• Nenhum resultado encontrado

Embora o espaço esteja sob a gestão de Zé Miranda desde 2011, nós aqui iremos utilizar como recorte temporal a data em que ocorreu o primeiro Sarau. Portanto a análise se concentrará no período que se inicia em 23/03/2013 até o último sarau, o de número 110, realizado no dia 17/07/2017. Depois deste dia houve um hiato de quase um ano, até a retomada do Sarau em 2018.

Figura 23 - Chamada para o 1º Sarau

Fonte: Página do Cantinho Girassol no Facebook

<https://www.facebook.com/cantinho.girassol>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Logo no primeiro evento, Zé Miranda fez uma chamada em sua página no Facebook, fato que irá se repetir ao longo das edições posteriores. Antes do sarau, Zé Miranda realiza as chamadas para a atividade e após a realização do evento publica as fotos na página do espaço.

O primeiro sarau na Rua Alexandre Caldini ocorreu no dia 23/03/2013. Foi apresentado pelo professor de filosofia Antônio Paulo Silva e contou com a participação do grupo Coesão Poética.

Neste primeiro momento é possível destacar a presença de duas importantes figuras, o filósofo Antônio Paulo Silva (o Silva) e o poeta Córdoba Jr.. De acordo com os relatos coletados e as conversas informais no balcão do boteco, foram eles os primeiros entusiastas do projeto de Zé Miranda.

Córdoba Jr foi o responsável pelo contato com o Grupo Coesão Poética, do qual ele participava, e o Silva responsabilizou-se por apresentar o sarau.

Analisando as postagens na página do lugar é possível perceber o entusiasmo pós-sarau.

Figura 24 - Comentários na postagem com as fotos do Sarau

Fonte: Página do Cantinho Girassol no Facebook

<https://www.facebook.com/cantinho.girassol>. Acesso em: 20 jan. 2018.

Logo no primeiro mês já foram feitas homenagens ao sarau. Uma artista plástica do grupo Coesão Poética pintou uma tela e presenteou o espaço com ela, já o poeta Córdoba Jr fez um poema em homenagem a Zé Miranda.

Para quem quer sair da mesmice que existe por ai!!! Dia 11/05/2013 tem Sarau Palavra Encantada.

Com participação ESPECIAL do grupo COESÃO POÉTICA.

O Sarau Palavra Encantada é um movimento cultural que acontece na cidade de Sorocaba. Um sarau para o povo, um espaço livre para expressão artística com o intuito de incentivar o gosto pela poesia, leitura, teatro música de qualidade e artes plásticas. Um movimento onde cabeças pensantes se reúnem para mostrar seu talento. Venha participar você também. O clima é de paz, amor e amizade. Rua Alexandre Caldini 516. Wanel Ville l. A partir das 17:00 horas.” (Retirado da página do Cantinho Girassol no Facebook. Publicação do dia 29 de abril de 2013).

Então foi sob esses pilares que se edificou o Sarau Palavra Encantada, que existe até o momento. A parceria com o grupo Coesão Poética foi, desde o início, bastante forte e fértil, sendo o próprio Córdoba Jr. integrante deste coletivo, como já dissemos.

Em 2013, o Sarau estava em processo de formação e consolidação na cidade de Sorocaba, ainda não haviam acontecido os conflitos, tampouco as disputas, mudanças e adaptações, que transformaram o Sarau e ainda o transformam.

De acordo com Zé Miranda, houve algumas dificuldades para a implantação do Sarau Palavra Encantada em Sorocaba, relacionadas à cultura do sorocabano.

As maiores dificuldades? Às vezes a gente tem um pouco de dificuldade... Talvez um pouco de ego entre alguns artistas que participam, ou possa se achar melhor do que os outros né, e eu tento pregar a igualdade, para mim aqui participa o músico profissional ou aquele amador, participa o poeta, como pode participar também o gari que passa na rua ali e tem vontade de participar. Então a gente fica tendo dificuldade as vezes de fazer com que alguns entendam isso né. Por que existe, às vezes, pessoas que acham que por ser melhor e tal, pode estar menosprezando os outros, e quando isso acontece eu fico chateado de ver isso acontecer, por que não é a minha intenção.

