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SABERES PRÉVIOS E LEITURA DE MUNDO

3 O EDUCANDO JOVEM E ADULTO CONSIDERADO A PARTIR DE

3.1 SABERES PRÉVIOS E LEITURA DE MUNDO

A alfabetização de jovens e adultos vai construindo uma nova dimensão quando refletimos um saber fazer docente, numa percepção de valorização dos saberes constituídos no dia-a-dia do educando. De acordo com Freire (2003, p. 27),

O conceito de Educação de adultos vai se movendo na direção do de educação popular na medida em que a realidade começa a fazer algumas exigências à sensibilidade e à competência científica dos educadores e das educadoras. Uma destas exigências tem que ver como a compreensão crítica dos educadores vem ocorrendo na cotidianidade do meio popular. Não é possível a educadoras e

educadores pensar apenas os procedimentos didáticos e os conteúdos a serem ensinados aos grupos populares. Os próprios conteúdos a serem ensinados não podem ser totalmente estranhos àquela cotidianidade. (grifos nossos).

Nesta perspectiva, falar da prática educativa do(a) educador(a) de jovens e adultos é falar, de um saber fazer concreto que vá além dos conteúdos, num trabalho crítico, que valorize efetivamente a realidade do educando, identificando-o a partir de sua inteligência de mundo. Como assinala a professora Anita Garibaldi:

Alfabetizar é uma arte que não se aprende só nos livros, mas praticando,

vivenciando, não é só ler e escrever, deixando o aluno usar suas criatividades, suas opiniões. Educar é estar em contato com o aluno, observando, trabalhando dentro da realidade do aluno. Quando estou em sala de aula, estou conhecendo a realidade do meu aluno, suas dificuldades. Prática educativa é trabalhar minhas idéias respeitando e ampliando as idéias do aluno. (grifo nosso)

Ao afirmar que alfabetizar é uma arte, e que esta por sua vez, só se aprende vivenciando, Anita Garibaldi, nos faz lembrar Cunha (2006, p. 23), quando diz, “a arte, [...] é passível de conhecimento, sendo desta forma sujeita ao processo de ensino-aprendizagem. Este processo se dá quando envolvemos um outro aspecto: O fazer”. Biancho Filho (In CUNHA, op.cit. p.23.) diz “na medida em que o fazer vai sendo concretizado, vai se desvelando em conhecimento”. Assim, esta tão importante arte de fazer conhecimento, é própria não apenas do artista, mas também do(a) educador(a), que no movimento do seu fazer educativo produz em comunhão com o educando, o conhecimento, dando o melhor de si, como diz Barbosa (In CUNHA, 2006, p. 22) a “[...] arte representa o melhor trabalho do ser humano”.

Ao tentar fazer o melhor na prática educativa, o(a) educador(a) ultrapassa os conteúdos pré-elaborados e os pressupostos teóricos, não se limitando a eles, mas criando e re-criando seu fazer docente na vivência do ensinar-aprender. Sobre essa questão Freire (op.cit.28) ressalta que

A prática educativa reconhecendo-se como prática política, se recusa a deixar-se aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes. Lidando com o processo de conhecer, a prática educativa é tão interessada em possibilitar o ensino de conteúdos às pessoas quanto em sua conscientização.

Dessa forma, na busca de uma prática conscientizadora, o(a) educador(a) da alfabetização de jovens e adultos precisa compreender que é possível unir as experiências de vida dos educandos com os conteúdos dos currículos oferecidos pelo sistema formal de ensino da EJA, num esforço em facilitar o aprendizado de um novo mundo, mais consciente, mais participativo, mais inclusivo. Severino (In FREIRE, 2005, p. 8), ao referir a pedagogia freireana, ressalta que “A leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo. E aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de tudo, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto [...] numa dinâmica que vincula linguagem com realidade”.

Entendida dessa forma e colocada na prática, o ensino da alfabetização de jovens e adultos serve como meio de interação dos saberes escolares com os saberes oriundos das experiências do educando. Estes conhecimentos constituem o que chamamos de saberes prévios, significando a compreensão que os jovens e adultos constroem ante a sua realidade cultural, enxergando e vivendo a fome, o desemprego, a pobreza. Os saberes prévios é a própria vida, é o processo da inteligência que constrói a noção que se tem das coisas: família, escola, do bom, do ruim, das coisas que estão ao seu redor. Como ressalta Freire (1996, p. 33)

Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os lixos que oferecem a saúde das gentes. Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida?

Este é o fazer pedagógico que só se valoriza efetivamente no processo ensino- aprendizagem, com a utilização dos conhecimentos prévios do educando, construídos em suas experiências de vida num determinado contexto histórico e/ou social.

Ao reconhecer os conhecimentos prévios, o(a) educador(a) está considerando os saberes do educando jovem e adulto constituídos antes da escola, sua visão de mundo ante os acontecimentos sociais e econômicos nos quais estão envolvidos como: a violência, o desemprego, a fome, a desigualdade social, bem como outros. Os educandos constroem para si diversas maneiras de adaptação no mundo letrado, desenvolvem, para sobreviver, capacidades de: operações matemáticas: somar, multiplicar, subtrair, dividir; de identificar lugares, de assinar, de ler, sem necessariamente ter passado sistematicamente por um processo formal de ensino. Tais saberes, quando em harmonia com as informações adquiridas na

escola, auxilia os(as) educadores(as) em sua prática educativa, oferecendo aos educandos condições de reconstruir seus próprios conhecimentos.

