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3.3.1 RENÚNCIA, SUBMISSÃO E TRANSAÇÃO: NATUREZA DO ACORDO

Antônio Carlos Araújo CINTRA, Ada Pellegrini GRINOVER e Cândido Rangel DINAMARCO ensinam que existem três as formas de autocomposição (as quais, de certa maneira, sobrevivem até hoje com referência aos interesses disponíveis): a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas).115

Petronio CALMON ensina que a renúncia é uma das espécies de autocomposição na qual se verifica o abandono total da pretensão, por parte daquele que a exerce, em uma atitude que pode ser considerada altruísta.116

Observa-se, na renúncia, a concessão por parte daquele que exerce uma pretensão. Trata-se de uma atitude em relação ao direito material, ou seja, quando se fala em renúncia, fala-se em renúncia ao direito material objeto da pretensão e não ao processo, caso esteja em curso.117 O efeito processual da renúncia é a extinção do processo, com resolução de mérito.

Importante diferenciar a renúncia da desistência. A desistência se refere tão somente ao processo em curso e, nessa hipótese, a sentença que finda o processo é terminativa.

Petronio CALMON conceitua submissão como sendo um dos resultados possíveis da autocomposição no qual o titular da resistência a abandona, em uma atitude que, tal como a renúncia, também pode ser considerada altruísta.118

114 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio Sobre a Processualidade: Fundamentos para uma nova Teoria Geral do Processo. 1ºed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 67.

115 CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.

Teoria Geral do Processo. 16ª ed. São Paulo: RT, 2000. p. 27.

116 CALMON, Petronio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 3ª ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015. p. 57-58.

117 Ibidem, p. 57.

118 CALMON, Petronio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 3ª ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015. p. 58.

Verifica-se, na submissão, que aquele que exercia resistência à pretensão, altera sua posição no conflito, submetendo-se ao outro, o que leva à resolução do conflito. O efeito processual da submissão é a extinção do processo, com resolução de mérito.

Importante também estabelecer a diferenciação entre submissão e confissão.

A confissão refere-se somente aos fatos narrados pelo autor, ao passo que a submissão respeita ao reconhecimento do direito sobre o qual se funda a ação.

Petronio CALMON define transação como um dos possíveis resultados da autocomposição na qual há a celebração de acordo através de concessões recíprocas feitas pelas partes.

Francesco CARNELUTTI compreende que a transação, se realizada no curso do processo judicial, representa a solução contratual da lide. Para o autor, a transação encontra-se entre a renúncia e a submissão, e seus limites situam-se entre a total renúncia e o reconhecimento da pretensão alheia.119 A transação, portanto, diz respeito à concessões recíprocas que implicam no abandono da pretensão de direito material e no abandono da resistência imposta à essa pretensão.

Em suma, “renúncia e submissão são as duas espécies de autocomposição unilateral, enquanto transação é a espécie de autocomposição bilateral. (...) Transação é um acordo especial, celebrado mediante nítidas e concretas concessões de parte a parte. Um abandona em parte sua pretensão. Outro abandona em parte sua resistência.”120

Diferentemente do Código Civil de 1916 que compreendia a transação como modo de extinção das obrigações, o Código Civil de 2002 alçou a transação ao status de espécie de contrato. Tal matéria é tratada no artigo 840 do Código Civil que dispõe ser “lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.” Para além de extinguir as obrigações previamente existentes, o contrato de transação pode, também, estabelecer novas obrigações ou modificar as obrigações anteriores.

Petronio Calmon ensina que autocomposição é um negócio jurídico e que portanto deve obedecer aos requisitos de existência, validade e eficácia, além de

119 CARNELUTTI, Francesco. Sistema di Diritto Processuale Civile. 1ª ed. Padova: Cedam, 1936.

p. 154-179.

120 CALMON, Petronio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 3ª ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015. p. 62

respeitar a manifestação de vontade livre, a capacidade dos sujeitos e o objeto lícito.121

Seja por renúncia, submissão ou transação, o aocrdo celebrado em procedimento autocompositivo tem consequências no mundo jurídico e no âmbito social, as quais serão trabalhdas a seguir.

