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Nos trabalhos publicados nos últimos anos que foram analisados, há a prevalência de dúvidas e divergência sobre a implantação da redução de danos (RD) enquanto estratégia de intervenção para usuários de substâncias psicoativas. Verifica-se que há uma forte tendência em nosso país de consolidar a RD, porém há uma série de desafios e dificuldades a serem superados para a consolidação deste modelo de intervenção.

Dentre os 50 artigos selecionados, a maioria trata dos modelos de saúde relacionados ao consumo de álcool e drogas: de um lado a chamada “guerra às drogas”

e de outro a consolidação da redução de danos como estratégia adotada. Alguns artigos discutem a RD como política pública e fazem referência à Redução de Danos em relação ao uso de substâncias psicoativas e doenças transmissíveis. Escassas produções científicas abordam a utilização da RD com adolescentes.

O conceito de Redução de Danos originou-se no Reino Unido e chegou ao Brasil devido ao aumento de usuários de drogas injetáveis e a disseminação de doenças infectocontagiosas entre os usuários.

Em nosso país, há uma crescente assimilação da Redução de Danos pelo poder público, sendo que inicialmente era vista como uma estratégia direcionada, como um vetor, para o campo das doenças transmissíveis e, nos últimos anos, vem se expandindo como modelo de política para o campo da saúde mental (SANTOS;

SOARES; CAMPOS, 2010).

No artigo publicado por Elias e Bastos (2011), é abordado o contexto histórico e o marco da implantação dos programas de redução de danos no campo da saúde pública brasileira. Esse estudo enfatiza a entrada da RD em nosso país como iniciativa para minimizar as conseqüências dos prejuízos do consumo de drogas, especialmente aquelas injetáveis as quais ocorriam o compartilhamento de seringas entre os usuários.

Em vista da notoriedade da RD neste contexto, compreendeu-se que a estratégia de RD desenvolvida no trabalho com os usuários de drogas injetáveis poderia ser estendida a usuários de outras drogas, como o álcool, crack e tabaco, no que diz respeito ao fortalecimento do protagonismo destes consumidores para a realização de ações entre pares, sua participação na formulação de políticas públicas e estratégias de comunicação (DELBON; DA ROS; FERREIRA, 2006).

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O Conselho Nacional Antidrogas (CNA, 2005), aprovou a Política Nacional de Drogas por meio da Resolução nº 3, de 27 de outubro de 2005, no qual discorre a respeito dos pressupostos, objetivos, prevenção e tratamento dos usuários de drogas.

A Política Nacional de Drogas (CNA, 2005) se orienta para a redução da oferta com ações de prevenção e repressão ao tráfico de drogas ilícitas, a redução da demanda de drogas atuando na prevenção, tratamento, recuperação e reinserção social e a redução de danos. O enfoque da redução de danos aparece com força ainda maior nessa nova versão do texto da política, o que se faz notável naquela que talvez represente a mudança mais expressiva na trajetória discursiva das políticas públicas sobre drogas no Brasil: o discurso quanto ao ideal de uma “sociedade livre de drogas”

dá lugar ao ideal de uma “sociedade” protegida do uso de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas”.

O processo de ampliação e definição da RD como paradigma ético, clínico e político para a política pública de saúde de álcool e outras drogas provocou um processo de enfrentamento com as políticas antidrogas que tiveram sua base fundada no período da ditadura no Brasil (PASSOS; SOUSA, 2011). Assim houve uma abertura política para a RD concomitantemente à política global de “guerra às drogas”.

A política brasileira de drogas aproxima discursos antagônicos. Alves (2009) refere que essa política compartilha do discurso quanto à redução da oferta e da incentiva a coexistência dos modelos distintos de atenção à saúde.

Souza e Monteiro (2011), em seu estudo, comentam que em termos das ações de controle e prevenção do uso indevido de drogas, as pesquisas apontam para as limitações e insucesso da abordagem tradicional de negação total ao uso de drogas, conhecida popularmente com “guerra às drogas”. Justifica-se que as ações educativas sobre saúde e consumo de drogas devem ser planejadas em conjunto com o público-alvo, acordando os conhecimentos dos educadores com as necessidades e potencialidades da realidade local.

Para Machado e Boarini (2013), o cenário do debate sobre drogas, saúde e segurança pública encontra-se cindido, uma vez que a oscilação entre prevenção e

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repressão ainda não foi superada. A adoção da RD traz censura ao ideal de abstinência e às políticas proibicionistas, alertando para a responsabilidade da saúde pública ao problema das drogas.

Neste contexto, Nardi e Rigoni (2005) pontuam que os modelos de tratamento que trabalham com o imperativo da abstinência podem produzir a segregação de usuários de drogas, inviabilizando o acesso e acolhimento aos usuários de drogas nos serviços de saúde, a partir de uma posição julgadora dos profissionais.

A partir da análise dos artigos que tratam sobre a redução de danos versus a guerra às drogas observa-se que estes fazem críticas ao modelo antigo de repressão e prevenção do uso da abordagem da abstinência à droga, incentivando a adoção da RD como abordagem mais apropriada, principalmente para os usuários que se mostram resistentes em aceitar intervenções que pregam a abstinência do consumo de substâncias psicoativas.

