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A retomada dos movimentos sociais do campo na redemocratização do Brasil e no limiar do século

INTRODUÇÃO 23 CAPÍTULO 1 QUESTÃO AGRÁRIA, LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E

CAPÍTULO 3. A FORMAÇÃO DA VIA CAMPESINA NO BRASIL E SUAS AÇÕES TERRITORIAIS

1. QUESTÃO AGRÁRIA, LUTA PELA REFORMA AGRÁRIA E MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO BRASILEIRO

1.1 MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO: UMA GEOGRAFIA DE LUTAS

1.1.3 A retomada dos movimentos sociais do campo na redemocratização do Brasil e no limiar do século

No período da redemocratização brasileira surgem diversos movimentos camponeses e é retomado o debate da reforma agrária. Podemos ressaltar dois fatos que contribuíram para a retomada dos movimentos sociais e da fortificação da luta: o primeiro é em virtude da crise do modelo de industrialização e, o segundo, pela crise política e o processo da redemocratização que resultou na queda do regime militar (STEDILLE, 2002). Para Fernandes (2008), a década de 70, com o processo de expansão das monoculturas e da agroindústria marcou um dos períodos de crise da resistência do campesinato, cuja crise vem da consolidação desse modelo agroexportador e agroindustrial. Nas palavras do autor:

Na década de 1970, a intensificação da expansão das monoculturas e a ampliação da agroindústria, acompanhada da quase extinção dos movimentos camponeses pela repressão da ditadura militar, marcou uma das maiores crises da resistência do campesinato. Com a redemocratização do país na década de 1980, ocorreu a consolidação do modelo agroexportador e agroindustrial simultaneamente ao

26 Mitidiero Junior (2008) chama de Igreja libertadora à igreja relacionada com a Teologia da

processo de territorialização da luta pela terra, com o aumento das ocupações de terras e da luta pela reforma agrária. Na década de 1990, ocorreu a multiplicação dos movimentos camponeses em luta pela terra, ampliando a conflitualidade e a criação de assentamentos rurais, tendo o MST à frente desse processo [...]. Nesta década, corporações nacionais e transnacionais ampliam o modelo agroexportador em um amplo conjunto de sistemas que passou a ser denominado de agronegócio. Esse conjunto reúne, de formas diferenciadas, os sistemas agrícolas, pecuário, industrial, mercantil, financeiro, tecnológico, científico e ideológico (FERNANDES, 2008, p.74-75).

Se por um lado, o modelo agroexportador se consolidou a partir de 1970, por outro lado, a luta camponesa em 1990 representou o ressurgimento dos movimentos sociais. Porém, o modelo de produção com característica agroexportadora tornou-se como modelo hegemônico. Gerando a desterritorialização dos camponeses e intensificação da luta camponesa.

Em 1980, com o início do processo de redemocratização e do fim da ditadura militar, diversos segmentos sociais e temas foram retomados. Neste momento foi criado um novo ciclo de lutas, conforme pontua Medeiros (2002, p.164):

[...] enquanto as categorias mais usuais nos 70 (posseiros, arrendatários, parceiros, assalariados) refletiam a referência à Lei, aquelas refletiam a nova dinâmica das lutas e expressavam identidades constituídas no próprio processo de crítica e enfrentamento das condições vigentes no meio rural. Essa nova dinâmica inovou no que se refere às formas de luta, priorizando os espaços públicos, a busca de visibilidade, mas também atualizou as referências legais, por vezes apoiando-se fortemente nelas, reivindicando a aplicação do Estatuto da Terra, por vezes constituindo novas interpretações da Lei, outras criando fatos políticos cujo reconhecimento provocou inovações nas leis vigentes e novos direitos.

Esse novo ciclo de luta camponesa está presente até hoje e conforme veremos no próximo item, diversos movimentos camponeses surgiram nesse período. Neste mesmo momento, a questão agrária, também se modificou, adquirindo uma nova característica com o crescimento do agronegócio (FERNANDES, 2006)27.

Grybrowski (1991) ao buscar uma contextualização sobre os caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no campo na década 1990, alerta que a luta

camponesa no cenário brasileiro se apresentava, por um lado, num cenário fragmentado e desordenado, e, por outro, aparece impositivo com o surgimento de diferentes sujeitos e ações ocorrendo ao mesmo tempo na cena da luta camponesa. Entre os primeiros movimentos que surgem neste período, destacamos: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), o Movimento de Mulheres Rurais (MMR), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). O MST é o movimento que tem se destacado no cenário da luta camponesa, tanto pelo caráter organizativo como pelo seu inovado repertório na luta pela terra e no capítulo 3 destacaremos a história de formação e luta dos movimentos camponeses que vieram a se articular com a Via Campesina.

