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11.Preparação de medicamentos

1.6. Rinite medicamentosa

A Rinite medicamentosa, também conhecida como rinite química, é definida como uma forma de rinite não alérgica persistente induzida por medicamentos, relacionada com o uso prolongado de descongestionantes nasais, caracterizando-se como uma inflamação crónica da mucosa nasal.61,62 Esta situação é mais comum em jovens e pessoas de meia-idade, não

existindo diferenças em ambos os géneros e os doentes tendem a apresentar mais sintomas nasais no verão ou quando frequentam locais quentes e húmidos. As pessoas que sofram de obstrução nasal prolongada tendem a abusar do uso de descongestionantes nasais e, portanto, estão mais predispostos a desenvolver rinite medicamentosa.30

O uso continuado destes vasoconstritores tópicos, origina uma progressiva diminuição da eficácia destes produtos, pelo que o seu uso excessivo provoca uma maior congestão nasal. O desencadeamento desta condição pode no entanto ser mais incidente sobre os descongestionantes que atuam durante um longo período de tempo. No entanto, são necessários estudos mais aprofundados.41,43

Os utilizadores deste tipo de produtos que excedem a dose recomendada e que portanto os utilizam indevidamente, podem experimentar o chamado “efeito rebound”, que consiste em congestão e hiper-reactividade da mucosa nasal.43,63 Nestas condições, estes doentes

tendem a aumentar a frequência de aplicação destes produtos, pelo que é estabelecido um ciclo vicioso devido à tolerância causada possivelmente por doses cumulativas (taquifilaxia).43

O tempo mínimo necessário para desencadear rinite medicamentosa, não está totalmente estabelecido. Neste âmbito, alguns estudos referem que o uso de descongestionantes tópicos até cerca de 8 semanas não desencadeia o “efeito rebound”, enquanto que outros referem a sua ocorrência após um período de 3 a 10 dias de uso de descongestionantes simpaticomiméticos. Outros estudos recomendam ainda que a utilização de oximetazolina não ultrapasse os 3 dias, momento a partir do qual aumenta a resistência ao fluxo de ar.27

1.6.1. Características da rinite medicamentosa

Apesar de ser difícil diagnosticar devido à grande variedade de sinais e devido ao facto de não apresentar grandes diferenças com os outros tipos de rinite em termos de sintomatologia, a rinite medicamentosa tem contudo, características que podem levar à suspeita da sua existência. Apesar de controversos, há estudos que indicam que a destruição dos cílios do epitélio nasal e das mitocôndrias de células epiteliais, a metaplasia escamosa de células, o edema epitelial, a hiperplasia de células caliciformes, o aumento da expressão do recetor de fator de crescimento epidérmico e a infiltração de células inflamatórias são exemplos de alterações histológicas presentes num indivíduo com rinite medicamentosa. Os doentes com rinite medicamentosa têm habitualmente uma história prolongada de utilização de vasoconstritores tópicos e obstrução nasal constante.27

Normalmente as pessoas que têm rinite medicamentosa, apresentam predominantemente bloqueio nasal sem rinorreia ou espirros, e, para além disso a mucosa nasal encontra-se tipicamente hiperémica, inflamada e granular, com áreas de friabilidade aumentada e com hemorragias puntiformes e com muco escasso.27,29, 61,62

As alterações estruturais ocorridas comprometem o normal funcionamento fisiológico da cavidade nasal. A existência de rinite medicamentosa predispõe o indivíduo a doenças crónicas como sinusite, otite média, pólipos nasais ou rinite atrófica.27,29

Alguns autores referem ainda que a rinite medicamentosa ao contribuir para o aumento da frequência de utilização de descongestionantes tópicos, leva ao desenvolvimento de tolerância ao descongestionante, culminando também em dependência psicológica e em síndrome de abstinência, cujas manifestações podem variar entre dores de cabeça, ansiedade, disforia ou inquietação.30

1.6.2. Fisiopatologia

Apesar de não haver um mecanismo fisiopatológico consensual da rinite medicamentosa, várias teorias têm sido descritas.62 Os vasoconstritores exercerem a sua ação nos recetores alfa- adrenérgicos, e há uma simultânea estimulação dos recetores beta-adrenérgicos (com as

aminas simpaticomimeticas) que, embora não seja tão pronunciada, pode acabar por superar o efeito alfa-adrenérgico. Assim, uma possível “exaustão” do mecanismo de vasoconstrição e a presença de uma vasodilatação ativa podem culminar em congestão nasal.29,43,63

Por outro lado, a efedrina atua também libertando NA a partir dos terminais nervosos. O abuso desta substância, origina tolerância devido a uma diminuição de libertação deste neurotransmissor.30

No entanto há vasoconstritores que atuam seletivamente nos recetores alfa-2 (oximetazolina e xilometazolina) e que também estão associados ao “efeito rebound”.43 Este

fenómeno pode ser justificado com a ocorrência de uma isquemia submucosal dos tecidos, resultando numa hiperemia reativa, manifestando-se como vasodilatação (Figura 4).29,63,64

