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O Sangue e o Tempo no Fim do Mundo

No documento Graham Hancock - As Digitais Dos Deuses (páginas 111-115)

Chichen Itza, norte de Yucatán, México

Às minhas costas, varando o ar a quase 35m de altura, erguia-se um zigurate perfeito, o Templo de Kukulkan. Suas quatro escadarias tinham 91 degraus cada Juntamente com a plataforma superior, que contava também como mais um degrau, o total chegava a 365 degraus, o que correspondia ao número de dias completos do ano solar. Além disso, o projeto geométrico e a orientação da antiga estrutura haviam sido graduados com uma precisão de relógio suíço para atingir um objetivo tão espetacular quanto esotérico: nos equinócios da primavera e outono, com a regularidade de um mecanismo de relógio, padrões triangulares de luz e sombra se combinavam para criar a ilusão de uma serpente gigantesca, ondulando na escadaria norte. Em ambas as ocasiões, a ilusão durava três horas e 22 minutos, exatamente!

Deixei para trás o Templo de Kukulkan e tomei a direção leste. À minha frente, desmentindo redondamente a falácia freqüentemente repetida de que os povos da América Central jamais conseguiram usar a coluna como recurso arquitetônico, erguia-se uma floresta de colunas de pedra branca que, em alguma ocasião no passado, deviam ter sustentado um telhado maciço. O sol brilhava forte e quente através do azul translúcido de um céu sem nuvens e as sombras frias e profundas da área constituíam um convite tentador. Passei pelo local

e dirigi-me para o pé dos degraus altos que levavam ao Templo dos Guerreiros, uma estrutura adjacente.

No alto dos degraus, e tornando-se inteiramente visível apenas depois de eu ter começado a galgá-Ios, destacava-se uma figura gigantesca, o ídolo de Chacmool, meio deitado, meio sentado, em uma postura estranhamente dura e expectante joelhos dobrados projetando-se para a frente, panturrilhas fortes puxadas para trás, tocando as coxas, calcanhares juntos colados às nádegas, cotovelos plantados no chão, mãos dobradas sobre o ventre, segurando um prato vazio, e as costas em um ângulo estranho, como se a figura estivesse justamente pronta para erguer-se. Se tivesse feito isso, calculei, ela teria cerca de 2,40m de altura. Mesmo reclinada, enrascada e fortemente comprimida, parecia transbordar de uma energia feroz e impiedosa. As feições quadradas tinham lábios finos e implacáveis, tão duros como a pedra em que haviam sido talhados, os olhos virados para oeste, que era tradicionalmente a direção das trevas, da morte e da cor preta.

Lugubremente, continuei a subir os degraus do Templo dos Guerreiros Como se fosse um peso na mente, havia o fato inesquecível de que rituais de sacrifícios humanos haviam sido rotineiramente praticados nesse local em tempos pré-colombianos. O prato vazio que Chacmool segurava junto ao estômago servira em eras remotas para receber corações recém-extraídos do peito. "Se o coração de uma vítima ia ser extirpado", escreveu um observador espanhol do século XVI, ela era conduzida com grande pompa (...) e colocada sobre a pedra sacrificial. Quatro ajudantes seguravam-lhe os braços e as pernas, estirando-os. Chegando em seguida o carrasco, com uma faca de sílex na mão, ele, com grande perícia, fazia uma incisão entre as costelas do lado esquerdo e abaixo do bico do seio. Em seguida, enfiava a mão e, como se fosse um tigre faminto, arrancava o coração vivo, que depositava no prato...

Que tipo de cultura poderia ter cultivado e celebrado esse costume demoníaco? Ali, em Chichen Itza, entre ruínas com mais de 1.200 anos de idade, tinha havido uma sociedade híbrida, produto do cruzamento de elementos maias e toltecas. Essa sociedade, porém, não fora absolutamente excepcional na propensão para cerimônias cruéis e bárbaras. Muito ao contrário, todas as grandes civilizações indígenas que se sabe que floresceram no México praticaram o extermínio ritualizado de seres humanos.

Matadouros

Villahermosa, Província de Tabasco

Nesse momento, eu olhava para o Altar de Sacrifício de Bebês. O local, criação dos olmecas, a denominada "cultura-matriz" da América Central, tinha mais de 3.000 anos de idade. Era um bloco de granito maciço, de cerca de 1,20m de espessura, tendo nos lados, em alto- relevo, quatro homens usando curiosos adereços de cabeça. Todos tinham nas mãos um bebê sadio, gordinho, esperneando em um pavor

claramente visível. A parte posterior do altar era destituída de decoração; já na frente, era representada uma figura tendo nos braços, como uma oferenda, o corpo de uma criança morta.

Os olmecas foram a civilização antiga mais avançada do México antigo e o sacrifício de seres humanos constituía um de seus costumes tradicionais. Dois mil e quinhentos anos mais tarde, por ocasião da conquista espanhola, os astecas eram os últimos (mas não os menos importantes) dos povos da região que davam prosseguimento a uma tradição extremamente antiga e profundamente enraizada.

E praticavam-na com fanático entusiasmo.

Consta dos anais, por exemplo, que Ahuitzod, o oitavo e mais poderoso imperador da dinastia real asteca, "celebrou a inauguração do templo de Huitzilopochtli, em Tenochitlán, mandando formar prisioneiros em quatro fiIas, que marcharam diante de equipes de sacerdotes que trabalharam durante quatro dias seguidos para dar cabo de todos eles. Nessa ocasião, nada menos de 80.000 indivíduos foram sacrificados em um único rito cerimonial".

Os astecas gostavam de se enfeitar com a pele arrancada das vítimas sacrificiais.

Bernardino de Sahagun, um missionário espanhol, compareceu a uma dessas cerimônias pouco depois da conquista:

Os celebrantes esfolavam e esquartejavam os cativos. Em seguida, lubrificavam seus corpos nus com sebo e vestiam a pele. (...) Escorrendo sangue e gordura, esses homens sinistramente vestidos corriam através da cidade, apavorando aqueles a quem perseguiam... O rito do segundo dia incluiu também um banquete de carne humana para a família de cada guerreiro.

Outro sacrifício em massa foi presenciado por Diego de Durán, historiador espanhol. Nesse caso, as vítimas foram tão numerosas que, quando os riachos de sangue, que desciam pelos degraus do templo, "chegaram ao chão e coagularam, formaram grossos torrões,

o suficiente para apavorar todos que se encontravam ali". No total, estima-se que o número de vítimas sacrificiais no império asteca como um todo chegou a cerca de 250.000 ao ano, no início do século XVI. A que fim servia essa destruição insana de vidas humanas? De acordo com os próprios astecas, o ritual era praticado para retardar o fim do mundo.

No documento Graham Hancock - As Digitais Dos Deuses (páginas 111-115)