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Respeito à função uniformizadora da jurisprudência como função essencial das Cortes Supremas

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 96-102)

IV. CONFIGURAÇÃO DOS PRECEDENTES VINCULANTES NO SISTEMA PERUANO

4.5. Respeito à função uniformizadora da jurisprudência como função essencial das Cortes Supremas

Segundo Michele Taruffo, a função de uniformização da jurisprudência se mostra evidente na maior parte das modernas cortes supremas europeias. Nesse sentido, essas cortes constituem verdadeiras cortes de precedentes, constituindo sua principal função o estabelecimento de precedentes, por meio dos quais mostra qual é a interpretação correta da lei. Esses precedentes servem como referência para as decisões sucessivas nos casos iguais ou semelhantes.217

217 TARUFFO, Michele. Una reforma della Cassazione civile?. In: Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, n. 3, p. 761.

Da mesma forma, Michele Taruffo adverte que uma das funções comuns de diversas Cortes Supremas é a tutela e promoção da legalidade.218De acordo com a autora, o termo “legalidade”, no contexto da função desenvolvida pelos órgãos jurisdicionais, faz referência à correta aplicação do Direito. No entanto, a atenção não estará colocada na finalidade aplicativa da interpretação propriamente dita. Ao contrário, de acordo com o entendimento do autor, a atenção estará na correta aplicação do Direito. Nessa dimensão, a correta aplicação do Direito pode ser realizada de modos diversos, o que acarreta, pelo menos, três conceitos principais de “legalidade”, que orientam, de forma diversa, as funções exercidas pelas Cortes Supremas.219

Por um lado, propõe Taruffo que a tutela da legalidade descreve a chamada função reativa da corte. Essa função pode ser vista, por exemplo, como uma violação do Direito que é verificada e, desse modo, a interferência da corte serve para oferecer uma resposta concreta à violação, com a eliminação ou a neutralização de seus efeitos. Por outro lado, a tutela da promoção da legalidade faz referência a uma funçãopróativa da corte. Isso se evidencia quando a decisão da corte tem por finalidade conseguir um efeito futuro. Esse efeito pode ser o de prevenir uma violação futura da legalidade ou o de favorecer a evolução e transformação do Direito.220

Dentre os significados conferidos ao termo legalidade, o significado outorgado ao controle da legitimidade da decisão no caso concreto é de vital importância. Esse controle significa que a função da corte consiste essencialmente em verificar se a lei foi corretamente aplicada no juízo de mérito, sendo este o cumprimento da função privada por parte das Cortes Supremas.221 Nesse

218 TARUFFO, Michele. Le funzioni delle Corti supreme: cenni generali. In: Annuario di Diritto Comparato e di Studi Legislativi, 2011, p. 14.

219 TARUFFO, Michele. Le funzioni delle Corti supreme: cenni generali. In: Annuario di Diritto Comparato e di Studi Legislativi,2011, p. 15.

220 TARUFFO, Michele. Le funzioni delle Corti supreme: cenni generali. In: Annuario di Diritto Comparato e di Studi Legislativi, 2011, p. 14.

221Taruffo assevera que a função reativa da corte é importante na caracterização da natureza do órgão das cortes de cassação do tipo franco-italiano e espanhol, mas não é exclusiva destas cortes. Sendo que,as cortes que se definem como de “terceira instância”, já que decidem

respeito, Elisabetta Silvestri, classifica as funções da Corte Suprema em pública e privada. Na primeira função, a Corte exerce o papel de último garantidor da justiça e correção da decisão no caso concreto; já na segunda função, o papel da Corte é o de garantir a unidade do Direito positivo e a realização do princípio da igualdade na aplicação da norma jurídica.222

A função da promoção da legalidade, tal como definida por Taruffo, é, talvez, a principal função das modernas Cortes Supremas e é uma função tipicamente pró-ativa, na medida em que, fundamentalmente, o que justifica apreciar o recurso são os fatores orientados essencialmente ao futuro. Esse tipo de decisão é capaz de orientar decisões futuras em questões jurídicas de relevância, além das individuais, nisso se verificando uma função “pública”

desempenhada pelas cortes.223 Ideia similar é sustentada por Ovídio Baptista.

Segundo ele, “a moderna função dos tribunais supremos deve ser a de um instrumento voltado para o futuro, que visa à unidade do Direito, não à uniformidade da jurisprudência dos tribunais ordinários, não a de fiscal do passado”.224

No mesmo sentido, Mitidiero expressa que “a função que deve desempenhar a Corte Suprema é dar unidade ao Direito mediante a sua adequada interpretação, a partir do julgamento de casos a ela apresentados, sendo sua função proativa, destinada a orientar a adequada interpretação e aplicação do

definitivamente a controvérsia, como a corte de Revision alemã, têm uma função reativa de controle da legitimidade. Entre os modelos de cassação e revisão existe diferenças relevantes, mas em ambos os modelos as cortes têm por função verificar se a lei foi corretamente aplicada na decisão do caso concreto que lhe é submetida a exame. Essa função também é desenvolvida pelas cortes do sistema da common law: as Suprema Cortes dos Estados Unidos e da Inglaterra decidem o caso concreto verificando se o direito (statuteou precedente) foi ou não corretamente aplicado pela corte inferior prolatora da decisão impugnada. Desse modo, fica visível o desempenho de uma função reativa de verificação da legitimidade da decisão. (TARUFFO, Michele. Le funzioni delle Corti supreme: cenni generali. In:Annuario di Diritto Comparato e di Studi Legislativi, 2011, p. 16,17).