Ademais, a literatura revela a imperiosa necessidade de uma atuação mais ativa do usuário na implantação e desenvolvimento de programas, onde devem ser adotadas estratégias que proporcionem maior autonomia aos usuários.

Alguns autores estudados não se mostram otimistas frente à consolidação da RD como modelo de intervenção. Elias e Bastos (2011) referem que se faz necessário iniciativas de saúde pública para que as ações de RD possam ser plenamente integradas à saúde, priorizando o respeito aos direitos humanos e visando beneficiar a população de usuários de substâncias psicoativas e seus familiares.

Para Machado e Boarini (2013), a implantação da RD ainda é rudimentar, sendo que há diversos desafios que demandam uma compreensão ampliada do fenômeno das drogas a fim de formular ações diversificadas que vão além do consumo de drogas e prevenção de DTS.

De acordo com a experiência de Passos e Sousa (2011) um dos principais desafios da RD é a construção de redes de produção de saúde que incluam os serviços de atenção do Sistema Único de Saúde (SUS), Postos de Saúde, Estratégias de Saúde da Família e Caps.

Em estudo efetuado recentemente, Inglez-Dias, Ribeiro e Bastos (2014) apontam que as principais fragilidades das políticas de RD no Brasil fazem referência à precarização do trabalho dos agentes redutores, monitoramento deficiente de suas práticas e da habilidade em conseguir vincular os usuários aos serviços de saúde, pouca adesão dos participantes do programa e financiamento fragmentado.

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Em contrapartida, há autores que demonstram, em seus trabalhos, a importância do investimento na estratégia de RD. Silva et al. (2014) destaca que o fortalecimento e ampliação da Política Nacional de Redução de Danos é instrumental relevante de garantia de direitos sociais e para o planejamento e elaboração de políticas e ações direcionadas ao cuidado dos usuários de substâncias psicoativas, possibilitando que sejam protagonistas das intervenções realizadas.

Na mesma direção, Passos e Sousa (2011) enfatizam que a Redução de Danos é um método construído pelos próprios usuários e constitui um cuidado de si subversivo às regras de condutas coercitivas. Neste ínterim, os usuários de drogas são responsáveis pela produção de saúde à medida que tomam para si a tarefa do cuidado.

De acordo com Cavalcante, Alves e Barroso (2008) uma das formas mais eficazes de lidar com o uso e abuso de drogas é a prevenção, cujo enfoque é as ações de redução de danos, reabilitação e socialização dos usuários, principalmente dos adolescentes.

No que tange ao tratamento de adolescentes, observa-se que a literatura estudada mostra-se ambivalente frente à utilização da Redução de Danos, sendo que a discussão dos autores, sobre o assunto, tem embasamento na experiência que cada um tem na implementação dos programas de Redução de Danos, bem como, do apoio financeiro, da capacitação das equipes multidisciplinares e do trabalho dos Redutores de Danos.

Em relação aos adolescentes, denota-se que há pouca produção científica sobre o trabalho da Redução de Danos com sujeitos situados nessa faixa etária. Observa-se que o tema da RD vem sendo mais explorado e incentivado em programas direcionados para adultos.

É possível pensar que muitos serviços permanecem conservadores em relação ao tratamento de adolescentes usuários de substâncias psicoativas, principalmente no que diz respeito à manutenção de programas que pregam a abstinência independentemente das singularidades de cada sujeito que busca ajuda nos serviços de saúde.

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Foram analisados artigos nos quais há relatos bem-sucedidos de programas de RD. Os autores Raupp e Milnitsky-Sapiro (2009), por exemplo, acompanhou em sua pesquisa a abordagem terapêutica de três instituições, sendo que duas tinham como base o alcance da abstinência e uma cujo programa terapêutico ofertado aos adolescentes era baseado na estratégia de RD. A referida autora ressalta que nas instituições com abordagem de abstinência não tinham sequer programas específicos para adolescentes, e que estes participavam das atividades junto com adultos. Na instituição cuja abordagem adotada era a Redução de Danos, foi observado o esforço da equipe em proporcionar autonomia aos adolescentes e que os encontros em grupo efetuados eram conduzidos pelos próprios adolescentes, os quais faziam a redução por si mesmos.

Em seu trabalho recente, Adade e Monteiro (2014) discorre sobre a importância do desenvolvimento de ações educativas direcionadas aos adolescentes como propõe a abordagem de Redução de Danos, visando à contextualização do fenômeno do uso de substâncias psicoativas a partir de uma perspectiva educativa e que conta com a participação ativa dos adolescentes.

O tema é enfatizado por Cavalcante, Alves e Barroso (2008), que destaca que a prevenção não deve se limitar a ações isoladas, mas desenvolver-se em todas as frentes, mobilizando os adolescentes através do enfoque de redução de danos, reabilitação e socialização dos jovens.

Os autores citados demonstram que é possível realizar um trabalho eficiente de RD com adolescentes que consomem substâncias psicoativas. A ênfase em todos os artigos analisados que defendem a RD diz respeito à autonomia, participação ativa do usuário em seu tratamento e estimulação do processo de conscientização dos jovens.

Para tanto, acredita-se ser necessário a criação de ações direcionadas para a formação adequada dos profissionais de saúde que trabalham com adolescentes usuários de substâncias psicoativas, bem como, a discussão e definição de ações educativas sobre o tema visando à prevenção do uso e uma educação continuada sobre o assunto.

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