3.3.2 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA AUTOCOMPOSIÇÃO

Niceto Alcalá Zamora y CASTILLO apresenta uma classificação da autocomposição segundo a sua relação com o processo, podendo ser endoprocessual, se ocorrendo dentro do processo judicial, ou extraprocessual, se fora do processo judicial. A autocomposição extraprocessual pode, por sua vez, ser classificada de acordo com o momento em que ela ocorre: (i) a autocomposição pré-processual ocorre na iminência do processo; (ii) a autocomposição pós-pré-processual se dá depois de uma sentença de mérito proferida em processo, quando referida decisão apresenta falha na execução, demandando um acordo entre os indivíduos;

(iii) a autocomposição extraprocessual também pode se dar sem relação qualquer com um processo. Importante destacar que, pela homologação judicial do acordo celebrado em sede de autocomposição extraprocessual, mesmo se desvinculada de processo, torna-se autocomposição endoprocessual.122

No âmbito do direito processual a autocomposição leva à extinção do processo. Quando ocorre a autocomposição endoprocessual a solução do conflito conduz automaticamente à extinção do processo em curso. Nessa hipótese, antes de proceder a extinção, o juiz deverá homologar a autocomposição.

Questiona-se acerca da natureza jurídica da atividade da homologação.

Nessa hipótese não é o juiz quem certifica o direito, posto que a solução do conflito é determinada tão somente pela vontade das partes envolvidas, valendo-se da oportunidade, conveniência e do binômio custo-benefício. Não se pode admitir, no entanto, que o papel do juiz na homologação seja meramente cartorário. O magistrado deve examinar o acordo à luz das normas constitucionais, verificando se

121 CALMON, Petronio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 3ª ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015. p. 51

122 CASTILLO, Niceto Alcalá Zamora y. Proceso, Autocomposición y Autodefensa: contribuición al estudio de los fines del proceso. 3ª ed. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1991. p. 81.

as partes tiveram assegurada a sua liberdade e se o teor da decisão não fere o ordenamento jurídico (análise sumária do conteúdo do acordo).123 Consequentemente, o magistrado tem função jurisdicional consubstanciada no exame das normas constitucionais.

Muito embora haja divergências doutrinárias a respeito do tema, a sentença que homologa a autocomposição faz coisa julgada material, carregando consigo o impedimento de que seu objeto seja reexaminado. Não há outro propósito na homologação da autocomposição que não a segurança jurídica intrínseca aos atos jurisdicionais. Ao fazer coisa julgada a sentença homologatória torna-se exigível, constituíndo título executivo judicial.124

Petronio CALMON entende que a autocomposição cessa o conflito, ao passo que a sentença homologatória finda o processo. Em suma, a autocomposição é uma forma legítima de solução e conflitos, pelas quais se resolve o conflito jurídico, fornecendo condições para o prosseguimento das relações intersubjetivas dos indivíduos,125 o fortalecimento do diálogo e a pacificação social.

3.3.3 CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS DA AUTOCOMPOSIÇÃO: A LIDE SOCIOLÓGICA

Consoante entendimento de Ada Pellegrini GRINOVER, o principal escopo da justiça conciliativa é a pacificação social. Nesse sentido, a jurisdição e a arbitragem geram a pacificação tão somente no plano formal, sem que isso repercuta nas relações intersubjetivas. Isto porque, no chamado “perde ganha” típico da heterocomposição, sempre haverá ao menos uma parte insatisfeita.126 Ademais, conforme ensina Ada Pellegrini GRINOVER, no processo jurisdicional ou arbitral, apenas uma parte do conflito é levada ao juiz ou árbitro: em regra, a parte que diz respeito à questões juridicamente relevantes. Entretanto, a base do conflito diz

123 CALMON, Petronio. Fundamentos da Mediação e da Conciliação. 3ª ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015. p. 68.

124 Ibidem, p. 70.

125 Ibidem, p. 16.

126 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ensaio Sobre a Processualidade: Fundamentos para uma nova Teoria Geral do Processo. 1ºed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2016. p. 66.

respeito à aspectos sociológicos que não são examinados e tampouco solucionados.127

A finalidade da autocomposição, é desvendar os interesses (lide sociológica) que de regra estão encobertos pelas posições (lide processual).128 Para Roberto Portugal BACELLAR, a simples análise dos limites da lide processual, não conduz à satisfação dos interesses do jurisdicionado. É somente pela a resolução integral do conflito (lide sociológica) que se obtém a pacificação social. Isto é, não basta resolver a lide processual – aquilo que foi trazido pelos advogados ao processo – se os verdadeiros interesses que motivaram as partes a litigar não forem identificados e resolvidos.129

Nesse sentido, a atuação do conciliador ou mediador deve se voltar à compreensão dos elementos que compõem a lide sociológica (e que, na existência de um processo, acabam encobertos pelas posições), à identificação dos reais interesses subjacentes à questão, promovendo a celebração de um acordo justo que leve à plena satisfação das partes.

A resolução dos aspectos sociológicos da lide se relaciona à ideia de pacificação social – um dos principais escopos da autocomposição – e será trabalhada mais adequadamente adiante.

4 COMPREENDENDO A AUTOCOMPOSIÇÃO ENQUANTO MEIO ADEQUADO À SOLUÇÃO DE LITÍGIOS

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