Existe um pouco essa dificuldade aqui na cidade de Sorocaba, é uma dificuldade aqui, não era lá em São Paulo. São Paulo eu nunca tive esse problema, até por que tinham muito mais pessoas ligadas a arte que frequentava. Até como eu te falei, tinham pessoas que saiam lá da cooperifa, que é a cooperativa da periferia, então essas pessoas já entendiam, entendem o que é o trabalho, feito para o povo. É um trabalho de incentivo cultural, então quando eles vinham, eles já vinham sabendo o que é o objetivo do trabalho e o que eles tinham que fazer, quem que eles têm que atingir né, aquele que não tem oportunidade, aquele que não conhece, então o cara já vinha preparado para aquilo. Não falar, ah aquele lá não toca nada, aquele lá não canta nada, a sua poesia não presta. Tendeu? Essa, um pouquinho é essa a dificuldade, que até isso o pessoal que frequenta tem eles tem que estar aprendendo isso, também não é só os que não sabem da arte, é os que sabem da arte e não querem compreender isso. (informação verbal)33

Para os frequentadores o espaço é de fundamental importância. De acordo com o poeta Evandro Aranha,

Absolutamente! Foi o lugar que eu me descobri, porque antigamente eu achava que eu escrevia poesia para mim. A partir do momento que vim aqui, o pessoal foi receptivo, foi acolhedor, eu descobri que a poesia tinha uma função muito maior do que satisfazer meu ego. Era uma coisa que alguém podia realmente ouvir o que eu estava falando, podia acreditar naquilo, sentir alguma coisa diferente. E aqui, pelo fato de ser um bar receptivo, os donos darem total liberdade, apoio mesmo, cultural à arte, me fez assim praticamente... aqui eu brinco com o Zé: aqui e minha segunda casa. Eu, quando quero declamar, às vezes venho aqui é minha segunda casa, porque é “do caralho”. (informação verbal)34

Ainda segundo o poeta,

O Girassol acredito que tem uma função, primeiramente, de cidadania e de ocupação do espaço público, porque ele ocupa. Esse movimento aqui do Girassol, ele é um movimento que mostra que a cultura não tem que ficar trancafiada em biblioteca, em museu. Ele mostra que um bar na periferia pode prestar esse papel de ser um agente público modificador das pessoas. Além da parte cidadã, também é um ato político, porque a arte é política. Então o fato dele abrir, é um ato político de rebeldia contra o sistema que – o Zé vai falar bem melhor que eu – ele não se contentou em saber que poesia era só em biblioteca, “não sei o que” era só em museu. Eu acho que ele falou assim “O bar também pode ser o local também.”. Então, além de cidadania, política, tem várias funções aqui o Girassol. Eu acho que ele cumpre bem todas elas. O Girassol é “foda”. (informação verbal)35

Nas falas do poeta Evandro Aranha podemos encontrar evidências da importância e da potencialidade da experiência estudada. O Sarau Palavra

33 Relato de Zé Miranda, em entrevista concedida ao autor, no dia 22/11/2016. 34 Relato de Evandro Aranha, em entrevista concedida ao autor, no dia 05/11/2016. 35 Relato de Evandro Aranha, em entrevista concedida ao autor, no dia 05/11/2016.

Encantada aparece enquanto importante espaço de acolhimento de artistas que buscam um lugar para socializar a arte que produzem, e ainda como elemento político e modificador das pessoas, uma vez que promove o encontro e a socialização de saberes, de conhecimento e da arte.

A generalização da privatização do espaço, a proliferação de shoppings e condomínios fechados, promove a pasteurização da vida.

Lidar com um luto, por exemplo, que já não é uma tarefa fácil, se torna um fardo ainda mais pesado se não há meios de socializar essa angustia. O Poeta Córdoba Jr., entusiasta do Sarau desde o seu começo, afirma,

Puxa vida, rapaz! O espaço, depois que a dona da pensão foi embora, um ano e sete meses [atrás]. Principalmente, o espaço foi uma ajuda, um auxílio. O espaço pra mim, tanto o Zé quanto a Ciça, na minha opinião, são pra mim, como uma espécie de psicólogos. Porque, agora nem tanto, eu confesso que agora eu dei uma recuperada, tô numa ascensão muito boa, não vou negar isso aí. Ainda, eventualmente, de manhã, as minhas manhãs, ainda são um pouco tristes, porque eu moro numa casa relativamente grande, como não tenho filhos, comigo ali, sou eu e eu e as quatro paredes. Mas o Zé e a Ciça me deram uma força muito grande nessa ajuda para com a minha recuperação. (informação verbal)36