Outros movimentos camponeses surgem neste período aumentando a força de pressão e diversidade de lutas dos camponeses. Alguns movimentos surgem como dissidência do MST e de outros movimentos camponeses. Contudo, embora este período apresente uma diversidade de sujeitos e lutas, isto não significou que a reforma agrária tenha sido concretizada. Pelo contrário, o aumento de movimentos camponeses e, bem como, o aumento de sua Ação Territorial e resistência demonstra que a reforma agrária popular está longe de ser concretizada. Nos anos 90, o cenário das lutas sociais é configurado pela violência no campo e a criminalização dos movimentos camponeses. O seguinte trecho da música da banda Dead Fish reflete precisamente este período de luta dos movimentos camponeses pela reforma agrária: “Promessas eternas por cumprir e mortos demais a esperar. Sobre uma terra fértil à espera de mãos para plantar. Mas os punhos fechados e amargos dos proprietários do Terceiro Mundo beberam sangue demais para perdoar [...]”28. A promessa eterna pela concretização da reforma agrária e, da utopia de ser cumprida, resultou na principal característica da luta pela reforma agrária brasileira: altos índices de conflitos no campo contra latifundiários e assassinato.

28 Esse trecho é da música intitulada de “Proprietários do Terceiro Mundo”, da banda capixaba

Em DATALUTA (2014) podemos identificar a diversidade de movimentos sociais que ocuparam terra, pelo qual, os designam de movimentos socioterritoriais29. Ao longo de 2000 a 2013 foi identificado 123 movimentos socioterritoriais que realizaram ações de terra no Brasil. No Gráfico 1 podemos entender a participação dos movimentos socioterritoriais nos anos de 2000 a 2013.

Gráfico 1 - Número de movimentos sociais que realizaram ocupação de terra de 2000 a 2013

Fonte: DATALUTA, 2015. Org.: Leandro Nieves Ribeiro

O ano de 2003 foi o período que teve o maior número de movimentos camponeses (38), tendo mais do que o dobro do que em 2002 (17), este último com o menor número entre o período analisado. Estes dados demonstram a existência de diversidade de movimentos camponeses no Brasil e de seu desempenho relevante na luta social nacional. Para comprovar a diversificação de movimentos sociais podemos citar inúmeros estudos sobre o tema, que em geral, apontam um aumento considerável de movimentos sociais a partir do processo de redemocratização. Tais estudos nós

29 Para compreender o conceito de movimento socioterritorial ver Fernandes (2005), Pedon

(2010), Ramos Filho (2013), DATALUTA (2014) e entre outros. Embora nessa pesquisa não seja nossa finalidade o estudo sobre os movimentos socioterritoriais, não podemos ocultar a relevância do conceito para com o estudo sobre os movimentos sociais no campo. Porém nesse trabalho não tomamos o conceito como parte fundamental para o estudo da Via Campesina.

18 17 38 26 30 33 28 21 23 26 0 5 10 15 20 25 30 35 40 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Qu a n ti d a d e d e m o vi m e n to s so ci a is

podemos citar: Gohn (1997, 2010, 2011, 2012), Gohn e Bringel (2012), Grzybowski (1991), Scherer- Warren (1987), Amin e Houtart (2003) e Oliveira (2007).

Estes novos movimentos sociais, que proliferaram durante o século XXI, resignificaram os temas reivindicativos. Ou seja, estes movimentos sociais ampliaram seus temas de reivindicação. A ideia de soberania alimentar30 da Via Campesina canaliza toda a luta sistêmica dos camponeses que visa combater a ideia de segurança alimentar. Dessa forma, a Via Campesina ergue uma bandeira contra o modo de produção capitalista.

Retornando a ideia de soberania alimentar, a mesma é colocada como indissociável com o tema da reforma agrária. Isso é, para a Via Campesina, sem a reforma agrária não será possível implantar a soberania alimentar. Todavia, a reforma agrária não é a única reivindicação elementar da soberania alimentar, ou seja, esta ideia agrupa outras reivindicações tornando a luta mais completa, ou melhor, sistêmica (modo de produção capitalista) (DESMARAIS, 2013; VIEIRA, 2011). Vieira (2011), por exemplo, denomina a ideia de soberania alimentar como guarda-chuva por relacionar outros conceitos, inclusive, de inserir no próprio conceito a ideia de segurança alimentar. Os outros temas que são elementares da soberania alimentar para a Via Campesina são: a discussão de gênero, agroecologia, biodiversidade, recursos genéticos e direitos humanos. Faz mister destacar que esta ideia de soberania alimentar foi formulada e fortalecida como crítica ao processo de mundialização da agricultura, responsável por alterar a lógica da produção de alimentos que fortaleceu o capital financeiro e o agronegócio (DESMARAIS, 2013; VIEIRA, 2011).

30 Neste momento vale explicar que soberania alimentar é uma proposta de rompimento com a

lógica neoliberal da produção e distribuição de alimentos em poucas empresas que padronizaram a produção e além de uma produção monocultora e voltada principalmente para a exportação. Para entender a ideia de soberania alimentar ver o capítulo 2, no item específico “2.2.8”.