A preocupação que norteia esta pesquisa é identificar uma prática educativa inteligente que, possibilite uma alfabetização de jovens e adultos de qualidade que, sirva aos interesses e expectativas do educando, sendo uma forma de garantir sua maior inclusão social e conscientização acerca da capacidade do seu próprio reconhecimento como um verdadeiro cidadão. Como diz Piconez (2002, p. 87) ao entender que

[...] embora o aluno adulto não detenha os códigos formais, nem opere de acordo com seus critérios, ele possui, ainda assim, as estruturas necessárias para compreendê-los [...] garantir uma escolaridade de qualidade exige do professor acesso a tais conhecimentos, para que possa compreender os diferentes modos e estilos cognitivos de apropriação subjetiva da própria cultura que os alunos constituem, suas formas de expressão, e garantir um patamar comum de habilidades e atitudes que lhe permitam a ampliação de suas possibilidades de comunicação na sociedade em que vive e nas diferentes da sua.

Valorizar na prática educativa os saberes dos educandos, concretizá-los na dinâmica do ensino-aprendizagem, é dimensionar a forma de trabalho estabelecido pelos livros, produzindo criativamente um conhecimento de mundo que permita ao educando jovem e adulto comunicar-se de forma inteligível com a sociedade letrada.

Os jovens e adultos que não freqüentaram escola, produziram conhecimentos informais – como já mencionado - tendo como referência sua prática social. Sobre essa questão Piconez (2002, p. 73), referindo-se ao estudo realizado no Programa de Educação de Adultos6, assinala

[...] os sujeitos que não tiveram escolarização em tempo regular apresentam construções mentais estruturadas com base nas relações com o meio social e cultural, sem supostamente dispor dos instrumentos formais de registro dos seus raciocínios.

Assim, vale ressaltar que a união dos conhecimentos prévios do educando, com os saberes formais da escola pode tornar a prática pedagógica mais coerente e proveitosa. Coaduna-se com essas explicações quando Piconez (2002, p. 81) expõe durante a sua pesquisa, um problema em sala de aula

[...] referiu-se ao preço de uma saca de arroz e à relação com o que o sujeito poderia gastar na alimentação de sua família, um aluno revelou que não dava para resolver aquele problema, pois eles consumiam mais de um saco por mês em casa. Ele não conhecia a medida de uma saca.

A partir da reflexão acima exposta, podemos dizer que, quando o ensino na alfabetização de jovens e adultos não reconhece os saberes pré-existentes do educando, ele fica mais distante da aprendizagem oferecida pela escola, e assim distante de alcançar um resultado satisfatório.

Diante do exposto, queremos mostrar que, por meio dos conhecimentos prévios dos alfabetizandos jovens e adultos, o(a) educador(a) pode obter maior êxito, coerência e proveito, considerando assim, a leitura de mundo que eles já possuem da sua prática social, articulando- a com os conhecimentos formais da escola. “O interessante é a compreensão de que o professor pode mediar aprendizagens significativas, isto é, existe a possibilidade de intervenção pedagógica, numa ampla gama de situações que podem levar a construção ou mesmo à reconstrução de conhecimentos” (PICONEZ, Ibid. p. 87).Esta é uma prática docente em que o educando jovem e adulto é considerado no espaço escolar por meio de sua oralidade, dialogando, debatendo, produzindo textos, realizando operações a partir das experiências de seu cotidiano, colocando-o no processo de amadurecimento de seu mundo. Em função disso Freire (2003, p. 82) assinala,

Era analisando com os alunos seus trabalhos concretos, sua experiência de redação, que eu ia, com indiscutível facilidade, pondo sobre a mesa questões de sintaxe cujo estudo era previsto, na programação de conteúdos [...] Não era transplantada das páginas frias de uma gramática [...]

Uma das conseqüências óbvias de uma prática assim era o gosto com que os alunos se entregavam à escrita e à leitura. O gosto e a segurança.

Nesse sentido, o(a) educador(a) encontra, ciente da dimensão e da importância de reconhecer na prática educativa, o universo dos educandos através de sua oralidade, um meio facilitador de conduzi-los à libertação do senso comum, para o senso crítico, a fim de inseri- los de forma efetiva no meio social do mundo letrado.

Há de se considerar ainda que, não temos nesta pesquisa, o intuito de colocar imensas responsabilidades sobre o(a) educador(a) da alfabetização de jovens e adultos. Estamos apenas ressaltando, o seu poder de intervenção e direcionamento na prática educativa, a necessidade de sua consciência crítica e, sobretudo, do seu fazer cônscio na ação concreta em sala de aula com seu educando. Pois, como expressa a professora Pagu, alfabetizar “É um processo que vai muito além do ler e escrever, é poder proporcioná-los a leitura do que estar

ao seu redor. É tendo conhecimento de mundo que o cerca, a alfabetização se torna mais fácil, pois os educandos trazem uma bagagem enorme do mundo deles”. Esta bagagem é, geralmente exposta por meio de sua oralidade.