Ainda de acordo com o poeta,

Sem dúvida! Eu estou muito contente com o que eu faço aqui no Cantinho. Bom, posso estar sendo egoísta, pensando em mim no sentido de: eu venho, faço o que eu gosto, se alguém não gostou não é problema meu. Não, eu tenho certeza que todo mundo que vem aqui, gosta de frequentar o Cantinho. Tem uma magia diferente, uma magia especial aqui no Cantinho. É meio difícil até de explicar. Pra você ver: O Bosco, mesmo, falou outro dia que ele também se sente assim e quando sai daqui, sai de maneira diferente. Até eu brinquei com ele, falei com você, falei que era como a capela João de Camargo: você entrava lá e saía diferente. E faz muito tempo que não vou lá, muito mesmo. Mas ouvi alguém falar, isso eu achei interessante a frase: “O Cantinho é isso: você vem aqui não querendo nada, acaba se espairecendo, tendo uma alegria muito grande de participar do sarau, dos dias de música”. Então eu estou muito contente, não tenho o mínimo a reclamar, só a agradecer. (informação verbal)37

Acolher artistas que não tem um espaço para apresentar seu trabalho, oferecer um espaço em que as pessoas possam encontrar-se para socializar suas alegrias e suas tristezas, são algumas das funções do Sarau Palavra Encantada. Há ainda a função de permitir o desenvolvimento e o aprendizado das pessoas que constroem e utilizam o espaço.

36Relato de Córdoba Jr., em entrevista concedida ao autor, no dia 10/11/2016. 37 Relato de Córdoba Jr., em entrevista concedida ao autor, no dia 10/11/2016.

5 BAR LUGAR DE ENCONTRO NA CIDADE

Fundo do Quintal, como um todo, torna-se uma realidade nebulosa para os residentes, uma realidade percebida como um misto de impotência, ressentimentos e talvez, também de orgulho, se a possibilidade de ação política acompanhar a consciência de lugar. (TUAN, 1983, p.191).

As cidades contemporâneas não favorecem o encontro entre as pessoas, os lugares onde se pode sentar e dialogar de forma desapressada são cada vez mais raros, sendo que as próprias praças públicas carecem de bancos e lugares adequados a permanência dos seus cidadãos, esta cidade que separa e desagrega dificulta a troca de experiências e mesmo afetos.

De acordo com Cavalheiro (2017, p. 12),

[...] a ideologia capitalista cria o sentimento de individualismo e até mesmo de competição entre os seus. No entanto, mesmo que não se sinta mais dependente do outro, há uma carência, que não é somente material, que faz com que os humanos se agreguem em grupos e que delimitem seus espaços de atuação, que busquem cultuar seus lugares de memória.

Na realidade, o outro é visto muitas vezes como inimigo; adversário a ser batido na brutal lógica do individualismo e da competição.

A alienação e o adestramento para o consumo aparecem nas obras de Milton Santos e Guy Debord. De acordo com Debord (1997, p. 23), “Por isso, a atual “liberação do trabalho”, o aumento do lazer, não significa de modo algum a liberação no trabalho, nem liberação em um mundo moldado por esse trabalho”. Para ele, “Nesse ponto “da segunda revolução industrial”, o consumo alienado torna-se para as massas um dever suplementar à produção alienada” (Debord, 1997, p. 31).

