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2. ANÁLISE DO FILME O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?

2.4. Saída

Cena da casa usada como cativeiro. Letreiro: “Um mês depois”.

O dono da casa avisa Henrique que havia encontrado um jornal, na parte dos classificados, todo recortado com opções de casas para alugar. É dessa maneira, segundo o filme, que eles encontram o grupo de Paulo. O que Gabeira (2009) e outros registros contaram, no entanto, é que foi através de um paletó deixado na casa que os militares chegaram aos primeiros guerrilheiros.

Na hora dos trabalhos finais de limpeza, Gabeira ficou encarregado de recolher um paletó que pertencia a um graduado participante do seqüestro. Descuidou da tarefa, os militares descobriram a peça de roupa, localizaram o alfaiate e acabaram fazendo uma prisão importante. (LEITE in REIS FILHO, 1997, p. 55)

Encontrar os guerrilheiros foi mais difícil do que o filme dá a entender. O paletó de um deles, Cláudio Torres da Silva, esquecido na casa depois da ação, acabou sendo uma pista decisiva: ali estava o endereço do alfaiate. Ele foi preso no dia 9 de setembro. Esta pista inicial, que desencadeou a caçada

selvagem que se seguiu àquela Semana da Pátria, não aparece no filme. (BUCCI in REIS FILHO, 1997, p. 225)

Leite e Bucci reafirmam a versão de que a primeira pista que os militares tiveram acesso foi um paletó que os conduziu a um alfaiate, de onde conseguiram alguns nomes e endereços. O fato, no entanto, da troca dessa versão pela do jornal recortado, pode ser entendido tendo em vista a necessidade de tornar essa descoberta dos militares mais rápida no filme. O tempo da narrativa no longa-metragem seria mais envolvente ao espectador se esse transcurso dos policiais descobrindo o paradeiro dos guerrilheiros fosse, de fato, mais rápido.

Transição para uma cena de um bairro pobre, de chão batido. Música mais calma. Paulo desce de um ônibus e, enquanto aparece andando pela rua, em off ouve-se ele dizendo a Maria que precisa vê-la. Câmera se movimenta e foca em cartazes de “procurados” com as fotos do grupo.

Ele chega até uma casa simples, onde se encontra com Maria. Imagem dos dois sentados à mesa comendo. Eles discutem sobre o fato de que, no novo disco de Gilberto Gil, o cantor diz, disfarçadamente, Marighela. Maria diz que tem de se tocar o disco de trás para frente para ouvi-lo dizer. Paulo pergunta: “Mas Maria, ninguém ouve o disco de trás para frente”. Esse diálogo mostra um pouco o desânimo e a descrença nas próprias convicções. Aqui há um resgate de uma ideia que apareceu no livro de Gabeira (2009), de que o contar da história, no caso da obra escrita, parecia construir um caminho de redenção do narrador. Um caminho em que ele se redime de seus erros ao reconhecer as enormes falhas e escabrosos ideais egoístas.

“[Paulo] Foi um sonho que não deu certo. A gente está falando para o vento. Ninguém quer ouvir o que a gente tem a dizer. Seu nome não é Maria, é Andreia” (O QUE É ISSO, COMPANHEIRO? 1997), diz Paulo, reafirmando sua identidade, numa tentativa de afirmação de si mesmos, de se trazerem de volta à vida. Maria começa a chorar. Eles se abraçam. Enquanto isso, cena mostra carros da polícia chegando à casa.

Maria se levanta, talvez para ir ao banheiro. Paulo se recosta à parede e acende um cigarro. Câmera subjetiva mostrando que Fernando havia visto a porta da casa semiaberta. Ele se vira e foge, correndo. Música dramática. Câmera se vira para ele e acompanha sua corrida para fora da casa, com efeito de slow, o que prolonga o tempo da narrativa, aumentando a expectativa, a ansiedade e o clímax. Quando chega ao muro e tenta pular por sobre ele, toma

um tiro pelas costas e cai. O som da música para. O silêncio gera ansiedade e nervosismo. Velocidade da cena volta ao normal. Finalmente, Paulo e Maria estavam presos.

Cena toda escura. Simbolismo da escuridão, dos porões da ditadura, lugares que ficaram nas sombras da história. Câmera acompanha Henrique descendo as escadas, com o rosto na escuridão, fumando um cigarro, um simbolismo, também, do personagem descendo para escuridão, chegando ao pior de si. Câmera vai acompanhando Henrique ao fundo e, enquanto faz um tilt down, começa a aparecer Fernando preso em um pau de arara, de cabeça para baixo, respirando rápido, com cara de muito assustado.

Câmera subjetiva de Fernando. Ele vê Henrique de ponta cabeça dizendo a ele, justamente, que o seu mundo havia virado de ponta cabeça. Henrique sai do enquadramento, que, subjetivo, remete ao olhar de Fernando. Cena se torna toda preta, apenas som ambiente. Som de uma barra de metal, passos. Grito de Fernando.

Esta é uma cena muito forte do filme, porque retrata a violência da ditadura na cegueira do audiovisual. O que ninguém via, não é mostrado no filme. Fica, ao espectador, o grito angustiante de Fernando, indefeso e desamparado. Toda aquela tentativa de equilibrar o personagem Henrique com suas crises existenciais perde consistência nesta cena, em que ele se afunda no âmago de seu caráter, trazendo à tona violência e brutalidade. A escuridão e o silêncio, aqui, são fundamentais para passar essa mensagem.

Fundo preto. Letreiro: “Oito meses depois”.

Câmera em dolly18 acompanhando Maria sendo empurrada em uma cadeira de rodas.

Enquanto isso, ela narra uma carta a Fernando.

Fernando, o sequestro do embaixador alemão me encheu de esperanças. Será que você também vai estar na lista dos prisioneiros libertados? Quem sabe te vejo no embarque para Argélia. Jonas e Toledo estão mortos. Quanto a mim, não se assuste com o que vai ver. (O QUE É ISSO, COMPANHEIRO? 1997).

Essa fala final faz o papel de narrador, contando o que se passou. Substitui uma nova sequência de imagens. Os companheiros veem Maria chegando e todos olham assustados e

sérios. Estão todos na pista de um aeroporto, em frente a um avião. Eles se ajuntam e se posicionam para uma foto, erguendo braços e fazendo sinais de vitória com os dedos.

Imagem muda para branco e preto e congela. Efeito de desfoque enquanto a música de tensão caminha para o final.

Letreiro: “Em 1979 o governo militar, sob pressão da opinião pública, decreta anistia geral para todas as pessoas envolvidas em crimes políticos”.

Altera para o letreiro: “Seis meses após o sequestro, o embaixador Elbrick volta aos Estados Unidos para um exame de saúde. Sofre um derrame cerebral e não pode retornar a seu posto no Brasil. É aposentado. Morre em 1983”.

Muda para letreiro: “Em 1989, eleições livres se realizam e a democracia volta ao Brasil”.

Fade to White19. “Um filme de Bruno Barreto”.

No documento Uma análise de O que é isso, companheiro? (páginas 86-90)

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