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3 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

3.5 Requisitos para a aplicabilidade

A restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com total falta de critérios, nem como derivar da interpretação meramente subjetiva do julgador. Ao contrário, há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de vetores tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância, de modo mais coerente e equitativo possível, com intuito de afastar eventual lesão ao princípio da segurança jurídica.

O postulado da insignificância tem sido acolhido pelo magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal53, sob a condição de emprego de determinados requisitos de ordem objetiva e subjetiva. Consoante o entendimento desta Suprema Corte5455:

53 HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU – HC 88.393/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 92.463/RS, Rel.

Min. CELSO DE MELLO – HC 94.505/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 94.772/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 95.957/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.

54 HC 92.463/RS, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, j. 16.10.2007, Em igual sentido: STJ: HC 89.357/ SP, rel.

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O ‘princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentaridade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

Acerca da formulação destes vetores, corrobora o pensamento de Johannes Wessels56, que sustentava que o ordenamento jurídico-penal só deveria cominar penas às

condutas socialmente danosas, definindo este termo como aquelas condutas capazes de afetar

a relação do indivíduo com o meio ao qual está inserido, constituindo uma ação suscetível de valoração no campo social. Ausentes estes elementos, não haveria relevância social da ação e, consequentemente, considerada irrelevante para o direito penal.

É imperioso que se analise, em cada situação concreta, a presença dos aludidos vetores, em que a constatação se mostra imprescindível para que se realize a descaracterização material da tipicidade penal da conduta imputada ao agente. Considera-se que a ausência de qualquer destes requisitos resulta na inaplicabilidade da insignificância57.

Luiz Flávio Gomes58, analisando o reconhecimento do princípio interpretativo da insignificância penal no direito nacional, alude ao seu caráter teleológico. Assim, sob uma perspectiva material, os tipos penais devem ser interpretados levando em consideração o conceito do bem juridicamente tutelado, em consonância com o princípio da fragmentariedade – somente os ataques intoleráveis aos bens jurídicos mais importantes é que devem ensejar o

jus puniendi estatal. Conclui-se, deste modo, que o descrito no tipo penal abarca tão somente

as ofensas penalmente significativas, que sejam compatíveis, então, com a finalidade da

norma.

Justiça.

55 Mais recentemente, STF: HC 138697 MC / MG, j. liminarmente 02/02/2017; e HC 137290 MC / MG, j.

liminarmente 28/09/2016.

56 WESSELS, Johannes. Direito Penal: aspectos fundamentais. Parte geral. Trad. Juarez Tavares da 5. Ed. alemã

de 1975. Porto Alegre: Fabris, 1976. Apud GUARAGNI, Fábio André. As teorias da conduta em direito penal: um estudo da conduta humana do pré-causalismo ao funcionalismo pós-finalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. P.222

57 HC 109.134/RS, Rel. Min. AYRES BRITTO.

58 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. 3º ed., rev, atual, e

40 O fato de ser o réu reincidente não impede, de per si, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto59.

Contudo, quando for o caso de reiteração delitiva o reconhecimento da insignificância penal é obstado, uma vez que imprescindível não apenas o exame do dano causado pela ação, mas também o desvalor da culpabilidade do agente, sob pena de se aceitar, ou mesmo incentivar, a prática de pequenos delitos60.

Conforme já referido, inexiste previsão legal acerca do princípio da insignificância no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, o legislador, prestigiando a relevância da aplicação desta causa de afastamento de tipicidade, considerou por oportuno dispô-la na redação do Anteprojeto de Código Penal, considerando como vetores aplicáveis justamente três das quatro condições já consolidadas na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. De acordo com o inteiro teor do artigo 28 da proposta legislativa61:

Exclusão do fato criminoso

Art. 28. Não há fato criminoso quando o agente o pratica: I - no estrito cumprimento do dever legal;

II - no exercício regular de direito; III - em estado de necessidade ou IV - em legítima defesa;

Princípio da insignificância

§ 1º Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições:

a) mínima ofensividade da conduta do agente;

b) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; c) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Excesso punível

§ 2º O agente, em qualquer das hipóteses do caput deste artigo, poderá responder pelo excesso doloso ou culposo.

Excesso não punível

§3º Não se aplica o disposto no parágrafo anterior em caso de excesso escusável por confusão mental ou justificado medo.

Constata-se, que se optou por excluir a condição referente à nenhuma

periculosidade social da ação. Com efeito, certamente pela rigidez terminológica contida na

expressão nenhuma, o que poderia ocasionar em inúmeras situações de distorção e abuso. Por certo, os vocábulos de mínima, reduzidíssimo e inexpressividade não trazem a mesma

59 HC 132739, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 01/02/2017.

60 HC 189.152/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 27/03/2012,

DJe 25/05/2012

61 Projeto de Lei do Senado Nº 236, de 2012 (Reforma do Código Penal Brasileiro). Disponível em:

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=3515262&disposition=inline. Acesso em 30 de maio de 2018. Texto Original.

41 concepção de total ausência do atributo. Pode ser que exista uma certa ofensividade da conduta, reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica, contudo, em escala desprezível.

Por fim, de suma importância ressaltar que a incidência do princípio da insignificância não tem como finalidade o abolicionismo penal. Se objetiva, tão somente, a efetividade do direito penal mínimo, ou seja, a defesa da redução dos mecanismos punitivos do Estado ao mínimo necessário e sempre com o devido acatamento aos direitos e garantias fundamentais.

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4 A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE

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