De acordo com Certeau (2012, p. 42-43),

Uma sociedade inteira aprende que a felicidade não se identifica com o desenvolvimento. Ela o confessa, ao atribuir um lugar cada vez maior aos lazeres – esse para além e essa “recompensa” do trabalho -, cultivando o sonho das férias ou da aposentadoria. (...) Ficção erótica, ficção científica... A ficção está por toda parte. Podemos partir de um exemplo. Você a encontra em todas as revistas eróticas. Sexualidade-ficção também. O empregado ou colarinho-branco que compra uma dessas revistas, ao tomar à noite seu trem de subúrbio nelas procura uma iniciação? Não, ele não pede à sua revista uma lição prática. Ao contrário, ele a lê precisamente porque não o fará. É a sexualidade-ficção. O leitor encontra nas imagens uma história ausente. De onde uma primeira constatação: aquele que entra nessa linguagem é aquele que sai da vida cotidiana e que a existência não mais proporciona, seja pelo cansaço, seja porque não se ousa mais pensar numa mudança do possível. Por isso deve-se contentar em sonhar com ele. Ou em vê-lo, à falta de fazê-lo. Como dizia uma propaganda de um canal de

televisão: “Seja esportivo – em sua poltrona. ” É-se espectador renunciando a ser ator. (...) “Do mesmo modo, na medida em que os objetos que povoam o imaginário fixam a topografia daquilo que não mais se faz, podemos nos perguntar se, reciprocamente, aquilo que mais vemos não define hoje aquilo que mais falta”.

As pessoas transformam-se em competidores e consumidores vorazes. Uma imagem que pode caracterizar bastante o que é dito acima é a das filas que se formam em frente às lojas nos dias de Black Friday. Consumir é uma tarefa e o outro pode ser um empecilho neste processo.

Certeau (2012, p. 46),

Esse discurso imaginário do comércio ocupa cada vez mais os muros. Ele se mostra em todas as ruas, somente interrompido pelas fendas das avenidas. A cidade contemporânea torna-se um labirinto de imagens. Ela se dá uma grafia própria, diurna e noturna, que dispõe um vocabulário de imagens sobre um novo espaço de escritura. Uma paisagem de cartazes organiza nossa realidade. É uma linguagem mural com o repertório das suas felicidades próximas. Esconde os edifícios onde o trabalho foi encerrado, cobre os universos fechados do cotidiano; instala artifícios que seguem os trajetos da faina para lhes justapor os momentos sucessivos do prazer. Uma cidade que constitui um verdadeiro “museu imaginário” forma o contraponto da cidade ao trabalho.

De acordo com Santos (1987, p. 37), “Nesse quadro de vida, a existência é vivida não tanto para a consagração dos valores, mas para a busca das coisas, o produtor se tornando submisso ao objeto produzido”.

Ainda de acordo com Santos (1987, p. 56),

Isto seria um dos resultados da crise profunda em que o mundo está vivendo: pobreza crescente em meio a abundância, apelo ao consumo e dificuldade para atender a esse apelo, ampliação do tempo livre para os bem empregados e imposições de tempo livre aos sem emprego

Nesse sentido é de fundamental importância a criação de espaço de encontro, onde sejam os próprios homens e mulheres seus criadores. Um espaço que seja a “sua imagem e semelhança”.

De de acordo com Santos (1987, p. 61), “Quando o homem se defronta com um espaço que não ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a sede de uma vigorosa alienação”. Assim podemos classificar os Shoppings Centers de Sorocaba, as dezenas de bares espalhados pelas áreas nobres da cidade, como no bairro Campolim, a Biblioteca Municipal e outros tantos.

A comunidade necessita de espaços desalienados onde possam desenvolver suas potencialidades, sua criatividade e suas solidariedades.

De acordo com Santos (1987, p. 61), “As cidades têm um grande papel na criação dos fermentos que conduzem a ampliar o grau de consciência.”.

Pois não se pode deixar o cidadão indefeso, à mercê da ofensiva do capital. Para Santos (1987, p. 63), “O Consumo escraviza as classes médias (de um modo geral, mas felizmente não absoluto) e suprime os élans da rebeldia, a vontade de ser outro, amesquinhando a personalidade”.

Aqui também estamos discutindo o Cantinho Girassol enquanto potencial espaço de resistência. Mas antes de tudo precisamos dizer o que entendemos por resistência e a que se está resistindo.

Por resistência aqui compreenderemos uma resistência cultural, resistência à cultura de massa, dominante, à lógica da sociedade de consumo e aos grandes eventos.

Evidentemente que o Cantinho Girassol não é o espaço de resistência nos moldes que Zé Miranda esperava que fosse; o público que frequenta o Sarau não parece partilhar da mesma concepção que ele com relação à significação do espaço, para o público o local funciona muito mais como um espaço de encontro que qualquer outra coisa.