222SILVESTRI, Elisabetta. Corti supreme europee: acceso, filtri e selezione. In: Le Corti Supreme:

atti del convegno svoltosi a Perugia il 5-6 maggio 2000, p. 106.

223 TARUFFO, Michelle. Le funzioni delle Corti supreme: cenni generali. In: Annuario di Diritto Comparato e di Studi Legislativi, 2011, p. 32.

224Disponível em: www.baptistadasilva.com. p. 10. Acesso em 13 de agosto 2013.

Direito por parte de toda a sociedade civil e de todos os membros de Poder Judiciário”.225

De acordo com a experiência no Direito comparado, podemos concluir que duas são as principais funções que podem ser atribuídas a uma Corte Suprema: a função pública, referida à tutela da uniformidade da jurisprudência, por meio da criação dos precedentes, e na promoção do desenvolvimento do Direito; a função privada, configurada na tutela da correção da decisão do caso concreto, por meio da realização de uma justiça substantiva. A tendência que podemos verificar nos últimos anos, a qual parece colocar-se em nível geral, revela que a função tradicional reativa de tutela da legalidade no caso concreto cede espaço para o desempenho da função proativa na evolução do Direito, de modo que, com poucas exceções, a finalidade pública e prospectiva está se revelando a função de maior importância, caracterizando-se como o aspecto decisivo (e às vezes o único) da maior parte das cortes supremas.

O exercício da função pública, na dimensão de criação de normas jurídicas, também é exercido pela Corte Suprema quando esta resolve uma disputa jurídica particular. Eis que, para tanto, devem explicar o significado atribuído às normas em litígio, a aplicação e as consequências jurídicas decorrentes, mesmo que não haja uma norma previamente estabelecida. Aos órgãos jurisdicionais, é imposto o dever de decidir, mesmo nas hipóteses de omissão legislativa, contexto em que se deve recorrer à analogia dos costumes e princípios gerais do Direito. A Corte Suprema, portanto, sempre exercerá tanto a finalidade pública quanto a privada, uma vez que ambas estão presentes na função elementar de um tribunal: resolver disputas jurídicas.

O problema, então, para se definir o papel de uma Corte Suprema e, por conseguinte, seu perfil, de acordo com o desenho (estrutural e valorativo) da ordem jurídica, é transferido para o campo de como a disputa jurídica concreta é resolvida. Em outras palavras, como o processo de tomada de decisão é

225MITIDIERO, Daniel.Cortes Superiores e Cortes Supremas, p. 66.

desenvolvido no cumprimento da finalidade pública de produção de normas jurídicas.

Desse modo, as Cortes Supremas só conseguirão atingir sua finalidade pública de criação de uma jurisprudência uniforme e prospectiva se os efeitos de suas decisões obrigarem o processo de tomada de decisão para além do caso concreto e para os juízes subsequentes, sejam estes da mesma hierarquia ou sejam eles de jurisdição inferior e, a estes últimos, com mais razão.

Nesse sentido, a finalidade pública da Corte Suprema tem como principal objetivo tutelar a integridade do ordenamento jurídico. Ou seja, devolver ao Estado de Direito a prospectividade, estabilidade, cognoscibilidade e generalidade das normas jurídicas, que foram objeto de discussão nos processos jurisdicionais e, aos cidadãos, a definição dos seus direitos e deveres, com o fim de favorecer o desenvolvimento igualitário e racional de uma dada comunidade política.

Efetivamente, resulta claro que a uniformização da jurisprudência tem como resultado a previsibilidade dos resultados das decisões judiciais e confere confiança aos cidadãos e atores sociais quanto às consequências jurídicas de suas ações.226 Assim, como a Suprema Corte do Peru é o máximo expoente do Direito judicial, suas decisões devem refletir essa posição de destaque. Seus pronunciamentos devem ser fundamentados e expressarem a interpretação correta da lei.

Em virtude disso, a atividade jurisdicional foi evidentemente valorizada e sua autoridade reconhecida, permitindo ao sistema processual peruano a adoção de alguns procedimentos que visem à garantia maior dos direitos fundamentais, especialmente, aqueles pautados na igualdade e na justa duração do processo.

Há algum tempo já se vem criando, no Peru, dispositivos que aproximam a

226 Segundo Mitidiero “A uniformização da jurisprudência não é o ponto de chegada da Corte Superior, mas é seu ponto de partida, a partir do qual ela desempenha a sua efetiva função de tutela de legalidade contra as decisões judiciais”. (MITIDIERO, Daniel.Cortes Superiores e Cortes Supremas,p. 44).

imagem de respeito a precedentes, como é o caso do artigo VII do titulo Preliminar do Código Processual Constitucional.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ (páginas 96-102)