o que gerará todos os efeitos seguintes (como, por exemplo, a suspensão das dívidas concursais).

Hoje existem alguns entusiastas defensores da realização da perícia prévia no momento da análise da documentação prevista no artigo 51. Segundo os magistrados defensores88, com a medida ao menos 30% (trinta por cento) das empresas são

impedidas de acessar o Judiciário, o que, também segundo eles, gera um resultado positivo na outra ponta, com a aprovação de boa parte das recuperações.

O segundo grande argumento trazido pelos defensores da perícia prévia, é que muitas empresas chegam ao Judiciário sem condições reais de recuperação, utilizando o instrumento apenas e tão somente como uma forma de postergar sua falência, o que causaria prejuízo para a sociedade. Segundo eles, ainda, o número de recuperações judiciais explodiu recentemente, o que provoca uma atenção especial na análise do processamento ou não dos pedidos.

Existem muitas matérias de jornais especializados em temas jurídicos que destacam a elevação no número de perícias prévias. Para ilustrar, vale a leitura das reportagens do IV – a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento;

V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores;

VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor;

VII – os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras;

VIII – certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial;

IX – a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.

§ 1o Os documentos de escrituração contábil e demais relatórios auxiliares, na forma e no suporte previstos em

lei, permanecerão à disposição do juízo, do administrador judicial e, mediante autorização judicial, de qualquer interessado.

§ 2o Com relação à exigência prevista no inciso II do caput deste artigo, as microempresas e empresas de

pequeno porte poderão apresentar livros e escrituração contábil simplificados nos termos da legislação específica. § 3o O juiz poderá determinar o depósito em cartório dos documentos a que se referem os §§ 1o e 2o deste artigo

ou de cópia destes.

88 No mesmo sentido, matéria do site eletrônico Conjur, em que o tema é abordado. http://www.conjur.com.br/2016-

jornal Valor Econômico, a primeira do dia 18.04.201689, que conta com a entrevista com

um dos magistrados precursores dessa novidade, e a segunda, datada de 14.06.201690,

dando conta de medidas similares também no estado do Rio de Janeiro.

Como forma de demonstrar do ponto de vista jurisprudencial de que maneira se dá tal intervenção, foi realizada objetiva análise da decisão oriunda do processo nº 1031917- 55.2016.8.26.0100, em trâmite na 1ª Vara Especializada em Falências e Recuperações Judiciais (decisão anexada na íntegra do ensaio).

Nela, a empresa Expresso Maringá Transportes Ltda ajuíza ação com pedido de recuperação judicial, anexando para tanto toda a documentação prevista em lei e que, como já salientado, vincularia o Juízo ao imediato deferimento do pedido, com todos os seus conhecidos efeitos, tão essenciais para as empresas em dificuldades.

O Juízo que analisou o pedido em questão não discute a correta anexação dos documentos legalmente necessários. Ao contrário, expõe toda a importância da juntada de tais documentos para a correta condução dos processos. Vejamos: “Conforme dispõe

o art. 51 da Lei nº 11.101/05, a petição inicial do pedido de recuperação judicial deve ser instruída com demonstrações contábeis do balanço patrimonial, de demonstração de resultados acumulados e desde o último exercício social, bem como de relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção. Exige-se, ainda, um relatório completo da situação da empresa do ponto de vista econômico e comercial. Tais documentos são essenciais para que o juízo tenha condições iniciais de conhecer as reais condições da empresa devedora, especialmente no que concerne à sua viabilidade financeira, econômica e comercial. Isso porque, o objetivo da lei é garantir a continuidade da atividade empresarial em razão dos benefícios sociais dela decorrentes, como geração e circulação de riquezas, recolhimento de tributos e, principalmente, geração de empregos e rendas”.

Além disso, o mesmo Julgador demonstra conhecer os efeitos importantes do deferimento da recuperação, inclusive enfatizando a relevância de tal decisão, especialmente no que diz respeito à suspensão automática de todas as ações e execuções em face do devedor.

89http://www.valor.com.br/legislacao/4527623/juizes-estao-mais-exigentes-na-analise-de-pedidos-de-recuperacao. 90http://www.valor.com.br/legislacao/4598979/analise-previa-da-recuperacao-judicial.

Todavia, feitas as pertinentes considerações acima em sua decisão, o Juízo enfatiza ser necessário a constatação da situação da empresa in loco, de modo a se saber suas reais condições de funcionamento, sendo tal medida fundamental para que o instrumento legal da recuperação da empresa seja utilizado de maneira correta, cumprindo sua função social, sem a imposição desarrazoada de ônus e prejuízos à comunidade de credores.

Nessa linha, aduz o Juízo que não obstante a Lei nº 11.101/05 não tenha previsto expressamente uma perícia prévia de análise da documentação apresentada pela empresa requerente da recuperação judicial, o fato é que tal perícia deve ser inferida como consequência lógica do requisito legal estabelecido como condição para o deferimento do seu processamento, qual seja, a regularidade da documentação apresentada pela devedora, o que seria necessário no caso concreto do pedido de recuperação da empresa Expresso Maringá Transportes Ltda.