Mas mesmo sem enquadrar-se no que chamamos de espaço de resistência propriamente dito, o Cantinho Girassol, através de seu Sarau Palavra Encantada e de sua Biblioteca Comunitária funciona como uma resistência à dinâmica da cidade, justamente por que promove o encontro entre as pessoas através da arte e da cultura.

Além disso, embora o conteúdo das apresentações – as músicas principalmente – seja produto da indústria cultural, a forma como esses conteúdos são utilizados é bastante peculiar.

Não há nas apresentações a pretensão de reproduzir fielmente as canções, tampouco uma preocupação muito minuciosa com a afinação. Em outras palavras não é preciso ser “bom” para se apresentar, basta estar disposto a fazê-lo.

Neste sentido, embora não haja ineditismo e tampouco uma produção artística própria, com características do fazer dos periféricos, ou ainda uma temática própria da periferia, as apresentações trazem à tona um modo próprio de produção do entretenimento.

Afinal, ao utilizarem-se das produções da indústria cultural, da forma como o fazem, os frequentadores do Cantinho Girassol estão dando valor de uso aos produtos que foram feitos para ter um alto valor de troca.

De acordo com Certeau (1998, p. 39),

A fabricação que se quer detectar é uma produção, uma poética² - mas escondida, por que ela se dissemina nas regiões definidas e ocupadas pelos sistemas da “produção” (televisiva, urbanística, comercial etc.) e porque a extensão sempre mais totalitária desses sistemas não deixa aos “consumidores” um lugar onde possam marcar o que fazem com os produtos. A uma produção racionalizada, expansionista além de centralizada, barulhenta e espetacular, corresponde outra produção, qualificada de “consumo”, esta é astuciosa, é dispersa, mas ao mesmo tempo ela se insinua ubiquamente, silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com produtos próprios, mas nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econômica dominante.

Nesse sentido, embora seja verdade que os conteúdos são oriundos de uma cultura de massa, a forma de representa-los é típica dos populares.

É daí que vem o caráter da resistência.

Resistência no sentido de ressignificar os produtos da ordem econômica hegemônica. É um equívoco pensar que o discurso dominante atinja as classes populares e seja recebido sem adaptações ou modificações... De acordo com Certeau (1998, p. 40): “Em grau menor, um equívoco semelhante se insinua em nossas sociedades com o uso que os meios “populares” fazem das culturas difundidas e impostas pelas “elites” produtoras de linguagem.”.

Nem todos os frequentadores do Sarau Palavra Encantada são produtores de poesias e/ou músicas inéditas, no entanto isso não os transforma automaticamente em meros consumidores e/ou reprodutores de conteúdos da indústria cultural. Certeau (1998, p. 49), argumenta sobre a relação produtor-consumidor,

“O binômio produção-consumo poderia ser substituído por seu equivalente geral: escritura-leitura. A leitura (da imagem ou do texto) parece aliás constituir o ponto máximo da passividade que caracterizaria o consumidor, constituído em voyeur (troglodita ou nômade) em uma “sociedade do espetáculo”. (...) Esta mutação torna o texto habitável, à maneira de um apartamento alugado. Ela transforma a propriedade do outro em lugar tomado de empréstimo, por alguns instantes, por um passante. Os locatários efetuam uma mudança semelhante no apartamento que mobíliam com seus gestos e recordações; os locutores, na língua em que fazem deslizar as mensagens de sua língua materna e, pelo sotaque, por “rodeios” (ou giros) próprios, etc., a sua própria história; os pedestres, nas ruas por onde fazem caminhar as florestas de seus desejos e interesses.”

Ou seja, ainda que muitas das vezes se apropriassem de produções advindas da indústria cultural, os sujeitos do Sarau Palavra Encantada resistem à ordem hegemônica ao serem eles os protagonistas, não meros espectadores.

Outra coisa interessante de acompanhar a gênese e o desenvolvimento do Cantinho Girassol ao longo desta pesquisa foi notar o envelhecimento de seu público.

Nos primeiros Saraus o público era mais heterogêneo. Claro que havia em sua maioria pessoas de idade mais avançada, mas ainda assim a juventude se fazia

Documentos relacionados