Por outro lado, tem sido discutido que ocorre um mecanismo pré-sináptico de feedback negativo resultante da repetida estimulação de recetores alfa-2 adrenérgicos com a consequente diminuição de produção de NA endógena. Assim, ocorre também uma diminuição do número de recetores alfa adrenérgicos da mucosa nasal. Estes, por sua vez, tornam-se também refratários aos vasoconstritores, fazendo com que os doentes aumentem a frequência de doses aplicadas, uma vez que a vasoconstrição apenas persiste enquanto os agonistas tópicos estão a ser usados. Desta forma a perda de dinâmica da mucosa nasal e a insuficiente NA endógena, induz uma congestão “rebound” por dilatação dos plexos venosos (Figura 5).28,43,64

Figura 5 – Representação do “efeito rebound” causado por um mecanismo de feedback negativo.64

Por fim, estudos apontam para o surgimento de uma alteração no tónus vasomotor como explicação deste “efeito rebound”, resultando num aumento da atividade parassimpática e consequente permeabilidade vascular levando à formação de edema.63 Este excesso de

atividade parassimpática é consequência do aumento da atividade da enzima colinesterase encontrada ao nível dos neurónios colinérgicos.43

1.6.3. Rinite medicamentosa e cloreto de benzalcónio

O cloreto de benzalcónio (BKC) é um composto amónio quaternário que tem sido usado como conservante devido às suas propriedades antimicrobianas. A sua ação bactericida provoca dano celular nos microrganismos, o que permite manter a esterilidade dos medicamentos em que está inserido. Devido a esta propriedade, este composto tem sido incorporado numa grande variedade de produtos, incluindo em descongestionantes nasais.63,65

Os efeitos dos descongestionantes nasais com e sem BKC na sua composição foram estudados em humanos e foi repostada, uma relação entre a presença deste composto nestes medicamentos e a ocorrência mais pronunciada do “efeito rebound”, apontando-se esta

substância como a responsável pelo prolongamento de utilização de descongestionantes nasais e o consequente desenvolvimento de rinite medicamentosa.27,43,65 Em estudos in vitro

que este composto produz efeitos tóxicos ao nível da mucosa nasal de humanos e animais. Além disso, evidenciou-se, também, o desencadeamento de efeitos nefastos ao nível do sistema imunitário, interferindo em processos como a fagocitose, quimiotaxia ou em outras importantes funções de defesa mediadas por neutrófilos.43,63

As revisões de literatura neste âmbito concluem que os dados existentes sobre esta temática são limitados e controversos. A maioria dos estudos que indiciam a toxicidade nas mucosas decorreram in vitro, pelo que é necessário desenvolver mais estudos in vivo que sejam mais representativos e que permitam tirar ilações mais concretas a partir deles. No entanto, o Infarmed, não aconselha a utilização de produtos que contenham este componente durante períodos longos e repetidos.65,66

1.6.4. Tratamento da rinite medicamentosa

Para reverter a rinite medicamentosa, o doente deve estar consciencializado de que terá de parar de administrar o descongestionantes nasais, caso contrário não obterá sucesso. Assim os objetivos terapêuticos neste âmbito vão no sentido de diminuir gradualmente o uso do descongestionante, para que o epitélio nasal volte ao estado normal, e tratar o problema inicial que levou à utilização do descongestionante.29,64,67

Assim, devem ser estabelecidas alternativas terapêuticas. As opções terapêuticas disponíveis e selecionadas de acordo com a avaliação individual de cada doente são:27,29,62,64,67

 Soluções salinas hipertónicas: a sua ação permite a hidratação e a limpeza da mucosa e auxilia a nível psicológico quando o doente sente necessidade de aplicar um substituto do descongestionante.

 Outros medicamentos tópicos, nomeadamente corticosteróides, anti-histamínicos, cromoglicato de sódio ou anticolinérgicos: para além de auxiliarem no desmame do descongestionante permitem controlar sintomas alérgicos possivelmente subjacentes e permitem um efeito local minimizando efeitos adversos;

 Terapia sistémica com analgésicos, antihistamínicos, descongestionantes ou costicosteróides: Utiliza-se nos casos em que as alternativas anteriores não resultaram.

 Cirurgia ao nível dos cornetos: só em casos extremos de carater permanente, pelo que, na maioria dos casos, não é recomendada.

O tratamento que parece surtir melhor efeito é o que resulta da combinação de corticosteróides tópicos e orais. 43

O doente deve ter noção que este tratamento pode levar algum tempo até que fique totalmente independente de descongestionantes tópicos, devendo, por isso, ser incentivado a não abandonar o tratamento. Por vezes, a congestão nasal pode ser muito severa e difícil de

abstinência. Nos dias iniciais, a congestão nasal é mais intensa mas, nos dias subsequentes, esta começa a melhorar à medida que os efeitos dos corticosteróides vão surtindo efeito.27

O tratamento com corticosteróides pode durar até 6 semanas para que se obtenha a eficácia máxima, porém o tratamento só será eficaz se os descongestionantes nasais forem totalmente retirados.28,43