Por fim, o Julgador menciona que não dispondo a Vara de equipe técnica multidisciplinar para análise da adequação da documentação juntada pela empresa devedora, se faz necessária a nomeação de perito para realização de avaliação prévia e urgente, a fim de fornecer elementos suficientes para que o juízo decida sobre o deferimento do processamento do pedido, com todas as importantes consequências decorrentes de tal decisão.

Como já defendido ao longo do trabalho, o autor discorda completamente deste ativismo judicial que tem ocorrido nas recuperações judiciais, sendo este o primeiro ponto de crítica também ao uso da perícia prévia como instrumento na análise do processamento ou não do pedido de recuperação.

A lei é de clareza solar quanto obriga o juiz a processar o pedido de recuperação judicial caso a listagem de documentos prevista no artigo 51 esteja correta. Não existe aqui espaço para discricionariedade dos magistrados; devem eles apenas fazer um check list dos documentos e estando tudo em conformidade com a norma, deverá ele processar a recuperação.

O perigo aqui, como no exemplo de ativismo abordado no capítulo anterior, é a banalização de um instrumento que foi criado com o objetivo precípuo de dar aos credores a possibilidade de decidir e deliberar sobre o futuro da empresa em recuperação, sendo que tal deliberação pode ser a recuperação ou a falência.

Ora, na medida em que o magistrado passa a solicitar perícia prévia para verificar viabilidade ou não de processar determinada recuperação judicial, o que na prática está ele a fazer é avocar para si poder exclusivo dos credores, pois caso eventualmente a perícia conclua que a empresa não possui viabilidade econômica, o magistrado então indeferirá o processamento, cabendo à empresa requerente, buscar outra maneira de recuperação ou então aceitar a falência.

Tal medida também inverte totalmente a ordem processual estipulada em lei, pois sob o argumento de proteger a sociedade, antecipa uma perícia que em verdade deveria ser feita, como a lei determina, em caráter mais amplo, quando da elaboração do plano de recuperação judicial. Realizar a perícia prévia é, portanto, uma clara intervenção judicial no processo (invertendo ou alterando sua ordem e lógica).

Outro reflexo da medida que pouco se discute, mas que na opinião do autor está evidenciado, é que ao interferir na lógica processual estipulada em lei, invertendo-a, está o magistrado se avocando de competência exclusiva do legislador federal. Se a lei determinou uma ordem lógica no processo e se isso foi aprovado no parlamento brasileiro, fato é que foi amplamente debatido até a aprovação, o que pode ser fartamente comprovado, aliás, por passagens já trazidas no presente ensaio. Assim, não pode o magistrado a seu bel prazer criar figura não prevista em lei e nem mesmo inverter qualquer ordem processual, por mais genuíno que possa ser o seu entendimento. A Constituição Federal não dá ao Poder Judiciário esta possibilidade.

Existem ainda pontos controversos do ponto de vista prático.

Um deles é que em geral a perícia é um instrumento moroso, que envolve não só as partes, mas também perito e assistentes técnicos e que permite, a todos os envolvidos, manifestações diversas, discordâncias e também eventuais recursos para instância superior. Todo o seu regramento está previsto no Código de Processo Civil e não é

possível nem alterar o seu procedimento legal, nem mesmo reduzir direitos que as partes possuem ante ao evento da perícia. Defender que uma perícia poderá se realizar rapidamente é tratar as exceções como regra e desconhecer a morosidade que envolve tal instrumento no Judiciário brasileiro.

O segundo ponto controverso do ponto de vista prático é que em geral perícias envolvem custos, que em muitos casos são elevados. Pode parecer redundante o argumento, porém é importante relembrar que uma empresa que pede recuperação judicial está com suas finanças debilitadas, seu fluxo de caixa deteriorado e sua saúde financeira por um fio. Então fica a pergunta: Qual o sentido de criar mais um ônus financeiro para a empresa em um momento em que o ativo mais precioso para a manutenção da sua atividade econômica e dos empregos é exatamente o dinheiro?

O terceiro e último ponto controverso do ponto de vista prático guarda relação com o primeiro, é o tempo. Uma empresa que pleiteia recuperação judicial necessita de maneira imediata dos benefícios legais que a lei lhe confere, como, por exemplo, a suspensão das dívidas concursais até a votação do plano. Não se resolvendo a perícia rapidamente, o que na opinião do autor é o que ocorrerá na maioria esmagadora dos casos, o resultado é que o estrangulamento financeiro e, possivelmente, patrimonial, seguirá até que a perícia esteja concluída e o Judiciário decida pelo processamento ou não da recuperação, o que tornará a chance posterior de recuperação ainda mais dramática.

Por fim, o argumento de que tal medida protege os interesses da sociedade é totalmente discutível.

Na opinião do autor, o que protegerá de fato a sociedade será o amadurecimento do instrumento da recuperação judicial, sendo que este amadurecimento necessariamente passa pelo respeito por parte do Judiciário ao que está previsto em lei. Se empresas utilizam incorretamente o instrumento, os credores não lhe darão sobrevida. Não vai ser por meio de um ativismo judicial, que cria e modifica regras previstas em lei, que o instrumento amadurecerá e passará a ter seu uso feito de maneira mais correta por todos.

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